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Capítulo 3

|FÁBIO|

Faltam dez minutos para dar quatro horas da tarde, fim do expediente para o público, mas nem por isso significa término do serviço para mim. Provavelmente só sairei daqui perto das sete horas da noite, pois assim como os demais funcionários do banco, ainda tenho outras diversas atividades internas para cumprir por trás das portas fechadas que as pessoas geralmente não sabem.

-E aí, chefia? Será que você poderia quebrar meu galho hoje e me liberar mais cedo? -Hector pergunta com a maior cara de pau sentando-se folgadamente na ponta da minha mesa.

Hector além de funcionário na linha direta de comando que gerencio, é a melhor pessoa que poderia definir a palavra amizade em minha vida, exceto em momentos como esse em que tenta bancar o espertinho para cima de mim. Outro fator contribuinte para nossa aproximação e intimidade, ao ponto dele falar dessa maneira com seu chefe no ambiente de trabalho, é o fato dele ser pai da pequena Atenas e de Apolo, um dos melhores amigos do meu filho Lorenzo, por quem tenho um carinho mais que especial, uma vez que os considero como se fossem meus próprios sobrinhos e o idiota do Hector como meu irmão.

-Primeira coisa, sai de cima da minha mesa agora. Segunda, eu sou superior e não seu pai para ficar te dando mordomia. Então vê se dá fora daqui e vai trabalhar como todo mundo. Se eu tenho que ficar até mais tarde aqui você também tem que ficar, garotão. Vê se pode uma coisa dessas...-digo empurrando sua carcaça pesada para longe dos meus papéis e documentos que estão devidamente organizados na mesa.

-Permanece até mais tarde e se mata de trabalhar porque quer, bonito. -ele debocha de volta e eu rolo os olhos para a ladainha que sei que irá começar. -O que adianta ser gerente nessa bagaça se não aproveita as regalias que o cargo oferece? Está bancando o idiota, meu amigo. -ele afirma como se estivesse explicando a maior verdade do universo para uma pessoa burra.

-Não, eu estou bancando o bom funcionário o que você também deveria estar fazendo. -rebato e Hector finge que está vomitando enquanto falo pacientemente.

Infantil.

Como ainda posso ser amigo de um cara com maturidade quase zero como ele? Atenas com apenas dez anos de idade deve ser mais madura intelectualmente falando que o próprio pai.

-Esse lugar ainda vai te matar, Fábio. Ouça as palavras do seu amigo. Eu vejo o futuro, cara. -ele aponta para o prédio referindo-se ao banco, e mais uma vez insiste nessa baboseira que há tempos vem falando comigo.

-Cala essa boca, senhor eu vejo o futuro. -eu desdenho sem dar muita importância para suas idiotices. -Vá trabalhar se não quiser perder o emprego. -ameaço pelo que deve ser a décima vez somente este mês.

-Tá, estou indo seu chato de galochas. Você precisa sair um pouco daquela bat-caverna que chama de apartamento e se divertir um pouco para ver se espanta esse rabugice de gente velha que está impregnada nessa alma, homem. -ele provoca aos risos antes de finalmente me deixar em paz para realizar o restante das minhas atividades.

* * *

-Oi, Enzo. Tudo bem por aí? -pergunto quando entro em casa já de noite e sou recebido pelo cheiro de algo queimado no ar.

-Oi, pai. Mais ou menos... -ele responde com um sorriso amarelo nos lábios baixando o olhar para a panela que está mexendo quando adentro a cozinha.

-Tentando incendiar o que dessa vez? -questiono bem humorado enquanto me desfaço do terno e da gravata no processo de espiar sobre seus ombros.

-Algo que certamente não será comestível. -diz ao desligar o fogo e jogar a frigideira na pia ligando a torneira em seguida. -Desculpa pai, queria deixar o jantar pronto para quando o senhor chegasse do serviço, mas...

-Tudo bem, menino. A intenção é que importa. -rimos cúmplices desistindo da comida estragada sobre a pia. -Nós dois sabemos que até o Dante cozinha melhor do que você, Enzo. Então... nem tente da próxima vez ou morremos sufocados com esse pequeno incêndio. -brinco espantando a fumaça no ar com as mãos e seguimos para a sala onde o ar está mais puro e respirável.

-Assim você ofende meus sentimentos, papai. -Lorenzo ri e eu o observo melhor agora, ele está todo arrumado, parece pronto para sair.

-Ah pai, quase já ia me esquecendo, hoje conheci a nossa nova vizinha da porta da frente. -ele comenta e eu concentro na tarefa de me livrar dos sapatos sociais colocando-os organizadamente ao lado do sofá.

-É mesmo? -indago interessado na conversa. -Uma mulher? E como ela é? Conversou com ela sobre alguma coisa?

-Sim e sim para as duas perguntas. -Lorenzo responde, eu dobro as mangas da camisa até os cotovelos, abro alguns botões e subitamente me sinto mais relaxado com as roupas folgadas no corpo.

-O nome dela é Maya, é alta, um pouco mais baixa do que eu, cabelos claros, possui traços orientais, e ah! nunca a confunda com japonesa, ela adora ressaltar o fato de que é coreana. -ele ri e continua com sua descrição. -Deve ter uns vinte a trinta e poucos anos, é médica, acho que cardiologista e... o que mais? -Lorenzo parece ponderar em busca de mais informações em sua memória e eu seguro a risada.

-Nossa, tão pouco tempo e já sabe isso tudo sobre a moça, Enzo? Depois dizem que as mulheres é que são fofoqueiras. -debocho com ironia. -Parece um stalker desse jeito, menino.

-E ela até que é bem bonitinha... -ele ignora meu comentário enquanto prossegue com o assunto. -Mas definitivamente não faz o meu tipo.

-Oh, eu sei bem quem faz seu tipo, garoto. -comento com um toque malicioso na frase. -Alguém tipo assim, que tenha cachos fartos... olhos verdes... boca grande...

-Já chega, pai! -Lorenzo se coloca de pé em um pulo, o rosto em chamas o delata e eu caio na gargalhada. -Preciso ir agora. -ele diz apressado caminhando em direção a porta.

-E aonde o rapazinho vai a esta hora? -pergunto tentando deter a risada.

-Hum, é... -ele coça a nuca constrangido e imediatamente já tenho minha resposta. -Na casa da tia Ana Júlia dar um oi.

Eu sabia, garoto! Sei bem a tia Ana que esse malandrinho está indo ver... Está mais para a filha mais velha dela em questão, e não é apenas com objetivo de dar um simples oi que eu sei bem.

Eu o conheço melhor do que você mesmo, Lorenzo Fonseca!

Você é meu filho já não é atoa, dou risada com esse pensamento enquanto o vejo desaparecer pela porta ao sair como um foragido da lei.

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