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CAPÍTULO 4

Assim que ultrapassou as portas envidraçadas, avistou Lorena que o aguardava. Bastou reparar nos olhos vermelhos e inchados de alguém que chorara muito para a alegria dele desaparecer como por encanto.

- Não.

Lorena deu um profundo suspiro.

- Vamos nos sentar, Edgar. Precisamos conversar.

- Onde está Marine?

Depois que se acomodaram num canto do banco posto ao lado de uma das paredes, a mulher o informou:

- Sinto muito, mas... ela... ela não resistiu.

As palavras pareciam não fazer sentido algum. Edgar recusava-se a acreditar no que ouvia. Devia estar enganado. Talvez o que Lorena estivesse querendo dizer era que precisariam transferir a irmã para um outro hospital mais bem equipado. Só podia ser isso. Ela era tão frágil que os médicos poderiam estar precisando de novos exames para...

A voz firme de Lorena lhe interrompeu a divagação:

- Ela sofreu uma hemorragia pós-parto enquanto ainda estávamos a caminho. Está me ouvindo, Edgar?

O que ele poderia dizer? Será que Lorena não percebia que estava lhe arrancando o pouco de sanidade que lhe restava?

- Por favor, Edgar. Entenda. A primeira hora após o parto é a mais perigosa. - O tom de voz que Lorena usava ia aumentando de acordo com a emoção. - Todos fizeram o que podiam. Mas... ela estava muito fraca. E cansada demais para aguentar um parto como esse. Sinto muito.

Ele olhava para Lorena com um olhar enigmático, como se ela estivesse falando um idioma desconhecido. Podia dizer o que quisesse que não faria sentido algum para Edgar. Marine tinha apenas 32 anos. Como podia ter morrido? Tinha todas as razões do mundo para sobreviver... principalmente a filhinha que acabava de trazer ao mundo e necessitava da mãe.

- Está mentindo! - ele berrou e ergueu-se.

- Por favor, Edgar. Sente-se. Eu sei que é difícil aceitar.

Ele nem mesmo a ouvia.

- É mentira! - ele gritou e disparou no corredor à procura da irmã. - Marine!

Mas não era...

* * *

- Vamos orar...

Embora ouvisse o pedido do pastor, Edgar não demonstrava o mínimo interesse em acompanhar a ladainha. Principalmente depois do último golpe sofrido. Para ele, a cerimônia refletia apenas mais uma das injustiças, dentre as tantas, que ele e a família suportaram. Por essa razão, o coração que batia em seu peito tornara-se gélido como a neve que cobria as Grandes montanhas, onde morava. Duvidava que fosse possível existir alguém no mundo mais frustrado do que ele próprio, naquele momento.

Ele desviou o olhar da paisagem montanhosa, que se descortinava ao longe, para espiar as bênçãos dirigidas ao caixão de verniz escuro, onde jazia o corpo de Marine. Deveria ter havido um jeito de salvar a irmã! A pequenina sobrinha merecia o direito de conhecer a mãe. E ele veria, pelo menos uma vez na vida, alguém que amasse ser feliz. Edgar nem mesmo queria ouvir o que o pastor estava dizendo. Deixara de ser crédulo muitos anos atrás.

Alguém limpou a garganta e ele ergueu os olhos para o pequeno grupo que acompanhava o funeral. Todos o estavam olhando com variados graus de censura e impaciência. Principalmente os Tavares, junto com Rum e Noemir, que supostamente choravam desconsolados. A maioria dos presentes eram desconhecidos de Edgar e, a julgar pelo comportamento frio e indiferente, não teriam trocado mais que algumas palavras com Marine durante toda sua vida. Exceto por Melissa Avery North, que era proprietária do Hip Hop Café, em Wallis, onde a irmã trabalhara antes de casar com Cláudio Tavares.

Os demais deviam ser amigos ou contatos de negócios da família Tavares. O tipo de pessoa que acreditava que comparecer a funerais é uma obrigação social e política. Considerando o grande número de coroas de flores e arranjos espalhados, Edgar imaginava que eles consideravam como uma obrigação social também o envio das flores. Da mesma maneira que fariam se a ocasião fosse um casamento. Seria bom que os hipócritas não tivessem idéia de enviar donativos para Davina, ou coisa do tipo. Porque se se atrevessem a fingir piedade, ele faria mais do que olhá-los com desprezo. Poderia embaraçá-los na frente de quem quer que fosse e perguntar onde é que estavam enquanto Marine era maltratada pelo marido?

Alguém acenando em sua direção distraiu-lhe a divagação. Era o encarregado dos serviços funerários indicando que era o momento de Edgar depositar a solitária rosa vermelha que trouxera com ele. O espetáculo estava no final, deduziu mentalmente. Todos aguardavam que ele oferecesse a flor, para poderem se liberar e voltar para a recepção promovida pelos Tavares em Billings. A despesa com tudo aquilo, provavelmente, seria ressarcida pela Tavares Construction Company.

Sem nenhuma pretensão de protelar o que considerava uma baboseira, Edgar iniciou os poucos passos, afundando as botas no solo congelado e produzindo sons de estilhaço à medida que os pequenos blocos de gelo se partiam. Aproximou-se do caixão e repousou a rosa vermelha, que de alguma maneira lembrava a forma como Marine tinha morrido: esvaindo-se em sangue.

Depois de respirar fundo, ele retornou para o lugar onde estava antes. Afinal, já havia se despedido da irmã no salão onde fora feito o velório. Desolado, acompanhava as derradeiras homenagens, quando o olhar captou a figura de Katerine Ramalho, semioculta atrás de uma folhagem verde, observando-o com insistência. Pela maneira como agia, dava a impressão de estar insegura se teria o direito de ficar ao lado dele. Para Edgar, ela deveria permanecer com o grupo dos esnobes, onde seria mais apropriado.

Percebeu quando Noemir e Ruth, com os braços abertos, vieram ao encontro dela. Como sempre, dinheiro e poder são conquistados plenamente quando apoiados pela influência da lei. E agora era um momento importante para a família conseguir a proteção da justiça. Com a morte de Marine e o futuro incerto de Davina.

Porém, a mordacidade de seu pré-julgamento desvaneceu diante do olhar preocupado e piedoso que notava nos olhos claros e acinzentados de Katerine. O que estaria acontecendo? ele se perguntou. Algumas semanas antes, se Rafael Rafarilo tivesse sido um policial mais eloquente ou não fosse o esquema de rodízio entre os magistrados, Katerine poderia ter sido a juíza encarregada de julgá-lo, em vez de Matthews. E ela com certeza seria bem capaz de uma atitude distante e fria. Não era à toa que tinha o apelido de juíza carrasco.

Por essa razão Edgar estava surpreso por notá-la tão sensível naquele momento. Chegou a ter ímpetos de abordá-la e sabia bem os motivos. Os pensamentos se perderam na infância, no tempo em que Katerine era sua melhor amiga. Época em que usava os cabelos entrelaçados numa única e longa trança. Muito diferente daquele coque formal, que ele odiava. Procurou sufocar as memórias dos bons momentos que tiveram, inclusive a promessa que tinha feito a Alex com relação a Katerine.

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