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Cap 6 - Você Me Derruba, Mas Eu Me Levanto.

Tinha as duas mãos sobre a boca apertando bem forte. Não podia deixar que os homens lá embaixo ouvissem o barulho do meu medo. Não podia decepcionar o meu pai. Mendes havia ido embora. Creio eu ter ido para o hospital. Em seu lugar, mais três policiais vasculhando toda a minha casa.

O que eles procuravam, estava comigo dentro do meu travesseiro de estimação, seguro em cima da árvore. Tinha vontade de descer, sair correndo e tentar entrar na casa de algum vizinho, estava apavorada com a quantidade de morcego que me rodeava, além do clima insuportável, frio e úmido.

Quando o pensamento de descer me chegava a mente, por conta do medo dos morcegos. Logo a realidade me despertava. Lá embaixo tinha o mais vil e cruel dos predadores.

O homem.

Naquela noite, eles fizeram de tudo para que saísse do meu esconderijo. Promessas boas, com voz acalentadora e ameaças terríveis de destruição.

Não sei se o que fazia era certo, mas de uma coisa tinha certeza. Devia obediência ao meu pai e estava seguindo o que me pediu.

Ensopada pelo orvalho da manhã, não sentia nada, nem frio, nem meu corpo

Ensopada pelo orvalho da manhã, não sentia nada, nem frio, nem meu corpo. Antes de amanhecer os policiais foram embora, contudo não tinha membros para descer dali. Ao menos eu não os sentia.

Precisava que meu pai chegasse, já não havia mais força em mim. Confusa, não sabia se tudo aquilo era real. Com meu corpo colado a um tronco robusto, meus olhos foram se fechando, dominada pelo cansaço. Cair dali de cima talvez fosse fatal, Mas gritos ecoaram no fundo da minha mente, fazendo que com que eu despertasse da letargia que me abateu.

— Filha! Bruna apareça! Bruna...!

Fiquei feliz, ainda não era meu pai. Mas era meu padrinho, estava segura. Não tinha voz para responder. Peguei os frutos que estavam ao meu alcance e larguei para que caísse ao chão. Ouvi seus passos largos até a mangueira.

Com a mão estendida ele me encorajava — Desce minha filha. Você está segura agora.

Após me ajudar a descer, me abraçou forte e necessitava daquele abraço. Eu chorei muito, meu padrinho sentiu a minha dor e o meu alívio. Chorou junto comigo. Imaginei que seu pranto era somente por mim, até ver em sua face uma profunda tristeza.

Foi aí que fiz a pergunta que me destruiria, e me despedaçaria sem direito a colagem.

— Onde está o meu pai? O Senhor já encontrou com ele? — O olhar de meu padrinho foi algo que entrou no meu coração, como o lápis que usei para ferir as pessoas nos últimos dias. Aquele olhar me fez entender que algo tinha saído muito errado. — Aconteceu alguma coisa, não foi? Ele está preso? Padrinho quero dizer que, seja lá do que o acusam, meu pai é inocente. O Senhor sabe, não é?

O silêncio dele me agoniava, a demora para responder me afligia.

— Querida tenho que te levar até a assistente social, para nós três conversamos sobre o seu pai.

— Assistente Social!

Aquilo estava muito errado, o vovô Sérgio era bem ativo, todos diziam que eu o puxei. Mas um dia ele caiu torto e com a língua enrolada no meio da sala. Me assustei muito, mas ele era tão saudável que imaginei que logo voltaria. Meu pai o levou às pressas para o hospital e depois de algumas horas, ligaram para minha casa dizendo que a assistente social queria falar com ele.

E a notícia não era boa e o vovô nunca mais voltou para casa.

— Não preciso de assistente social, o senhor pode me dar a notícia ruim. Em qual hospital ele está? Está muito machucado?

Ao invés de responder rápido, meu padrinho me afagava os cabelos e apertava minha cabeça contra o peito. — Grimaldi não está em hospital.

— Ah que bom! Quero ver meu pai, me leva para ele.

— Não posso filha. — Responde, e posso senti tristeza em sua voz.

— Não pode! Prenderam ele não foi? Aqueles homens armaram para o meu pai. Me leva até a delegacia para eu explicar tudo o que houve aqui. E eles vão vê que os bandidos são outros, não o meu pai.

— Vamos! — Me abraça e vai me levando. — Precisamos ir até a assistente social.

Me desvencilhei do seu abraço, eu precisava de respostas do paradeiro do meu pai e as queria naquele momento. — Não vou a lugar algum, quero saber o que aconteceu com meu pai. O que aqueles homens fizeram?

— Se acalma Bruna, olha para mim.

— Estou olhando, agora diz aonde está meu pai.

Sabia que algo de muito ruim tinha acontecido, mas nunca queremos acreditar no pior. Eram só doze anos de vida, ninguém deveria passar pelo o que eu estava passando com tanta pouca idade.

Meu padrinho meneava a cabeça, hesitando em me falar, entretanto me conhecia, sabia que não desistiria, resolveu despejar — O Grimaldi faleceu. — Ele respira fundo e lágrimas continuam a cair de seus olhos. — Fui informado pela manhã da morte de dois policiais, e um deles é o meu compadre.

— Morto?! Não! Eu não acredito, o meu pai não está morto, ele não está, meu pai não está.

— É difícil aceitar, eu sei, mas você precisa ser forte.

— Não tenho que aceitar nada! Aqueles homens não podem ter feito isso com ele, não podem. Não acredito em você. Meu pai é bom não tem porque matarem ele.

— Filha, ninguém fez nada. Ninguém o matou. — Tenta me fazer entender, me deixando mais confusa.

— Como não? Você disse que ele está morto! Então ele sofreu um acidente? Me leve até ele por favor.

— Não foi acidente.

— ENTÃO O MATARAM, — me altero — Vamos a delegacia que irei contar tudo para que a polícia prenda esse homens.

— Bruna me ouve, ninguém fez nada. — Fala firme.

— COMO NÃO FIZERAM NADA?! Estavam fazendo comigo, me coagindo.

— FOI SUICÍDIO! — Ele berra aquela frase na minha cara — o Grimaldi se matou filha.

Naquele mesmo instante senti um ar frio, fazendo meu corpo congelar. Em meio a dor e as lágrimas que escorriam pelo meu rosto, tentei processar a informação que não se encaixava com a realidade. Meus pensamentos tentavam buscar uma razão para aquela história ser verdade, mas não encontrava.

“Meu pai jamais faria isso, ele não tiraria a própria vida, mesmo que estivesse encurralado, nunca foi um covarde. Me ama, me ama muito, não me causaria essa dor”

Desnorteada, as palavras saíram de forma soletradas da minha boca.

— O Sr está sendo enganado... Meu pai não tinha motivo pra fazer isso. São como irmãos, o conhece. Sabe bem que ele não é um covarde.

— É muito cedo para avaliar tudo com clareza, mas a princípio essa é a verdade. E por mais que amamos as pessoas, nunca sabemos o que de fato elas são capazes.

— Ele não me deixaria sozinha. Me leva à delegacia, que irei esclarecer tudo.

— Não. — fala de forma decidida.

— Por que não?

— Porque quero te poupar de ouvir fatos da boca de pessoas que não terão o mesmo cuidado que eu.

— Que fatos são esses? O que poderia me machucar mais do que o senhor dizer que meu pai morreu.

Meu padrinho queria me proteger e ficava arrumando palavras para me contar a verdade. Como se existisse alguma forma bonita de me contar tudo o que aconteceu.

— Estão dizendo coisas muito feias do Grimaldi, que ele estava vinculado à uma rede de corrupção. E se matou porque foi descoberto.

Aquela história era só a confirmação da certeza que eu já tinha.

Armaram para o meu pai..

— O senhor como amigo dele deveria saber que isso tudo é uma grande mentira. Não acredito em nada do que lhe disseram.

— Pra mim também é difícil de acreditar filha. Quase que impossível crer que o Grimaldi estaria se metendo em sujeira, se vendendo a um bandido, mas ele pode ter sido ameaçado por alguém.

— Não. Não e não. O senhor não pode está achando que o meu pai, aquele homem honesto que admiro, tenha se vendido para um bandido. Que o seu amigo seja um corrupto.

— Tudo bem! Eu também não creio, mas as investigações dizem ao contrário. Existem provas.

— São provas mentirosas. — Afirmo com total convicção.

— Falas com tanta certeza. Sabes de alguma coisa? Algo que possa ajudar a esclarecer esse imbróglio.

Tinha plena e total confiança no meu padrinho, mas os adultos, às vezes se cegam pelas formalidades. Por mais que eu quisesse, se desse a ele o mapa, estaria traindo o último pedido do meu pai..

— Filha! Tudo bem? Lhe fiz uma pergunta, você viu algo de diferente acontecer?

— Claro que vi. — Respondi rápido. — Vi uns policiais entrarem aqui e o levarem como se fosse um bandido. Um deles ficou aqui dentro me ameaçando. Passei uma noite em cima de uma árvore me escondendo daqueles que deveriam me proteger. E o senhor aparece e diz que o meu pai está morto. Tem ou não tem coisas estranhas?

Podiam me falar mil vezes, mas não acreditava no que estava acontecendo. O meu herói, morto como um bandido com o nome na lama. Aos pouco foi me dando conta que aquele pesadelo era bem real.

— Filha, entendo muito bem a dor que você está sentindo, a compartilho com você. Mas agora preciso lhe manter segura e longe disso tudo.

Ele me estendeu a mão e eu a segurei. Meu padrinho foi meu alicerce naquele momento. Sem ele, teria desmoronado.

[...]

Vesti branco, preto é minha cor favorita, mas já uso todos os dias. Queria vestir algo tão claro e limpo como o meu pai. Meu padrinho falou que me levaria até Candeias, na Bahia, mas minha mãe não deixou. Ela amava o meu pai e não perderia a última chance de o homenagear e passar por esse momento sem me apoiar. Foi bom ela ter vindo.

Há algum tempo antes, fui a um enterro de um colega do meu pai. Vinte policiais fardados fizeram um ritual de honra para o homem.

Meu pai não teria nada disso.

Policial suicida, corrupto não tem direito a nada.

Nem a homenagem.

Nem a deixar pensão para família.

E muito menos dignidade.

"Mas de tudo o que o roubaram, a dignidade irei pegar de volta. Nem que seja a última coisa que eu faça na vida."

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