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7

Isadora

-Maurício... Maurício... Você consegue me ouvir? -sussurrei tão baixo que até eu mesma duvidava ter ouvido algum som saído da minha boca.

-Consegue abrir os olhos? Consegue ao menos se mexer dando algum sinal de que me entende? -eu estava entrando em desespero com a falta de resposta de Maurício que permanecia desacordado desde a colisão.

A colisão... só de lembrar eu já sentia algo dentro de mim vibrar, meu estômago se contorcer ao ponto de colocar todo o meu conteúdo estomacal para fora. Tudo aconteceu muito rápido e sem aviso, quando percebemos algo de errado era tarde demais para fazer qualquer coisa e o carro em que estávamos era lançado para fora da pista.

Primeiro houve um som estridente muito alto, depois veio o impacto forte de algo grande e pesado se chocando contra a porta e logo em seguida os vidros estourando para todos os lados, rasgando, cortando e dilacerando tudo que encontrava em seu caminho, incluindo nossos corpos, cada camada de pele exposta não deixou de ser poupada. Depois fomos chacoalhados com violência de um lado para o outro dentro do pequeno veículo e só não atravessamos o para-brisas graças ao cinto de segurança que nos mantinham em nossos acentos.

Foi apavorante, mas nem tempo para sentir medo houve, porque em seguida me lembro de ver o carro capotar várias vezes até cair definitivamente em uma vala profunda há muitos metros de distância da rodovia. Eu não conseguia parar de piscar os olhos freneticamente tentando ajustar minha visão ao breu da noite. Um cheiro forte de fumaça vinda do capô irritava meu nariz e todo o meu corpo protestava de dor na posição em que se encontrava, então com cuidado me desvencilhei do cinto de segurança e saí de cima do câmbio apoiando meu braço esquerdo em cima do airbag que se inflou com a batida.

Porém quando olhei para o acento do carona ao lado meu coração perdeu uma batida e eu entrei em desespero. Com a respiração acelerada feito um filhotinho que se perdeu da mãe, tateei o pescoço de Maurício em busca de pulso, já que ele claramente estava desacordado e com um corte profundo próximo ao couro cabeludo que me deixava seriamente preocupada.

-Vamos por favor, acorde. -eu desferi alguns tapinhas em seu rosto pálido onde uma gota rubra de sangue escorria por sua bochecha. -Maurício não faz isso comigo, eu te imploro.

Eu podia sentir as lágrimas se acumulando em meus olhos e o medo se infiltrando por minhas veias a cada segundo que não obtinha uma resposta vinda dele. Em um ato de surto e de loucura, agarrei com as duas mãos seu colarinho e aproximei meu rosto do seu, tão perto que minhas lágrimas pingavam em sua bochecha e eu sussurrei próximo ao seu ouvido: -Por favor não me deixe, eu te amo.

Então Maurício abriu os olhos e me fitou com cenho franzido, deveria se sentir confuso com a situação ou estava com as vistas embaçadas pois aparentava ter dificuldades para se focar em mim.

-A gente bateu? -ele gemeu de dor ao tentar se mexer.

-Não, bateram na gente. -eu limpei o rastro de sangue em seu rosto com o polegar.

-Pode me ajudar? Não posso me levantar, não consigo movimentar meu braço esquerdo. -ele uivou de dor ao se impulsionar para cima com a intenção de se sentar.

Me aproximei dele para ver o que havia de errado com seu braço.

-Você deslocou o ombro. -constatei ao rasgar o tecido de sua camisa social e examinar rapidamente o local, percebendo seu ombro fora do lugar, inchado e com alguns hematomas que se formaram rapidamente sobre a pele pálida.

Provavelmente isso acontecera entre o momento da batida e a queda do carro ribanceira abaixo. Tenho quase certeza de ter ouvido um estalo com ruído durante a cacofonia que se transformara no momento. Maurício deveria estar sentindo uma dor muito grande.

-Não vai ser possível mexê-lo até que ele seja reposicionado.

-E você sabe fazer isso? -ele perguntou com o semblante contorcido.

-Eu... -refleti por alguns segundos, não enxergando muitas opções a minha frente o respondi. -Creio que sim.

-Então faça. -ele disse arfando de dor.

-Você vai gritar... dói muito. -eu o alertei.

-A última coisa que eu posso fazer no momento é um escândalo que delate nossa localização. -ele deu uma tragada de ar sofregamente.

-Se prepara. Se apoie em mim. -eu ordenei encurvando-me em sua direção.

Maurício pendeu a cabeça para frente pressionando os lábios firmemente contra meu ombro para abafar ou evitar que qualquer barulho fosse emitido de onde estávamos. A posição em que se encontrava não ajudava muito, o correto é que ele estivesse deitado em uma superfície plana para o procedimento ter mais chances de ser bem sucedido, ao invés disso Maurício estava meio deitado com as costas contra uma janela de vidros quebrados e de aço contorcido, porém não podíamos reclamar, era o que tínhamos para a exata situação.

-Um... dois... três e... -antes de chegar ao quatro, com o braço machucado posicionado em um ângulo de noventa graus em relação ao corpo, segurei sua mão e pulso e lentamente, mas com certa firmeza puxei tracionando. A tração feita naquele ângulo fez com que a cabeça do úmero voltasse a posição inicial, encaixando-se com relativa facilidade e o ombro voltasse ao lugar.

Eu estava tão focada em fazer tudo certo que não me importei com nada ao meu redor, não liguei para os sons, nem para escuridão e muito menos para as ferragens onde estava ajoelhada, só me interessava Maurício naquele momento. Eu não disse nada no momento, mas me surpreendi quando senti os dentes de Maurício se afundarem na pele do meu ombro no instante em que realizei o procedimento.

-Me perdoe, me perdoe. Eu não pretendia machuca-la, é que estava doendo de mais... -ele se interrompeu e começou a distribuir beijos pelo local da mordida. -Me perdoe, Isi. -ele murmurou baixinho com certa tristeza.

-Tudo bem, esquece isso. -o tranquilizei.

Me afastando um pouco do seu alcance, chequei debaixo do tecido da camisa como estava o ferimento.

-Seu ombro ainda está instável, então vou improvisar uma tipóia e imobilizar o seu braço, ok? -eu disse retirando meu casaquinho de outono e envolvendo seu braço contornei seu ombro para servir de apoio.

-Você se parece muito com sua irmã assim toda concentrada. -ele disse de repente. -Vocês duas criam um vinco bem aqui, entre as sobrancelhas. -ele tocou com o dedo indicador um pouco abaixo da minha testa. -Deve ser herança familiar, uma herança muito bonita diga-se de passagem. -ele deu um sorriso de lado que não chegou aos seus olhos.

Eu sabia o que ele estava fazendo. Maurício estava tentando me distrair, como se isso fosse possível... Contudo eu admirava seu altruísmo em pensar primeiro no bem estar alheio do que em si próprio ou na dor que sentia.

-É mesmo? E como... -antes que eu pudesse completar a frase o som de tiros cortou o ar e nós petrificamos instantaneamente na mesma posição em que nos encontrávamos.

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