PRÓLOGO
MICHELE ANTUNES
Tec, tec, tec...
Esse é o som mais perfeito que meus dedos conseguem produzir ao longo de um dia inteiro ao jorrar as palavras através das teclas do computador. Isso é claro, ficando logo atrás do barulho da caneta riscando o papel, óbvio né? Ambos são como uma adorável canção prazerosa para a mente e os ouvidos humanos. Bem, pelo menos para mim é assim.
Sou uma eterna apaixonada pelas palavras, uma romântica incurável, a melhor editora da Mania de Ler, e futura autora best-seller de romances do país que adora bancar a cupido nas horas vagas.
Certo, fazer o que se nasci com o dom para isso?
Ana Júlia, minha melhor amiga e mãe de Alice, minha sobrinha do coração, que me aguarde! Pois muito em breve ela será a prova viva de que para uma boa história de amor ser escrita, sempre é necessário a ajudinha de um profissional da área. E quem melhor e mais indicado do que eu para dar esse empurrãozinho? Ninguém, é claro! Tenho todo um plano arquitetado e sei exatamente o que fazer. Agora falta apenas por a mão na massa e colocar o plano em prática.
Ou Ana Julia se casa com aquele moreno tentação de olhos verdes ou eu não me chamo Michele Antunes!
Desperto dos planos e pensamentos casamenteiros que minha mente está tramando a todo momento, quando o som indicando uma ligação em meu celular corta o silêncio do ambiente.
Graças a Deus que tenho uma sala individual só para mim e minha privacidade no trabalho. Bem, sala não é o termo muito correto para o lugar que ocupo, onde há apenas uma simples mesa de madeira, a cadeira que ocupo neste exato minuto, e uma pequena poltrona que fica no canto da parede ao lado do vaso de samambaia que ganhei de mamãe no último aniversário. Cubículo três por três é a definição mais adequada para o local.
Mas tudo bem, isso é apenas temporário. Além do que estou melhor que muitos funcionários antigos da empresa, pois pelo menos tenho uma sala e, muito em breve conseguirei a promoção dos meus sonhos. Eu irei voar alto e ninguém será capaz de me deter!
-Alô? Está ocupada agora? Posso te ligar mais tarde se estiver interrompendo...
-Oi, mãe. Não desliga! -eu exclamo apressada. -Desculpe a demora para atendê-la. Estava apenas revisando um texto que tenho que entregar até o final de semana, mas já estou bem adiantada. Pode falar agora, eu estou com o tempo livre.
Olho para o relógio digital a minha frente e confirmo que ainda me resta vinte minutos do horário de almoço.
-Como a senhora está? Já saiu do consultório? O que o doutor disse? Ele te entregou os resultados dos exames que a senhora fez? -questiono afobada por respostas e aperto a tapinha da caneta, que retiro do porta-treco, de modo frenético em um tique-nervoso.
Preocupação tem sido meu segundo nome há alguns meses desde que mamãe começou a manifestar certos episódios de mal estar, que iniciaram com pequenos intervalos até que se tornaram bastante frequentes, ao ponto de que em uma dessas crises, dona Lena teve que ser levada desacordada para o hospital.
Esse foi o dia mais apavorante da minha vida e somente tive forças para enfrentar a situação, porque Ana Julia esteve ao meu lado a todo momento me apoiando. Ela não se importou em deixar sua filhinha em casa com uma vizinha, e correr madrugada a fora de pijama no laranjinha cor de carnaval até o hospital só para me abraçar quando liguei para ela em busca de consolo.
-E então? -eu insisto quando noto que a linha fica muda por um instante. -Alô? Mãe, a senhora está aí?
-Eu ainda estou aqui, meu docinho. Mas segundo o médico, não por muito tempo. -sua voz soa cansada e abatida quando ela volta a responder.
-O que? Como assim, mamãe? -eu rio nervosamente sem entender a piada.
Ela só pode estar brincando, certo? Dona Lena adora fazer uma gracinha sempre que possível.
-É a lei natural da vida, docinho. Os mais velhos uma hora têm que ceder espaço para os mais novos na cadeira alimentar. -ela emite uma risada rouca que é interrompida por uma tosse seca.
-Mamãe, pare de dizer essas coisas. Isso já está perdendo a graça. -eu a repreendo sem os resquícios de humor de segundos atrás.
-Mas eu não estou mentindo e muito menos brincando com você, se é o que está pensando, minha filha. -ela suspira do outro lado e eu prendo a respiração apreensiva.
Arregalo os olhos ao notar que realmente desta vez ela está falando sério, e então percebo a gravidade do assunto.
Minha mãe está doente.
-O que o médico disse que a senhora tem? -eu indago com cautela engolindo em seco.
-Câncer de pulmão. -ela responde na lata e é como se eu perdesse o chão.
-Não... não, não! -murmuro debilmente sacudindo a cabeça em negativa com as vistas repletas de lágrimas. -Isso não pode estar acontecendo.
-Mas está e não há nada que possa mudar esse fato, docinho.
Mamãe diz em um tom condescendente que faz com que eu derrame as lágrimas que estava segurando.
-Sabe... -ela prossegue de modo melancólico. -Eu tive do bom e do melhor nessa vida. Deus me concedeu a dádiva de ter uma filha maravilhosa como você, docinho. Porém o único arrependimento que irei levar comigo para o túmulo no tempo em que me resta, é o de não poder realizar o sonho de ver minha princesinha casada com um bom homem. Isso realmente enche o meu coração de frustação e tristeza.
-Mamãe eu... -balbucio sem saber como reagir.
-Eu entendo, filha. Não se pode ter tudo, sei disso. A carreira vem sempre em primeiro lugar, né? É o que mais importa. -ela me corta e a tristeza em suas palavras faz com que algo se quebre dentro de mim.
Eu devo ser uma péssima filha, penso comigo mesma. Que tipo de pessoa nega um simples pedido a uma mãe tão amorosa e dedicada quanto a minha?
Fecho os olhos e deixo minhas costas caírem derrotadas no encosto da cadeira. Que Deus me perdoe pelo pecado que estou prestes a cometer, porém nem que eu tenha que vender um órgão no mercado negro eu irei realizar o último desejo de minha mãe.
Então é com essa ideia maluca e muito errada fixa na cabeça, que eu abro a boca e digo a pior besteira que já disse na vida, sentenciando-me por completo:
-Mamãe, eu garanto que a senhora estará bem vivinha para ver o meu casamento. Eu não te disse que estou noiva?