05 - Bonnie Dimou
Bonnie Dimou
As semanas se passaram desde que fui chamada para conversar com o senhor Pappas sobre o leilão e quando ele me incumbiu de escolher as melhores peças para o leilão. Não era algo que queria fazer, mas nesse momento tudo o que quero é que todos possam ver que sou apta para qualquer cargo.
Estava com algumas peças sobre a minha mesa e mesmo de coração sangrando por saber que nosso museu vai perder peças valiosas, faço o meu trabalho da melhor forma possível. Pela visão periférica observo Silvia entrando em minha sala em silêncio.
— Que cara de preocupada é essa? — pergunto antes de erguer a cabeça completamente.
— Hum… — a vejo torcendo o tecido da sua camisa.
— Fala de uma vez! — afirmo com um sorriso formando em meu rosto.
Silvia Taylor chegou à Grécia como uma turista e com pouco dinheiro em sua conta bancária. Quando a conheci sabia que ela estava ganhando dinheiro como dançarina em uma das boates o que me deixa preocupada de que ela acabe se machucando. Mesmo com ela me garantindo que não é uma garota de programa, me preocupo de que algum homem acabe lhe machucando.
Entendo os seus motivos e a loucura de tentar manter esse emprego no fim do expediente. Ela teve uma infância difícil e uma adolescência ainda pior. Graças à sua beleza latina ela recebeu uma proposta para se tornar modelo, mas quando as coisas não saíram conforme foi explicado sua única saída foi fugir e achou aqui em Santorini uma oportunidade de conseguir trabalho honesto e conseguir voltar para a sua mãe que ainda vive no Panamá.
— Quero saber se posso sair um pouco mais cedo hoje, claro se não houver nenhum problema. — Ela diz quase em um sussurro.
— Não tem problema nenhum, preciso apenas que me ajude a levar depois as peças ao Pappas… — acho que hoje não temos mais nada de importante.
— Obrigada. — disse com um sorriso enorme. — Tenho uma apresentação hoje e preciso desse dinheiro extra.
— Se não estivesse tão atolada de serviço com certeza iria com você hoje! — Os deuses sabem o quanto estou precisando de um pouco de diversão.
E ver a Silvia dançando é lindo de assistir, sei o quanto a minha assistente é esforçada e merece todo sucesso.
Continuo organizando as peças para apresentação e ouço o bip de um novo e-mail. Observo Silvia saindo da minha sala e leio o e-mail interno com atenção.
Hoje o museu receberá o proprietário do acervo particular. Pedimos que um dos supervisores e a senhorita Dimou esteja presente para averiguar a integridade das peças que a família Spanos está doando para o leilão.
Atenciosamente, Governo Grego
Respiro fundo, conheço uma parte da família Spanos, pelo menos Marius e Maitê, seus filhos Alex o mais velho e Selma a filha caçula, vi pouquíssimas vezes em algum evento ou pelas fotos nas vezes que minha mãe me obrigou a ir até a casa do casal para um chá da tarde.
Mal me lembro do rosto deles, sei que se passar por eles não os reconheceria. Sei somente que ele vem cuidando de toda a fortuna da família e que quase não está em Santorini. Viaja entre as ilhas e para alguns outros lugares.
O fato de também não me lembrar tanto deles talvez seja porque sempre fugi dos olhares que recebia dos amigos do meu pai. A lembrança de alguns deles me olhando “diferentes”, me faz arrepiar. Por isso não faço muita questão de que eles me conheçam.
Depois de algumas horas, chamo Silvia novamente.
— Pode informar ao diretor que já estou indo até a sua sala para apresentar as peças que escolhi do nosso arsenal.
A vejo confirmando com a cabeça e volta para a sua mesa.
Olho novamente para as peças que estavam nos mostruários e ouço Silvia voltando.
— Bonnie, ele já está à sua espera. — Disse e a vi fazer uma careta que me fez rir.
Ninguém gosta do diretor do museu.
Pego o catálogo e deixo as peças ali na minha sala mesmo. Caminho até a sala do diretor e respiro fundo implorando a Deus que ele me proteja de toda irritação que terei hoje.
Porque toda vez que entro nesta sala a minha vontade é de matar esse homem. O diretor do museu é um velho asqueroso que só se interessa em encher seu bolso.
Nosso museu era o mais famoso em todo o Mediterrâneo, contava com muitas peças únicas além de ser o maior acervo egípcio com direito a uma ala inteira para a coleção, mas desde que ele assumiu o cargo parece que tudo desandou, as finanças estão indo de mal a pior e para piorar começou a espalhar algumas peças para poder cobrir algumas despesas.
Respiro fundo antes de entrar, bato na porta e encaro esse abutre velho.
— Senhor Pappas, trouxe essas três peças aqui… — Sou direta com o assunto.
Quanto mais rápido for, logo sairei daqui.
— Separei duas cerâmicas. Uma em forma de vaso e a outra parecendo um prato com vários desenhos. E a peça mais valiosa do nosso acervo, a Máscara de Agamenon… — Apresento as três peças e fico na expectativa de que ele faça a escolha.
— No seu ponto de vista, senhorita Dimou, qual você escolheria? — Ele me olha e sinto que ele quer minha opinião e não é como historiadora.
— Depende muito… — Começo a dizer olhando para o catálogo. — Se estivesse no seu lugar e soubesse a situação em que o museu está eu lhe diria sem pensar duas vezes qual seria a melhor, mas infelizmente não estou.
Pressiono um pouco, na esperança de que ele diga o que está acontecendo. Mas diferente do que eu penso ele apoia o seu peso na lateral da mesa e espera por minha opinião.
— Porque lhe garanto que a situação estaria bem melhor do que está agora se estivesse em seu lugar. — O olhar dele endurece e o vejo ponderar se me responde ou não
Dou um pequeno sorriso e volto a olhar as peças que escolhi com cuidado e esperança de que elas possam ajudar a manter o lugar que tanto amo.
— Enfim, lhe darei a opinião que o senhor me pediu. Se a situação do Museu não estiver tão mal, sugiro a Ânfora não é tão valiosa, mas irá conseguir um bom valor pelo arremate dela.
O vejo confirmando com a cabeça e acena para continuar minha explicação.
— Agora se a situação estiver muito ruim, recomendo a máscara. É uma peça com valor inestimável, a última avaliação estava na casa de mais de cem milhões de euros, então a sua escolha será em cima de como está a situação financeira do Museu. — Respondo a ele sem pensar duas vezes.
Porque essa função de escolher é dele e não a minha. E, não vou perder a chance de jogar na cara dele o quanto a sua administração do museu é péssima.
Ergo o olhar e vejo o quanto ele está vermelho e tenho certeza de que não é de vergonha e sim de ódio. Noto suas mãos se fechando em punho e isso de certa forma me agrada.
Será que se ele morrer por um infarto aqui, consigo assumir o seu lugar?
Contenho a vontade de gargalhar e espero o que ele tem a dizer.
— A senhorita adoraria estar no meu lugar não é?
Queria poder confirmar com a cabeça. O vejo voltando para trás de sua mesa e sentando na cadeira que tanto desejo.
— Sinto-lhe informar que essa cadeira aqui onde estou com o meu rabo sentado nunca será sua. — Engulo em seco irritado com ele. — A coordenação de artes grega exige que o diretor do museu seja casado e que possua família.
— Algo que pode mudar! — falo em tom desafiador.
— Sim, concordo, mas até lá é assim e como todos sabem, casamento e família não é algo que está em sua agenda pessoal. — Um sorriso nasce em seus lábios. — Você é burra demais para aceitar se casar e tentar tomar o meu lugar.
Arrumo a minha postura, mantenho o olhar nele e tento controlar o desejo de chorar. Mas me recuso derramar uma lágrima que seja para esse homem.
— E sobre as peças que você me trouxe, prepare as documentações da máscara ela será a nossa peça. Agora retire-se e feche a porta.
