Capítulo 5 - Primeiro Contato
Cassandra
Levei a mão à boca para conter a risada e entrei em um dos reservados, pois além de falar sozinha, o assunto era ainda mais constrangedor.
Após fazer o que precisava, saí logo em seguida do banheiro e quando me virava para fechar a porta atrás de mim, acabei esbarrando em alguém que parecia ter vindo ao meu encontro.
Estava prestes a pedir desculpas para a pessoa, quando percebi que se tratava de Noah Abrantes e senti um estranho arrepio de excitação em meu corpo, algo que me fez ficar ainda mais chateada comigo mesma. Aquilo estava passando do limite, já.
— Você! - Falamos os dois em uníssono.
Nos olhamos como dois adversários em um ringue e eu estava prestes a sair sem dar-lhe o prazer de ouvir qualquer coisa vinda de mim, quando senti sua mão tocar em meu braço.
— Você pode soltar o meu braço?
Meu tom foi rude, descontando em Noah toda a minha frustração. Nada mais justo, pois ele era o principal culpado por ela.
— Qual o seu problema? - Ele perguntou sem atender ao meu comando. — Quero apenas conversar com você.
— Estou mandando você tirar suas mãos de cima de mim, agora. - Repeti entredentes.
— O que eu fiz para você me olhar com tanta raiva? - Ele questionou, enquanto soltava o meu braço lentamente e com visível descontentamento. - Nós nem ao menos nos conhecemos!
— Fale por você, senhor Abrantes. - Eu disse e virei as costas para ele, voltando a caminhar sem me importar em esclarecer.
— Eu quero apenas entender! - Ele falou abrindo os braços em um gesto de impotência.
Voltei para a mesa onde o Carlos já me aguardava de pé e juntos caminhamos para fora do elegante restaurante.
— Percebi que o Abrantes foi na mesma direção que você e estava prestes a ir a sua procura. Imaginei que ele pretendia te abordar.
— Ele tentou. Mas não dei atenção.
— Espero que ele não se torne inconveniente. — Ele falou enquanto andávamos em direção aos nossos respectivos carros. — Mas caso aconteça, pode contar comigo. Ele não pode usar de intimidação para ter seus interesses atendidos.
Olhei admirada para o Carlos, pois pela primeira vez naquela noite, ele falou algo realmente correto, e ao que parecia, ele não era tão bobo como cheguei a imaginar.
— Eu agradeço por sua oferta, Carlos. É muito gentil de sua parte.
— Gostaria de poder oferecer mais que isso. Porém, sei reconhecer quando tudo o que posso conseguir é uma boa amizade.
Sorri pela sua honestidade e por ele ter finalmente entendido que nós dois não combinamos realmente. No fim das contas, ele não era tão ruim assim.
Mas não pensei no Carlos por mais nenhum minuto depois que recebi as chaves do meu carro das mãos do manobrista do restaurante e nem durante todo o percurso até o meu apartamento. Eram outros olhos e um sorriso bem mais sacana que não saia da minha mente e que estava começando a afetar os meus hormônios.
Não queria reconhecer, nem para mim mesma, que aquele homem arrogante e safado tinha me afetado desde que o vi pela primeira vez, mas a verdade estava muito clara e mentir para si proprio era algo muito idiota para se fazer.
E mesmo com o tempo estando bem agradável naquela noite, eu fui direto para o banheiro, tomar uma ducha fria e tentar não pensar no homem moreno e alto, com uma covinha no queixo que me fazia suspirar, mesmo contra a minha vontade.
Noah
Depois que voltei a minha mesa, após tentar confrontar a advogada da minha querida ex-esposa, chamei o Afonso para ir embora, pois eu não tinha mais nenhum pouco de vontade de continuar ali, depois de toda a frieza com a qual aquela advogada me tratou e aquela noite já havia rendido muito mais do que eu pretendia.
Meu amigo, no entanto, ainda estava terminando sua refeição e como sempre acontecia, não parecia ter pressa alguma, como se ele tivesse todo o tempo do mundo e eu constatei, por toda a minha experiência com o Afonso, que o melhor a ser feito era sentar novamente e esperar por ele.
Olhei para a mesa ao lado, para olhar mais uma vez para a pedante Cassandra, e foi a tempo de ver que o casal estava se levantando e saindo do restaurante.
A expressão de entojo no rosto da advogada quase me fez rir, mas a irritação vendeu qualquer divertimento que eu pudesse sentir.
— Você por acaso teria tentado falar com a doutora Cassandra ou foi impressão minha? — Afonso perguntou, ainda comendo a sua refeição de modo tranquilo.
— Claro que sim. - Confirmei e ele fez uma careta de desagrado. — Ela precisa me ouvir, pois tenho certeza de que ela nem faz ideia do quanto a cliente dela é uma piranha.
— Se era sobre isso que pretendia falar com a Cassandra, fico extremamente feliz que não tenha conseguido, então.
— Quem te disse que eu não consegui?
Ele quase se engasgou com a sua comida nesse momento e descansou os talheres ao lado de seu prato, me encarando com notável irritação.
— Você quer deixar as coisas ainda mais complicadas do que já estão, Noah?
— Não entendo qual a complicação que pode haver em um divórcio. - Falei entediado, não acreditando realmente nas ameaças da minha ex-esposa.
Sabia que a Tiffany havia feito várias exigências para concordar em assinar o divórcio, mas eu não estava disposto a atender nenhuma delas e ponto, não existia a possibilidade de prolongar aquele processo, como ela acreditava.
Nós tínhamos nos casado com separação parcial de bens e nada cabia a ela da minha fortuna já estabelecida e a Tiffany estava bastante enganada se pensava que iria conseguir tirar dinheiro de mim.
Já bastava o casamento fracassado que tivemos, onde eu tive o desprazer de conviver com uma mulher mesquinha e fútil, que fingiu ser uma pessoa completamente diferente da verdadeira e que apenas a convivência no dia-a-dia fez cair a máscara e me mostrar a realidade dos fatos.
Logo que percebi quem ela era de verdade, através das suas ações e palavras, comecei a me distanciar e, quando, em uma de nossas tantas discussões, eu lhe disse que queria o divórcio, ela simplesmente surtou e se mostrou em toda a sua essência podre.
— Você pode se surpreender ainda mais com a sua querida esposa e eu sinto muito em ter que ser o portador dessa má notícia..
— Você é sempre tão sensitivo.
— Tenho alguns anos de prática em audiências, caro. — Afonso confirmou sem se importar com a ironia contida em minhas palavras. — Isso me ajuda a conhecer melhor o caráter das pessoas.
Não reclamei com ele sobre não ter me avisado então sobre a Tiffany, por que ele não apenas me avisou, como também insistiu bastante que eu não deveria me casar com e foi também o responsável por eu ter optado pela separação parcial de bens.
— Pensei que você não iria terminar esse prato nunca. — Falei em tom de reclamação, quando enfim o observei terminar a sua refeição.
— Nos encontramos às oito em frente ao fórum?
— Por que tão cedo? - Perguntei em um tom exasperado. — Eu preciso mesmo estar nessa audiência? Você não pode fazer seu trabalho sem que precise da minha presença?
— Cara, você está precisando transar. — Afonso falou com cínismo, rolando os olhos. — Esse seu jejum de sexo não está te fazendo bem. Você anda muito estressado e isso não será nada bom durante a audiência amanhã.
Ao ouvir a palavra sexo, me veio a lembrança a boca vermelha de lábios cheios e brilhantes da advogada arrogante, quando me ordenou rudemente que tirasse a mão de seu braço e fiquei ainda mais irritado por isto.
— E você acha mesmo que sexo vai resolver o meu atual problema?
— Pensando bem, não. Afinal, foi exatamente o sexo que te colocou nele.
Depois de soltar aquela pérola, Afonso caiu na risada, me fazendo bufar mais uma vez com suas piadinhas sem graça. Mas concordei, apenas para mim, que ele não deixava de estar certo.
— Podemos ir? - Resmunguei.
— Claro. - Ele enfim levantou de seu lugar a mesa. - Amanhã será um dia bastante interessante. Não vejo a hora de estar em uma mesma audiência em que a outra parte é representada por Cassandra Alencar.
— Eu, não. — Eu o contrariei, novamente me incomodando com o tom sonhador em sua voz, em todas as vezes que falava sobre a advogada da Tiffany.
Depois que cada um recebeu a chave de seu próprio carro, eu coloquei uma música romântica (não sei por qual motivo) e dirigi vagarosamente pelas ruas ainda bastante movimentadas da cidade.
Pensei novamente na advogada, a qual eu percebi, desde o primeiro momento em que a observei no restaurante, que me olhava com bastante desprazer.
Na verdade, ela parecia me olhar com verdadeira raiva, seria essa a forma correta de dizer.
Os seus olhares em minha direção foram aumentando de intensidade durante o tempo que a observei discretamente e, na mesma proporção, aumentam tanto o incômodo quanto a minha curiosidade ao longo da noite, pois eu não me recordava de quando estivemos em um mesmo ambiente, em uma outra oportunidade.
Mas ela, como na outra ocasião, parecia não gostar nenhum um pouco de mim. E aquilo não era nada bom e na situação atual, nada favorável a mim.
Cheguei na casa dos meus pais, local onde eu voltei a morar após a minha separação, deixando para a Tiffany a minha cobertura na Barra, a qual eu possuía desde antes do nosso casamento, ainda era cedo, considerando os meus horários de quando era adolescente, antes de decidir morar sozinho.
Eu havia pedido o divórcio e solicitado que a Tiffany saísse do meu apartamento, mas quando ela deixou bastante claro que não sairia de lá de forma alguma, assim como também não aceitava o pedido de divórcio, eu mesmo saí.
O fato é que eu não aguentava mais ver aquela mulher na minha frente e antes que chegássemos a um pouco ainda mais desgastante, era melhor ceder. Mas não o faria novamente, no entanto.
— Só chegou agora da empresa? - Minha mãe me perguntou, quando nos esbarramos no corredor que levava aos quartos da família.
— Não. Estava jantando com o Afonso.
Aproximei-me da belíssima e ainda jovem mulher que era a minha mãe e dei um beijo breve em sua face, sentindo o perfume familiar de rosas.
— Deveriam ter vindo jantar conosco, querido. - Ela reclamou. - Seu pai está se sentindo muito solitário, agora que se aposentou. Não suporto o ver passar todo o dia no celular, tal qual um adolescente.
— Não vamos começar esse assunto novamente, mamãe. Foi este mesmo assunto que me deixou na atual situação em que me encontro.
Eugênia soltou uma sonora gargalhada mediante a minha clara insinuação, exibindo a sua personalidade exuberante e alegre que eu tanto amava.
— Ah! Não venha colocar a culpa de seus erros em nós, querido. Sabe que ninguém irá comprar essa sua história. — Respondeu ainda sorrindo e apertando a minha bochecha como costumava fazer desde que eu era apenas um bebê.
Sorri de volta para a minha mãe, pois ela estava certa. Eu estava querendo colocar a minha culpa em alguém e os meus pais eram ótimas pessoas para isso.
— Mas foi exatamente essa história, a de que vocês estavam sentindo falta de movimentação nessa casa, que precisavam de crianças correndo novamente por esses corredores, que me levou a casar com a primeira mulher que apareceu na minha frente, mamãe. - Eu usei a justificativa ainda assim.