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CAPÍTULO 1

MICHELE ANTUNES

-Agora a senhorita vai me explicar direitinho essa história de noivado que eu não estou sabendo, Michele. -essa é a primeira coisa que escuto quando mal coloco os pés dentro de casa.

Permaneço de costas para mamãe que está sentada no sofá da sala, e solto um suspiro exausto ao fechar os olhos depositando o molho de chaves sobre o aparador. Bendita hora em que fui inventar mais uma das minhas histórias mirabolantes para tentar resolver um problema. Sei que foi por uma boa causa e que não pensei direito na hora, mas... agora estou completamente perdida com essa ideia maluca de última hora.

Que Deus tenha piedade da minha alma, porque sei que a dona Lena não terá um pingo de misericórdia enquanto não me metralhar de perguntas a respeito do assunto até sanar todas as dúvidas e esgotar o tema.

-Boa noite, mãe. -me viro com um sorriso ensaiado no rosto e a encaro com os olhos piscando de maneira doce e delicada.

-Você parece uma maluca quando faz essas coisas, docinho.

Ela ri apontando para o meu rosto e eu imediatamente fecho o semblante.

-Eu acho meio bonitinho porque sou sua mãe e finjo que isso não se torna menos assustador cada vez que repete, porém para as demais pessoas ligeiramente normais da sociedade pode parecer um tanto assustador.

Ela agora gargalha fazendo-me estreitar os olhos e cruzar os braços enquanto caminho em sua direção sentando-me ao seu lado no sofá.

-Como a senhora está se sentindo? -pergunto me concentrando no mais importante e trago sua cabeça para meus ombros abraçando-a pela cintura.

-Como se estivesse morrendo.

Ela brinca ao que eu estalo a língua com irritação pelo modo leviano com o qual está tratando um assunto tão sério.

-Mãe! Pode pelo amor de Deus parar... parar de dizer essas coisas? Sabe que não gosto disso.

Eu me exaspero.

-Já basta ter que digerir essa difícil notícia que caiu sobre nossas cabeças feito uma bomba. Agora temos que aprender a lidar com essa doença até que a senhora se cure...

Resmungo ao fungar.

-Eu estou com tanto medo, mamãe. É muita pressão e...

Percebo que já não me contenho mais quando sinto minhas bochechas molhadas de lágrimas.

-Tudo bem, meu docinho. É normal se sentir assim.

Ela me aperta em seus braços com meu corpo convulsionando em um choro desesperado.

-Eu também fiquei bastante abalada ao receber o diagnóstico das mãos do médico, mas depois acabei me conformando com a situação.

-Mas eu nunca vou me conformar, mamãe! Eu não posso perde-la de jeito nenhum. A senhora é tudo o que eu tenho na vida. Não posso nem imaginar o que seria de mim se... se você me deixasse sozinha. Não quero nem imaginar a possibilidade de viver em um mundo sem você, mamãe.

-Oh, meu docinho.

Mamãe acaricia meus cabelos com suavidade utilizando as pontas dos dedos como fazia comigo quando eu era pequena, e corria para seu colo carente de carinho e atenção.

-Você nunca estará sozinha. Você tem amigos, tem a linda garotinha Alice, só lhe falta mesmo é...

-Mas eles não podem substituí-la. Ninguém nunca será capaz de me oferecer o amor materno que a senhora me dá.

Protesto fazendo uma careta de desagrado com o rumo da conversa.

-Como eu estava dizendo, só lhe falta mesmo é um bom marido.

Ela diz apertando a ponta do meu nariz entre o indicador e o polegar.

-Já parou para pensar que se tivesse construído sua própria família, seria você a pessoa a oferecer esse tipo de amor maternal aos meus lindos e hipotéticos netinhos?

Ela indaga com os olhos estreitos em minha direção e rapidamente desvio da intensidade de seu olhar.

-E é claro que com isso você também faria essa velha senhora muito feliz, por poder conhecer a terceira geração da família.

-Mas mamãe...

Resmungo com a sensação de cada vez mais estar sendo encurralada contra a parede.

-Não me venha com essa de mas mamãe. Essa voz de menininha chorosa só colava quando você tinha uns dez anos de idade, docinho. Ou seja, sua época já passou. -ela ri dando dois tapinhas em meu rosto.

-Ai, mamãe. Que mão pesada. -esfrego o local fingindo que sinto dor.

-Deixe de ser dramática, filha.

Ela diz empurrando-me para longe de seu corpo.

-Agora levante sua bunda magrela do meu sofá e vá lavar essa carcaça suja de suor e poeira da rua.

-Mamãe! Assim a senhora me ofende. Eu não estou tão fedida assim ou estou?

Pergunto desconfiada levantando o braço para sentir meu odor.

-Está sim, docinho azedo da mamãe. Agora dá o fora daqui.

Mamãe me espanta com as mãos e eu me levanto apressadamente fugindo de seus golpes.

-...mas não se esqueça de que ainda temos um assunto pendente a tratar, está me ouvindo senhorita?

Ouço sua voz já a distância ao me despir e entrar no banho em seguida.

-É claro que não me esqueci, mãe. A senhora não deixaria o assunto morrer de qualquer forma

Respondo com uma risada bem humorada por mais que me sinta pressionada, ao saber o que me aguarda quando chegar o momento de sentarmos para conversar a respeito.

-Docinho, seu telefone está tocando. -mamãe grita alguns minutos depois e eu enxaguo rosto antes de responde-la.

-Atende para mim por favor, mãe. Está no bolsinho interno dentro da minha bolsa.

-Certo, já encontrei.

Ligo o chuveiro outra vez e termino o banho com calma apreciando a sensação da água quente correndo por meu corpo. O alívio que a limpeza me traz faz com que eu me sinta menos tensa e mais leve quando saio enrolada em uma toalha e sigo em direção a sala.

-Quem era?

Indago despreocupadamente ao caminhar atrás de mamãe que se dirige rumo a cozinha.

-Uma mulher chamada Josefina. Ela me pareceu ser uma pessoa bem legal.

Ela responde procurando por algo dentro da geladeira.

-É mesmo?

Questiono subitamente interessada e pesco uma maçã no cesto de frutas dando uma mordida em seguida.

-Uhum...

-E o que ela queria?

Pergunto curiosa com que a futura sogra da minha amiga quer comigo. Me surpreendo com o fato de dona Josefina ter o número do meu telefone e sequer imagino o modo como ela deve tê-lo conseguido.

-Ela te convidou para um jantar entre amigos na casa dela e eu disse que você ia.

Mamãe responde com naturalidade e eu engasgo em meio a uma mordida.

-A senhora disse o que?

Gaguejo nervosamente.

-Ela até me chamou para ir também, mas tive de recusar porque o meu estado de saúde não facilita. Me sinto muito cansada para ir a tais eventos.

Ela prossegue ignorando completamente a pergunta que acabo de fazer.

-Será muito bom para você sair e respirar novos ares, docinho. Aposto que irá se divertir bastante.

Ela pisca um olho de forma marota e eu arregalo os olhos começando a entrar em pânico. O que é que mamãe tinha feito?

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