Capítulo 4 - Seth
Não era mesmo como eu imaginava encontrar Agnes.
Ainda tinha a imagem nítida na cabeça, das belas curvas de seu corpo curvilíneo dentro do roupão, a sensação trépida de que eu cometeria um pecado naquele momento e acabaria agarrando-a, mesmo tendo começado a seguir a minha religião, nos últimos tempos, com mais fervor. Ainda assim, vê-la com vestes tão poucas parecia deixar o meu corpo um pouco.... Alterado.
Agnes entrou num outro cômodo para se trocar e eu aproveitei para olhar ao redor. Sabia que meus guarda-costas estavam escondidos pelo prédio, para cuidar da nossa segurança, e agora eu podia olhar com mais calma de onde Agnes tinha vindo e como era, afinal, o seu mundo.
A sala era simples e pequena. Acho que do tamanho do meu banheiro, para falar a verdade. Havia apenas um sofá de cor marrom escuro e uma estante onde encontrava-se uma televisão velha e muitos porta-retratos. Havia também um tapete no qual eu já tinha quase desgastado por inteiro, mas preferi me focar nos retratos e me aproximei lentamente.
Numa das fotos estava Agnes mais nova. Ela era bem gordinha e os cabelos caíam como cachos graciosos enquanto ela sorria muito, um sorriso delicioso de se ver. Noutro, acho que vi a irmã dela, ainda que eu não tivesse muita certeza. Não conhecia a irmã de Agnes. Ainda assim, conseguia ver a imagem de uma jovem de cabelos negros também, só que mais lisos, e os olhos amêndoas enquanto ela sorria também para a foto. Um sorriso cálido e calmo.
De alguma forma as fotos me tocaram. Éramos uma família feliz, eu e meus pais, mas a simplicidade daquelas fotos me pegou de jeito. Não lembrava de ter fotos minhas espalhadas pela casa. Para falar a verdade, não conseguia nem me lembrar de ter visto uma foto minha. Assim, isso me tocava de uma maneira sem igual. Era tão bonito e tão aconchegante que eu quase podia me sentir em casa também.
— Pronto, estou aqui. — Disse Agnes. Ela estava com uma calça jeans e uma blusa de meia manga bege. Os cabelos molhados estavam jogados de qualquer jeito nas costas, contudo, não menos bonitos e instigantes. Na verdade, eu não conseguia deixar de pensar em agarrar os cabelos dela, apertá-la na parede e...
Foco, Seth! Foco!
— Agnes, eu preciso falar uma coisa para Você. — Okay. Tinha chego o momento que eu teria que encarar a verdade e falar a verdade e agir com as consequências que meus atos tornariam a trazer. E o pior de tudo é que eu não sabia mesmo qual seria a resposta de Agnes no fim das contas depois de tudo e isso, ah, isso sim me deixava com medo.
— Não, Você precisa me responder como entrou aqui! — Ela disse com a voz aguda e as bochechas já vermelhas. Era tão lindo quando ela ficava com vergonha que eu não conseguia deixar de encarar a beleza dela.
— Fácil. A porta estava aberta. — Menti, porque, na verdade, a porta estava fechada e foi Alfred que abriu com uma chave mestra. Mas acho que Agnes não entenderia isso. Só que eu estaria mentindo... E acho que não era certo eu começar nosso relacionamento com mentiras. — Okay. Eu abri. — Disse revirando os olhos. Agnes arregalou os olhos dela, ainda sem acreditar na verdade.
— Você o que? — Ela perguntou ainda sem acreditar.
— Abri. — Sorri languidamente. Era engraçado ver como Agnes do nada poderia se tornar uma pessoa estressadinha e aos poucos explodir, por que isso fazia parte da personalidade dela.
— Por que? — Ela perguntou ainda sem compreender a gravidade do que eu tinha dito. Acho que era ilegal abrir portas que não eram suas no Brasil.
— Por que eu precisava falar com Você. Posso falar com Você agora? — Tentei já ficando sem paciência.
— Como Você me achou? — Ela realmente estava afim de fazer um questionário sobre minha aparição.
— Eu procurei. Agnes, vamos parar com essa, okay? Com dinheiro a gente acha o que quiser. Agora eu posso falar o que vim fazer aqui? — Agnes ficou severamente quieta, me olhando, como se ainda estivesse se decidindo se deixaria eu falar o que tanto estava esperando para falar, ou se fugia.
— Não. — Ela deu um passo para trás. Parecia... Com medo? Com medo de mim? Mas que diabos eu tinha feito para ela ficar com medo de mim? Dei um passo para frente, fazendo-a dar outro passo para trás, encolhida.
Percebi, nesse exato segundo que os olhos dela estavam cheios de lágrimas, então parei de andar em sua direção, ainda com medo do que eu poderia ter feito.
— Você não pertence ao meu mundo, Seth. Só... Me deixe, okay? — Ela disse já deixando as lágrimas escorrerem pelo rosto e eu senti como se meu coração estivesse se quebrando nesse exato momento. Céus, do que Agnes estava falando? Eu ainda não tinha dito nada e já estava a machucando.
— Do que Você está falando, Ag? — Perguntei ainda confuso.
— Olhe. — Ela disse espalmando as mãos e apontando para todas as direções da sala. — Isso é muito diferente da mansão onde Você morava. A minha sala é do tamanho do seu banheiro. — E dito isso Agnes deu uma leve risada achando graça nisso também. Mas logo continuou. — Você não deveria estar aqui, Seth. Eu não sou árabe, não sou da sua religião... E, bem... Eu não vou voltar para Omã. — Ela disse jogando a bomba como se estivesse jogando rosas no ar. Senti como se estivesse caindo ali mesmo, dentro de um desfiladeiro assassino.
Agnes era o meu abismo sem fim.
— O que? — Perguntei raivoso. Não conseguia sequer aceitar a ideia de que Agnes não pensaria um pouquinho em mim, um pouquinho em nós. Agnes não deu chance de eu me extravasar.
— Minha irmã está em coma, okay Seth? Eu não tenho tempo para pensar em mais nada além dela. E vou ficar aqui. Agora, se me der licença e puder sair daqui, da minha casa, Você poderia estar fazendo o favor de voltar para a sua noiva que te espera, e me esquecer? — Perguntou ela já entre lágrimas, tentando segurar a dor que parecia aos poucos pegá-la de jeito.
— Eu sei que sua irmã está... — Não consegui terminar a frase, pois sabia que o caso dela era grave. Já tinha sido informado pelos meus informantes sobre isso. — E eu não estou pedindo para Você voltar a Omã. Só estou pedindo para que Você dê uma chance a nós. Em algum momento. Eu espero. — Tentei largando um pouco do que eu tinha vindo dizer. O motivo pelo qual eu meio que tinha a perseguido até então. — Só me dê a chance, Agnes. — Disse tentando me aproximar dela.
— Seth, não. — Disse Agnes decidida enquanto dava um passo para trás, nos distanciando ainda mais. — Noiva árabe, lembra? — Bufei me aproximando a passos largos da estressadinha e segurando suas mãos com uma força inabalável, para que ela não se afastasse ainda mais de mim.
— Eu não tenho mais nenhuma maldita noiva árabe, okay? — Comecei raivosamente, depois tentando controlar minha voz, pela forma como Agnes arregalara os olhos. A culpa era dela, sempre me impedindo de falar. — Eu só quero uma única noiva, e ela é brasileira, okay? Será que essa noiva estressadinha, que acha que estou ligando para o fato de ela não ser da minha religião pode, enfim, aceitar, que o meu coração já foi entregue para ela há muito tempo e que dela ele não quer mais se desfazer? — Umedeci meus lábios para continuar a falar — Será que essa estressadinha, que me fez atravessar quase que todo o planeta atrás dela, poderia aceitar que é só ela que eu quero e que eu faria qualquer coisa mesmo para tê-la comigo? Ela aceitaria? — Perguntei apertando as mãos dela gentilmente.
Os olhos de Agnes estavam arregalados. Ainda era perceptível o brilho das lágrimas nos olhos dela e em como eles se mexiam, sem saber exatamente o que pensar. Agnes estava atônita e me olhava nos olhos também.
— Qualquer coisa? — Ela perguntou num fio de voz. Balancei a cabeça dando um sorriso de canto de lábios, ficando um pouco mais aliviado que Agnes estivesse pensando um pouco nessa situação toda. Se ela soubesse como me deixava louco...
— Conquanto não seja voltar com Nadirah, qualquer coisa. — Finalmente, entre lágrimas, Agnes deu um pequeno sorriso, ainda achando graça das piadas infames que eu tentava fazer. Sorri também.
— Mas Seth... — Ela começou parecendo retornar à realidade pessimista que ela sempre gostava de voltar. Revirei os olhos bufando. Agnes tinha um grave problema. Ela pensava demais e não deixava as vezes se guiar pelos pensamentos. Algum dia eu teria que fazer alguma coisa a respeito disso, mostra-la o mundo se deixando entregar.
— Agnes. Só Você. — Disse tocando minha testa com a dela, pois não sei se vou aguentar muito tempo sem tocá-la. Não depois de quase morrer por não a ter. Não depois de o meu corpo pedir apenas um único toque, nem que seja testa com testa. Agnes me deixa febril e eu preciso me controlar muito porque sei que a partir de agora, o meu cuidado para não fazer besteiras tem que ser redobrado. E eu nunca faria algo contra a vontade dela também. Ainda mais num momento frágil como esse.
— Mas e Nadirah? Como ficará? — Revirei os olhos. Agnes pensando mais nos outros no que nela mesma. Seu problema de esquecer-se um pouco dela mesma.
— Ela já tem outro pretendente, pelo que ouvi falar. Um diplomata. Aparentemente, ter sido noiva de um Sheikh fez dela muito famosa. — O que era hilário, se pensasse. Fiquei a pensar em como as coisas são hoje em dia. Fiz Agnes dar uma leve risada, logo em seguida fechando a expressão.
— Não quero ser uma noiva que um dia será trocada como Nadirah. — Comentou fazendo eu dar uma grande gargalhada. Logo em seguida dando-lhe um breve selinho, quase morrendo por ter demorado tanto tempo para isso. Ainda que eu soubesse que isso não poderia dar vazão para outras coisas, senão eu estava ferrado.
Na verdade, eu já estou ferrado desde quando Agnes se tornou meu único pensamento. Minha única vontade, minha paixão.
E isso vem matando febrilmente todos os dias porque não quero ficar longe dessa mulher!
— Você nunca será trocada, Ag. — Umedeci os lábios — E nunca irei querer outra esposa, se eu tiver Você. — Disse fazendo-a dar um leve sorriso, ainda que escondido diante de toda a dor que minha amada parecia passar. E que era compreensível, afinal de contas.
— Você aceita então ser minha noiva, Ag? — Pergunto esperançoso de que toda essa conversa possa ter surtido algum efeito, que Ag finalmente vai aceitar todo o esforço que fiz até vir aqui. Agnes então dá um grande sorriso, os olhos ainda cheios de lágrimas contidas, como se estivesse se controlando para não chorar, até que diz.
— Não. — E eu não sei onde enfiar a minha cara, pois estou trincando os dentes de pura raiva, sem acreditar que Agnes esteja fazendo algo assim comigo, ou porque diabos, se é que tem algum motivo, ela decidiu fazer isso comigo.
Por que, dessa vez, só consigo sentir como se realmente eu estivesse caindo em um abismo sem fim. E o medo da queda junto da vertigem parecem me deixar com uma raiva contida dentro de mim.
Com uma raiva contida que não me cabe, pergunto:
— E Você pode me dizer porque não? — Sinto que posso explodir, pois não sei mais o que fazer para implorar para essa mulher cabeça oca para que me aceite, pois se não morrerei enlouquecido. Se é que isso não é apenas tortura, uma forma muito terrível de me fazer morrer aos poucos.
Isso se ela já não percebeu que estou morto por ela desde quando a vi com aquele singelo e lindo vestido amarelo.