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Cap 4 - Tire Isso da Cabeça

— Ao menos posso ouvir música?

Meu pai estava pegando super pesado comigo, me tirou das minhas lutas. Na opinião dele, as artes marciais estão me deixando violenta. Mal ele sabia, que se não fosse a educação que ele me dava e os ensinamentos de paz na aulas de luta, teria enfiado aquele lápis no olho do João.

Não seria na mão.

— Pode. Porém baixo e dentro do seu quarto. Não adianta me pedir mais nada que não vou ceder mocinha. — Ele fala ríspido.

— Estou percebendo, nem um livro novo o senhor quer comprar para mim. Terei de reler os que já tenho.

— Exatamente. Nem pense que vai para casa da sua tia quando eu for para o quartel amanhã. Vou pagar a dona Esmeraldina para tomar conta de você.

— Que! A beata do final da rua! O senhor realmente quer me punir por algo que sabe que não estava errada. — Mesmo sabendo que era em vão, tentei argumentar.

— Como não estava errada?! Já te falei que os fins não justificam os meios. O que você fez é crime. É lesão corporal, no Brasil não se leva a sério. Usamos até um termo interno "briga de comadres", mas em vários países, você estaria presa, mesmo com pouca idade.

— Mas pai...

— Chega Bruna! Não quero ouvir mais nada. Está de castigo e ponto final. Aproveite esses cinco dias para refletir sobre suas ações. Se parar e analisar, seus castigo é leve comparado a o que você fez.

[•••]

Até que estava passando rápido. Tomei a suspensão na quarta-feira e hoje já era sexta, depois sábado, depois domingo, em seguida segunda-feira estaria de volta à escola. Ficar presa me fez sentir falta até da diretora.

Não. Não. Não. Estou mentindo, daquela bruxa quero distância.

Quem eu quero ver mesmo é o Anttone, conversar com meu amigo, cinco dias sem vê-lo, bateu saudade do lerdinho.

Batem à porta do meu quarto e mandei meu carcereiro entrar. Meu pai havia chegado do quartel. Ele entrou de coturno, calça azul da farda e blusa branca por dentro da calça.

— Bom dia mocinho! Quando vestimos nossa farda, temos que estar impecáveis. Cadê a parte de cima do seu uniforme? — Falo descontraída.

Meu pai tinha na face um sorriso discreto e a expressão um pouco cansada. — Gostei do mocinho, mesmo sentindo o tom sarcástico.

— Está tudo bem pai?

Ele me beija a testa — está sim. Só um pouco cansado. Irei dormir e acordo melhor para fazer o almoço.

Meu pai seguiu para o quarto dizendo estar tudo bem. Mas não sei, senti uma estranha pontada no peito.

[•••]

Depois do almoço o ajudei a limpar o extenso quintal que tínhamos em casa. Além de grande, nosso quintal era bastante arborizado, cheio de árvores frutíferas. A que eu mais gostava era a mangueira. Gostava do cheiro, do fruto maduro, ou de vez com sal. Principalmente gostava de subir nela. Dava para eu ver todos de cima e ninguém me via, os galhos não deixavam.

Já dentro da minha "cela" novamente, estava na metade do livro O Dia do Curinga, quando senhor Bruno, chegou com uma excelente notícia.

— Seus padrinhos vem para o jantar. — Disse sorrindo, no fundo ele não gostava de me ver triste de castigo.

— Ao menos uma notícia boa, tudo bem que eles virão com aquela mala sem alça da Marisa, mas, dar para aturar aquela chatinha, para ter o prazer de estar com eles.

Meu pai fechou sua feição rapidamente e me repreendeu. — Sinto dó de você. Mas logo passa por conta desse seu gênio.

— Já sei, meu vocabulário.

— É filha, às vezes você fala como se fosse um menino brigão de rua.

— Desculpa. — Peço sincera - Mas o senhor sabe que a "Malisa" é insuportável.

Soltando uma lufada de ar, ele me corrige - O nome dela é Marisa. Sabe que sua madrinha Elza está muito doente, ela tem câncer. Não a aborreça brigando com sua prima.

Fiz um xix com os dedos e o beijei. — Irei me comportar, não vou aborrecer minha madrinha.

— Acho bom, então vá se arrumar para o jantar.

— Só uma coisinha pai. Vou me comportar, mas a Mariiiiisa — falo com desdém — não é minha prima.

[•••]

Gostava tanto dos meus padrinhos que eles mereciam o melhor de mim. Além do mais, eu não tinha outro evento para poder ir. Por isso me arrumei e pus a minha melhor roupa.

Fiz um rabo de cavalo lateral com os fios do meu próprio cabelo. Coloquei um short jeans claro com a ponta da bainha desfiada, uma meia arrastão preta, tênis all Star e uma camisa preta com foto do Kurt Cobain

Podia até imaginar como a Marisa iria vir. Com vestido florido, sapatilha de balé e um frufru desses bem esquisitinho na cabeça, ela sempre andava feito uma boneca brega.

Quando sai do quarto, o cheiro que vinha da cozinha era maravilhoso. Nem precisava perguntar ao meu pai qual era o cardápio, com certeza ele estava fazendo pernil assado. O aroma além de delicioso, me trazia lembranças ótimas de natal. No natal toda família se reúne, do lado do meu pai e da minha mãe.

Virava uma grande festa.

Todo ano, senhor Bruno é o responsável do pernil, por isso esse cheiro é tão convidativo para mim.

Minha fome foi automaticamente aguçada. Contei os minutos para que eles chegassem e assim eu pudesse logo degustar. Com certeza minha madrinha traria cuscuz branco de sobremesa, só de pensar, minha boca salivava. Por isso não podia largar os esportes, com a fome que tenho, ficaria maior que o JP.

Pela janela eu os vi adentrar o quintal. Logo pude perceber que a Marisa falou alguma coisa do cheiro do jantar que meu pai preparava. A irritante enfiou o dedo no nariz e fez cara de nojo. Minha madrinha a repeliu, da onde estava não dava para ouvir, mas dava para ver, deduzir e entender.

Se achando a princesa de Mônaco, Malisa veio para o jantar com um vestido rosa rodado até os joelho e marcando a cintura que aquela bambú não tinha. Calçada de scarpin e na cabeça uma tiara de strass.

"Fala sério! Aonde essa sem noção achou que iria! Em um casamento?"

Sai da janela e fui pra sala recebê-los, O primeiro que abracei foi meu padrinho Gilberto.

— Sempre linda e com esse sorrisão no rosto. Grimaldi me contou que está de castigo. - Ele muda de assunto me deixando envergonhada.

— O senhor vai brigar comigo também?

Sussurrando para que o meu pai não ouça, ela fala ao meu ouvido. — Que o Grimaldi não me ouça. — Fala sorrindo — Não concordo com esse castigo, pessoas más precisam de punição. E foi o que você fez. Puniu o meliante.

— Deixa eu falar com a Bruna Gilberto. — Minha madrinha reclama — você é um padrinho possessivo.

Eu a abracei com todo amor e intensidade que podia. Minha dinda tinha uma doença terminal, nunca sabia qual seria o nosso último abraço. Por fim, era a vez de cumprimentar Malisa. Pela minha dinda tentei ser simpática e estendi minha mão para ela.

Aos invés de apertar minha mão, Malisa preferiu tirar um sarro da minha cara.

— My god! Aonde é o enterro? Ou vai pedir esmolas? Você com esse short rasgado e essa blusa preta, com uma foto de cantor morto, dessa banda estranha, está ridícula

Nesse momento respirei bem fundo, porque lembrei do meu pai falando para eu ser cordial, para não estressar minha madrinha doente, então com sorriso no rosto, sussurrei para que ninguém ouvisse além da Barbie do Paraguai.

— Não fala mal do Nirvana, nem do Kurt, sua boneca de camelô.

A figura ficou revoltada e iria retrucar, a deixei falando sozinha. Tinha adoração pelos meus padrinhos, que eram da mesma profissão que o meu pai, mas não suportava a filha deles.

"Se achava a princesa mais linda. Essa salsicha anêmica."

[•••]

Chegou o momento que a noite estava tão legal que até a Malisa se divertiu. Nós jantamos, estava tudo maravilhoso, o doce que a minha madrinha trouxe, a comida que meu pai fez.

Tudo perfeito.

Senhor Bruno tinha uma expressão de leveza na face, diferente da de manhã quando chegou do trabalho um tanto cabisbaixo. Meu pai estava feliz, sereno e era assim que gostava de vê-lo.

Jogávamos dominó e depois partiríamos para o buraco. Meu padrinho disse que já não aguentava mais perder para mim e minha dinda. Por isso jogaríamos cartas que segundo ele, era imbatível. Contudo, trovoadas estridentes eram presságio de uma forte tempestade e fez que por precaução, eles fossem embora mais cedo.

Não arriscariam ficar ilhados em alguma enchente nas ruas do Rio de Janeiro.

Assim nos despedimos, de uma noite quase perfeita.

Naquela mesma noite quando tentava dormir. Porém o uivar do vento sudoeste junto as trovoadas que aceleravam meu coração de tão fortes, não deixava. Percebi que meu pai havia se levantado e fui averiguar. Me assustei ao vê-lo de short, sem camisa e com a arma em punho.

— Volta para cama. — Ele disse.

Abriu um pouco a cortina e olhou através da janela. Pôs a arma na parte de trás do short e saiu, me mandando voltar para cama novamente. Não iria, não antes de ver quem estava lá fora e saber se meu país estava seguro.

Chovia, a pessoa usava uma capa de chuva, não podia acender a luz do quintal. Não conseguia ver quem estava ali. Mas pude vê meu pai gesticulando, parecia bravo. Teve um momento que ele gritou tão alto, que mesmo de uma distância considerável, pude entender claríssimo o que dizia.

— Você não poderia ter feito isso comigo!

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