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CAPÍTULO 2

OLIVER RESENDE

-Bianca, há algo mais que precisa da minha atenção ou já posso ir? -pergunto a minha secretária, uma eficiente funcionária que trabalha comigo há quase um ano, quando o fim do horário de expediente se aproxima.

-Tudo certo chefe, todos os documentos que exigiam urgência foram devidamente analisados pelo senhor mais cedo. -Bianca para de digitar algo em seu computador para me fitar atentamente. -Então por hoje é só, acho que está liberado.

-Muito obrigado pela consideração, senhorita Riveira. -rimos de maneira cúmplice. -Por um momento pensei que minha chefa carrasca iria me manter até mais tarde no serviço hoje.

-Jamais faria algo do tipo com um funcionário tão exemplar. -ela graceja ainda no clima de descontração.

-Fico feliz em saber disso. -trocamos o costumeiro soquinho de despedida. -Pode deixar essa pasta na sala do Tales para mim antes de sair do escritório? Tenho um jantar para ir dentro de poucas horas e eu estou com um pouco de pressa. Se passar lá agora meu querido sócio vai me agarrar de conversa até amanhã.

-É claro, Oliver. Pode deixar comigo. -ela pisca um olho e eu me despeço.

-Obrigado, Bianca. Tenha uma boa noite.

-O senhor também.

* * *

-Pai, já está pronto para irmos? -pergunto através do interfone ao estacionar em frente sua casa, que fica em um bairro bastante afastado nos arredores da cidade.

-Estou. -ele responde saindo pela porta e trancando-a em seguida. -Eu disse que não precisava se incomodar em dirigir essa distância toda para me buscar, garoto. Eu poderia muito bem dirigir até lá, esqueceu que conheço bem o caminho? -meu pai questiona quando já estamos na estrada.

-Não esqueci, pai. Mas eu faço questão. Isso não é trabalho nenhum para mim. Que tipo de filho eu seria se me incomodasse com simples fato de servi-lo? O senhor já fez tanto por mim nessa vida que oferecer apenas uma carona não é nada perto dessas coisas.

Dou de ombros de modo displicente por ser a mais pura verdade.

-Além do mais, sabe que gosto de passar um tempo com o senhor, o que é bem difícil agora que cismou de morar tão longe. -ergo uma sobrancelha em desafio.

-Você precisa arrumar uma namorada, isso sim. -ela comenta tranquilamente quando paro o carro em frente a casa da família Morales. -Não é normal um homem da sua idade preferir perder tempo na companhia de seu velho pai do que ao lado de uma bela garota. -ele ri dando alguns tapinhas em minhas costas.

-Vejam só se não são os dois rapazes mais galantes de Belo Horizonte? -Josefina como sempre nos recepciona com sua enorme alegria e hospitalidade.

-Achei que tivesse dado esse posto para seu filho. -eu a abraço.

-Henrique não mora aqui, então não conta. -Josefina retribui o gesto e também abraça meu pai na sequência. -Mas... acredito que em breve isso mudará. -ela ri conspiratória, mas nem eu ou meu pai ousamos comentar nada a respeito por já conhecer as loucuras da mulher.

-Cada vez que tenho o prazer de vir aqui, essa casa parece ainda mais encantadora tal qual a dona dela. -eu elogio enquanto seguimos rumo a cozinha.

-Ora, deixe de bajulação barata para cima da minha mãe, seu cara de pau. -Henrique surge de repente em meu campo de visão surpreendendo-me com sua presença.

-E aí, amigão? Como vai? -nos cumprimentamos rapidamente com alguns gestos.

-Ótimo e vocês? -meu pai também troca um aperto de mãos com ele.

-Vivendo um dia de cada vez. -respondo sendo interrompido pelo som da campainha tocando.

-Ah, parece que finalmente nossas outras convidas chegaram! -Josefina bate palmas animadamente e corre para atender as visitas.

-Convidadas? -questiono Henrique com um olhar desconfiado.

-As mais especiais que conhecerá hoje. -ele diz com um sorriso enorme e enigmático no rosto antes de seguir pelo mesmo caminho que sua mãe havia feito.

Para não ser deselegante com as convidadas de Josefina, meu pai e eu fazemos o mesmo, nos dirigindo para a sala afim de lhes dar as boas vindas.

-Estou tão feliz por aceitarem o convite tão em cima da hora e comparecido!

Josefina exclama radiante ao se desvencilhar dos braços de uma pequena e sorridente garotinha de lindos cachos e olhos verdes, e partir para a mulher loira atrás dela.

-Nós é que agradecemos, dona Josefina. É um enorme prazer estar aqui. -a loira responde educadamente e se vira para trás provavelmente para falar com mais alguém. -Não é mesmo, Michele?

É então que meu coração erra uma batida quando a tal Michele entra. Que mulher mais linda! Meus olhos não deixam de reparar em cada mínimo detalhe e trejeito gracioso que a morena exibe.

Tudo nela grita "sou maravilhosa e perfeita demais, meu amor". Desde as generosas curvas destacadas no vestido simples mas que roubaram completamente minha atenção desde que meus olhos pousaram sobre si, até os delicados lábios fartos e os cabelos amendoados que estão soltos sobre seus ombros como uma deusa do Olimpo, os quais eu daria tudo para entrelaçar meus dedos e saber ser são tão macios quanto aparentam.

-Mas é claro, amiga. -Michele responde, e se é possível, fico ainda mais hipnotizado quando ouço o incrível som de sua voz.. -Olá dona Josefina, Henrique.

-Sejam bem-vindas, garotas. Estes são Oliver e Dorival Resende. -Henrique faz as apresentações e eu dou um passo rapidamente me aproximando, louco para poder toca-la mesmo que por alguns segundos durante a troca de cumprimentos.

* * *

-Eu sou bom em futebol de campo. Acho que essa foi uma das primeiras coisas que comecei a fazer depois que aprendi a andar e falar.

Henrique diz com uma risada quando estamos todos acomodados ao redor da mesa repleta dos mais variados pratos de comidas típicas argentina e brasileira, na sala de jantar da casa de dona Josefina, entretanto eu não consigo manter a concentração na conversa por muito tempo. Minha atenção está totalmente voltada para Michele, que está sentada a uma cadeira de distância ao lado do meu pai.

-Esse garoto era tão viciado em uma bola de futebol que não largava para nada. Jogava o tempo todo, na rua com os amiguinhos, na escola e até dentro de casa! Uma vez, Henrique quebrou um lindo vaso chinês de cerâmica que eu havia acabado de pagar a última parcela. E ele era caro, pelo amor de Deus! Tudo por causa da bendita bola. -Josefina comenta divertindo-se com a lembrança do episódio.

-Mãe, para com isso. Não estraga meu filme em frente as visitas -Henrique protesta visivelmente envergonhado.

-Ora, mas só estou dizendo a verdade, meu filho. -ela ri em resposta.

-Oliver, meu amigo, livre-me de mais momentos constrangedores que minha mãe possa causar se continuar contando sobre meus grandes feitos de adolescência. Nos conte alguma coisa, fale sobre você. -Henrique está praticamente me implorando com os olhos quando o fito.

Vários pares de olhos se voltam em minha direção e sinto-me impelido, cheio de coragem para tagarelar, quando um par em específico se fixa em mim de modo direto pela primeira vez durante a noite.

-Bom, quando eu tinha oito anos de idade, derrubei queijo quente do misto que estava comendo em cima de uma pasta cheia de prontuários importantes do meu pai.

Conto a primeira bobagem que surge em minha mente.

-Eu até tentei limpar a bagunça, mas vocês sabem, como toda criança que faz arte, no final acabei piorando tudo. -digo bem humorado por obter a atenção de quem mais desejo neste momento, e que está rindo da minha história.

-Ah, eu me lembro muito bem disso. -papai interrompe dando uma sonora gargalhada e um tapinha em minhas costas. -Você conseguiu sujar o restante da minha mesa de trabalho e uma camisa social que eu tinha esquecido no escritório, com a qual tentou limpar a sujeira .

-E para concluir a história, acabei pegando duas semanas de castigo sem tv e sem videogame. -bufo fingindo que estou chateado para dar mais drama a encenação .

-E você, Michele? Está tão calada. -a loira que descobri que se chama Ana Julia, cutuca a amiga que cora no mesmo instante em que é mencionada.

Agradeço internamente pela intervenção da loira, ansioso para escutar outra vez a voz de Michele.

-Gente, Michele é uma ótima contadora de histórias, não é mesmo Alice? -Ana Julia comenta com menina de cachos ao seu lado.

-Verdade, mamãe. Tia Mi é a melhor. -Alice responde. -Vai, tia Mi, não seja tímida. Estamos entre amigos aqui.

Michele um tanto envergonhada, parece prestes a cavar um buraco no chão e se jogar de cabeça nele tamanho o constrangimento. Porém, com um sorriso altivo que de algum modo me enche de orgulho, ela ergue a voz se manifestando.

-Bom, se vocês querem mesmo saber... aqui vai. Lembro-me de várias histórias , sempre confusas e engraçadas que envolvem a lata de sardinha cor-de-carnaval de Ana Júlia e, sua grande paixão por guinchos e oficinas mecânicas. -ela ri estreitando os olhos para a amiga que dá de ombros do outro lado da mesa sem se importar.

-Cor de carnaval? E que tipo de cor seria essa? -questiono achando graça, subitamente interessado em participar ativamente da conversa, com o intuito de interagir mais com essa mulher que me intriga.

-Uma cor berrante e horrível entre laranja, amarelo e verde. -ela responde no mesmo tom e seus olhos logo se desviam dos meus para a amiga a sua frente.

-Sério? Meu Deus do céu, que pesadelo. Sem ofensas, Ana Júlia. -gargalho com o olhar fixo em Michele querendo de volta sua atenção.

-Concordo com você. -ela assente. -Eu nunca curti muito aquele projeto de veículo que minha amiga insiste em chamar de carro.

-Não exagere, garota. -Ana Júlia rebate rolando os olhos.

-Ele já nos deixou na mão muitas e muitas vezes.

Michele continua, e eu me mantenho atento a cada palavra que sai de seus lábios.

-Certa vez, tivemos que fazer uma viagem de alguns poucos quilômetros, a uma cidade vizinha, para apresentar uns imóveis para alguns clientes. De vez enquanto eu acompanho Ana para trabalhos fora de BH quando estou com tempo livre. Mas adivinhem o que aconteceu?

-O carro morreu no meio da estrada? -meu pai se adianta prendendo a risada.

-Exatamente. -ela concorda. -E o pior, nos atrasamos mais de quarenta minutos para encontrar com os clientes, ficamos sem sinal de celular, e quando finalmente conseguimos fazer contato com os mesmos, eles tiveram que chamar um guincho para a lata de sardinha e nos dar uma carona até a cidade. Até hoje me recordo desse momento de humilhação e me reviro de vergonha na cama toda noite. Desde então, não ponho meus pés naquele carro se for para sair da cidade nele. Eu não confio, de jeito nenhum.

-Nem foi para tanto assim, Michele. -Ana Júlia argumenta e eu não consigo parar de rir feito um idiota, fascinado por tudo o que essa mulher diz.

-Ah, foi sim. Acreditem quando eu digo. -Michele rebate sarcasticamente. -Bom, eu já falei muito e vocês devem ter ouvido mais do que gostariam. Então tenham cuidado quando pedirem da próxima vez, acho que vocês podem sair daqui traumatizados com as histórias que tenho para contar que envolvem a lata de sardinha cor-de-carnaval.

Todos ao redor da mesa gargalham e eu penso comigo mesmo, por mim você poderia ficar a noite toda lendo até a instrução da caixa de cereal que eu não me importo. Desde que você continue a falar, querida, para mim está tudo bem.

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