Capítulo 04
... Isabella ...
Chego em casa e me jogo no sofá, ainda tentando recuperar o ar depois do abraço e daquele frágil beijo. Queria que ele tivesse ido além, que tivesse feito comigo tudo o que, silenciosamente, eu implorava. Mas ele se conteve, imerso no luto e no amor que, eu percebi, ainda sente pela esposa morta. Morta há três anos! Eu não quero ser insensível, não quero dizer que ele não pode sofrer, não quero delimitar seus pensamentos; mas... Mas Matheus precisa viver. Ele precisa entender que há mais além da perda. Que é possível recomeçar. Não esquecer, mas seguir em frente.
***
Estou terminando de me arrumar e a cada segundo que passa a noção de que vou vê-lo novamente faz minhas mãos suarem e meu estômago embrulhar. Pensei em tantas coisas noite passada; principalmente na hipótese de ele ter se arrependido de uma possível aproximação e nunca mais querer fazer isso novamente.
Me encaro no espelho e, em vez de meu reflexo, consigo vê-lo. Seus olhos verdes me encaram, me pedindo socorro, pedindo para ser tirado daquela tristeza profunda. Sem perceber, sinto uma lágrima correr no canto dos meus olhos. Será que sou assim tão impressionável para me apaixonar por um quase desconhecido? Eu também tenho os meus traumas, e o sorriso em meu rosto esconde tantas coisas... Coisas que sei que Matheus entenderia, pois seu coração tem marcas, assim como o meu.
Ao chegar no restaurante, vejo todos reunidos no salão. Cumprimento cada um e fico ao lado de Paulo, que é por quem peguei mais amizade. Olho para Matheus à minha frente, mas em momento algum ele me olha nos olhos. É como se eu não existisse. Engulo a decepção e faço o possível para não encará-lo.
— Então todos entenderam? — pergunta ele, olhando para toda a equipe.
Balanço a cabeça confirmando, mas na verdade não ouvi uma palavra do que disse. Meus pensamentos estavam no dia anterior, repetindo-se em minha mente enquanto eu me perguntava o que havia feito de errado para ser ignorada dessa forma. Eu deveria ter me concentrado mais. Como posso participar de uma reunião no segundo dia de trabalho e não ouvir o que meu chefe diz?
Matheus assente e se retira. Vejo ele subir para seu escritório sem olhar para trás. Começo a andar em direção ao vestiário.
— Tudo bem com você? — Paulo pergunta, caminhando ao meu lado.
— Está sim. — Claro que é uma grande mentira. — Posso confessar uma coisa? — Paulo confirmar com a cabeça. — Eu não ouvi uma palavra do que o senhor Oliveira disse. — Começo a rir de nervoso.
Paulo sorri e ali percebo o quão bonito ele é. Seu sorriso é meigo e acolhedor. Quem o vê nem imagina que trabalha em uma cozinha; o imaginaria como empresário, ou advogado. Moreno, alto e de olhos castanhos, é fácil imaginá-lo em um terno. E tenho certeza que ficaria muito bem.
— Não se preocupe, não foi nada importante. Era mais pra colocar todos a par de como anda o restaurante, reforçar as orientações de segurança... Esse tipo de coisa. Ele faz isso uma vez por semana, então vá se acostumando.
Encaro a mochila em minha mão. Será que Matheus me mandará embora no fim das contas?
— Você acha que passo pelo período de experiência? — pergunto, e Paulo para na minha frente.
— Eu tenho certeza disso.
Essa frase me faz recuperar toda a minha confiança. Eu vim para esse restaurante para mostrar do que sou capaz, e é isso o que farei. Mostrarei que Isabella Silva é uma grande chefe.
— Obrigada — digo antes que ele entre no vestiário masculino. Ele acena com a cabeça e abre aquele sorriso perfeito.
Não seria mais fácil ter me encantado por Paulo, que é solteiro e muito simpático? Balanço a cabeça. O coração nunca quer o que é mais fácil.
...
A cozinha está uma verdadeira correria. É corta legumes de um lado, corta carne de outro, monta prato, prova tempero... Essa é a vida que escolhi. Cada vez que um prato fica pronto, sinto orgulho de mim mesma.
— Eu já almocei, Isabella — avisa Paulo. — Pode ir lá. Agora está mais tranquilo. Tenho certeza que deve estar faminta.
E eu realmente estou. Já passou do horário de almoço, mas estava corrido e não dava para parar. No fundo dá cozinha há um cômodo com uma mesa de jantar grande, onde os funcionários fazem suas refeições. Monto meu pratinho e vou até lá almoçar. Assim que entro, olho para o fundo do cômodo e prendo a respiração ao avistar, sentado na última cadeira, Matheus. Então lembro que há duas entradas para esse cômodo; uma direto da cozinha e outra do salão principal.
Seu olhar encontra o meu e aperto o prato em minhas mãos, com tanta força que não sei como ele não se quebra. Penso em sentar perto dele, mas o pensamento mal se forma em minha cabeça e o vejo desviar os olhos e voltar a atenção para o próprio prato.
Sento na outra extremidade da mesa e como em silêncio. Vez ou outra, olho para ele e o pego me encarando. Mas da sua boca não sai nenhuma palavra. Nem sequer um sorriso. Quando se levanta e passa por mim, abaixo a cabeça e encaro meu prato vazio. Consegui ouvi-lo dizer:
— A comida está muito boa. Parabéns.
E então sai antes que eu possa agradecer. Mas é o suficiente para fazer meu coração acelerar e um sorriso se formar em meus lábios. E, ainda sorrindo, volto para a cozinha.
...
Três semanas se passaram desde aquele abraço e Matheus só fala o básico comigo, com o mesmo tom calmo e profissional de sempre. Almoçamos no mesmo horário — ou tentamos. Há vezes em que chego lá e o encontro remexendo a comida no prato, e não sei se está me esperando ou apenas sem fome.
Hoje estou decidida a me sentar perto dele e tentar puxar assunto.
Pego meu prato e assim que entro, vejo que não está sozinho, como das outras vezes. Bianca está sentada ao seu lado. Apesar de um sorriso estar estampado em seu rosto, o de Matheus continua sério. Ele apenas balança a cabeça, confirmando enquanto coloca uma colher atrás da outra na boca. Me sento à mesa no mesmo lugar de sempre.
— Oi, Isabella — diz ela, sorrindo.
Apenas aceno com a cabeça.
Ela nem fala comigo direito. Certeza que é só para chamar minha atenção; para que eu veja como está ao lado de Matheus. Tão patética. Nunca havia visto Matheus comer tão rápido como hoje. Acho que vai acabar com uma indigestão. Será que ela não percebe que ele não está gostando da conversa? Que está forçando a barra para cima dele?
— Terminei. — Matheus se levanta rapidamente.
— Pode deixar que levo seu prato. Já estou terminando. — Bianca pega o prato de sua mão antes mesmo de ele responder.
Matheus agradece e começa a caminhar até a saída. E meu coração acelera, como sempre faz nessa parte.
— A comida está perfeita, como sempre — ele me diz as mesmas palavras de todos os dias. Mas isso não me impede de sorrir e o meu coração de bater descontrolado contra o peito.
Embora comemore por dentro, por fora pareço inabalável; a imagem da tranquilidade.
Vejo Bianca olhar em minha direção, totalmente surpresa. Será que ela pensa que Matheus não pode falar com nenhuma outra mulher além dela?
A ignoro e continuo a comer.
Todo dia, sem exceção, Matheus elogia minha comida. Mas hoje, com outra pessoa por perto, achei que não faria isso.
Bianca sai sem dar uma palavra. Parece que toda aquela simpatia também foi embora assim que Matheus se retirou. E eu não estou nem aí. Tudo que preciso é desse único momento de contato que tenho com ele, que tenho com o Matheus que existe ali dentro daquele peito sofrido.
Retorno ao trabalho sorrindo.