Cap 7 - Os Bons Morrem Antes
NARRADOR ONIPRESENTE
Na parte da manhã, pela fresta da janela de madeira, quando o dia era de calor, sempre adentrava em seu quarto um raio de sol. Mas essa manhã estava cinzenta escura, ainda lembrava a noite. Mesmo com o tempo fechado, ao ouvir o ressoar irritante do despertador, sem moleza levantou rápido e contente, afinal iria ver sua adorada amiga.
No dia anterior havia ido a feira de domingo na entrada da favela com sua mãe. Queria retribuir de alguma forma o carinho que recebeu de Bruna e seu pai. Comprou dois presentes, uma linda flor branca dentro de uma caixinha para Bruna e um mini carrinho de polícia a flexão para Grimaldi. Alheio a tudo que aconteceu nesses cinco dias sem se verem, Anttone ensaiou no espelho como dar a flor a Bruna.
— Aqui Bruna comprei essa flor porque ela é tão linda como você. — estica as mãos com o presente em direção ao espelho.
“Se eu me atrevo a falar isso, ela dará um soco na minha cara.”.
Estica as mãos com a flor novamente para o espelho e continua seu monólogo.
— Porque comprei essa flor pra você? Porquê, porquê… — bate na testa e diz — nem para o espelho tenho coragem de falar, imagine pra ela.
“Não seja covarde Anttone, diga”
O menino volta a sua representação na frente do espelho.
— Comprei porque gosto de você, muito além da amizade. Quer ser minha namorada?
Ao terminar de falar com si próprio, Anttone arregala os olhos e pensa.
“Não. Definitivamente não posso dizer isso. Pois se me atrevo, Bruna além de socar minha cara, pega o caule dessa flor e crava no meu peito. Igualmente o Afrodite de peixes fez com o Shun de Andrômeda”.
Já pronto para ir a escola, pôs o carrinho de Grimaldi na mochila e a flor de Bruna segurou nas mãos.
Ansioso chegou a escola bem cedo. Quando avistou João Pedro com a mão enfaixada sentiu um frio na espinha. Porém seu colega de turma abaixou os olhos e passou direto quando o viu, se sentiu poderoso naquele momento.
Foi vendo todos seus colegas de classe e alunos da escola entrarem, mas nada da Bruna.
“Será que aumentaram o castigo dela? Ou ficou doente?”
A sineta toca, hora de cantar o hino. Anttone não se apresenta à fila, continua a esperar por Bruna. A sineta toca novamente, hora de entrar na sala, percebe que Bruna não irá chegar, entra frustrado para cantar o hino sozinho. O coordenador o libera e diz para ir direto a sala, pois a professora tinha um comunicado importante a fazer.
Ao entrar na sala, pegou o início do comunicado.
— Antes de mais nada, quero dizer que o que tenho para falar é grave e triste. Se alguém soltar uma piadinha, não irei hesitar em dar advertência, e sabemos quem tem muitos alunos pendurados nesta classe. A terceira advertência é diretamente expulsão. Correto? Posso falar então?
— Sim professora. — a turma responde em uníssono.
— Algo bem triste aconteceu. O pai de uma aluna veio a falecer — Anttone põe as mãos nos ouvidos, não queria ouvir, já imaginava de quem se tratava — um parente da aluna veio hoje mais cedo e já confirmou que infelizmente a aluna Bruna Oliveira Grimaldi não virá mais à escola.
Empurrou sua carteira bruscamente, lançando seu material ao chão. Saiu da sala exasperado batendo a porta com força. A professora se espantou com a atitude do menino, já que sempre foi bastante tranquilo. Correu pelos corredores da escola até que adentrou o banheiro.
Se jogou ao chão do biombo com as mãos nos ouvidos. Sentia uma dor no peito que lhe faltava o ar. Em seu momento de desalento, fez perguntas que nunca teriam respostas.
“Deus porque o senhor me tira todas as pessoas que gostam de mim? O senhor quer que eu seja um mal menino é isso? Quer que eu seja igual ao meu pai?“
Anttone chorou toda sua dor ali sozinho no banheiro, até que ouviu o barulho de alguém entrando. Era sua professora, que o tirou de dentro do biombo e o acalentou com gestos e palavras.
— Você não tem ideia de como entendo sua dor, mas o que pode fazer agora, é orar pelo pai da Bruna, para que o nosso senhor o receba bem. E também orar por ela, para que esse mesmo senhor conforte o coração da sua amiga.
Para ele foi bom ter o carinho de alguém, naquele momento triste Enxugou o rosto ainda fungando seu pranto. E assentiu as palavras de sua Professora. Contudo, dificilmente a tristeza que sentia se apagaria.
A professora deu a mão ao menino, que a segurou. Levou Anttone de volta para sala e toda a turma orou um pai nosso.
A sineta tocou, indicando o fim da aula. Querendo ver a amiga, Anttone perguntou a professora se ela sabia a que horas e onde seria o enterro de Grimaldi. A mesma disse não saber, mas lembrou que a grande maioria dos policiais militares que morrem no Rio de Janeiro são enterrados no Jardim da Saudade de SULACAP.
Saiu da escola correndo. Tomou um ônibus rumo ao cemitério. Chegou na recepção e foi informado que o funeral já havia acabado há tempos. Pegou a informação do local exato e foi andando até a jazida.
Mais uma vez não conseguiu conter as lágrimas, pensava na dor de sua amiga e isso o feria na alma. Lembrou da flor que comprou para Bruna e do carrinho para Grimaldi e achou melhor trocar os presentes. Guardou a miniatura da viatura com a esperança de um dia poder entregar a Bruna, e pôs a rosa branca em cima do túmulo de Grimaldi pedindo que o sargento tenha paz.