Cap 2 - Posso Estourar e Agir Rápido
Estava dando o meu melhor, porém foi pouco. Meu pai com facilidade, bateu no nosso portão de garagem primeiro.
— Esquece filha! — Fala me zoando. — Você jamais me ganhará no cooper.
— O senhor fica aí se gabando, mas suas pernas tem o dobro de tamanho das minhas.
— Sim. E mais experiência também. — Enquanto falava, se inclinou e apoiou as mãos nos joelhos.
— Ah! O velhinho já está cansado!
— Do que me chamou, garota! — Meu pai finge me repreender, mas na verdade estava rindo. — Já para o banho que são seis e vinte, às sete você tem que está na escola.
Meus dias eram assim, uma prazerosa rotina. Me exercitava antes do sol nascer junto ao meu pai, depois me arrumava para ir para escola e à tarde fazia três tipos de luta. A que eu mais gostava era o Kickboxing. Mudava um pouco, quando meu pai estava no trabalho, eu ficava ou com a minha tia ou com meus padrinhos. Gostava também de ficar com ambos, a única chatice era a Marisa a filha dos meus padrinhos. Porém eu não ligava para ela.
A única rotina que estava me cansando era a do colégio Imperador. Não sabia mais o que fazer. Ver o Anttone sofrer todos os dias me doía. Assistir uma escola que não fazia nada me deixava muito brava. E aqueles garotos estavam me deixando com sentimento muito ruim e agoniante, deve ser o que chamam de ódio.
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Era mais um dia de xingamentos, de injustiças e eu já estava cansada disso tudo. Quando não presenciava o que faziam com ele, Anttone escondia, não me contava mais. Meu amigo intuitivo percebeu que eu já estava por um fio com toda aquela história.
João Pedro era um invejoso, não se conformava como um favelado oriundo do CIEP era mais inteligente que ele.
Anttone dizia que estava tudo bem, mesmo sabendo que era mentira. Quando falava para ele chamar seus pais, sempre desconversava. Meu pai me ensinou que quando um amigo não quer falar, devemos dar espaço. Por isso parei de tocar no assunto.
Ainda havia um desespero desse ciclo, da rotina de agressões. Daria um basta na situação, resolveria as coisas do meu jeito.
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Era mais um dia rotineiro de aula, a professora avisou que quem acabasse o dever já poderia ir para o intervalo. Lógico que o Anttone acabou e saiu da sala. Demorei mais uns vinte minutos e quando sai, meu amigo me aguardava no corredor.
— Podia ter me aguardado no refeitório.
— Podia, mas prefiro que a gente vá conversando até lá.
Nós fomos andando rumo ao refeitório, no meio do caminho Anttone lembrou que esqueceu seu lanche dentro da sala e voltou para pegar. Eu fui para o refeitório, pois a sineta já iria tocar assim garantia um bom lugar para nós dois.
Sentei em uma mesa de frente para a entrada do refeitório, ficando de frente para o ventilador.
Estava muito calor.
Eu já havia enrolado meu cabelo e enfiado o lápis de desenho. Se o senhor Sargento me visse assim, iria me perguntar se estou vendendo verduras. Ele tem aquela maneira de pensar que o uniforme da escola é uma farda militar.
Aguardando Anttone, vi a maldade de João Pedro, Luiz e Nathan quando todos ficaram parados na porta do refeitório. Já esperava o que pretendiam. Anttone apareceu e minhas suspeitas se concretizaram.
— Favelado trouxe o que pra comer? Pão com ovo ou mortadela?
Anttone continuou seu caminho sem dar atenção, mas João Pedro o puxou e o jogou no chão e começou uma sessão de chutes. Fiquei cega, histérica empurrei o Nathan e o Luiz.
— Chega! Já disse mil vezes para vocês pararem de abusar dele. Os deixem em paz.
— E eu já disse que suas ameaças não me importam mulher macho. — Esbravejou na minha cara e tornou a chutar o Anttone.
Dessa maneira só me restava tomar uma atitude. João Pedro tinha expressão maléfica e suas mãos segurando a porta enquanto chutava meu amigo. Tirei o lápis que prendia meu cabelo e mais rápido do que o obeso pudesse imaginar, cravei o lápis na mão dele, com toda força da raiva que habitava em mim.
Ele ficou totalmente sem ação, com os olhos arregalados, estatelado, aliás todos ficaram. Foi só quando puxei o lápis cravado na mão dele, que o malvado gritou de dor e o sangue dele começou a escorrer.
— Ela é louca! Essa garota é louca furou minha mão!
Anttone estava paralisado, seus olhos eram de total surpresa, não conseguia esboçar reação. Eu peguei o lápis cheio de sangue e apontei para os outros.
— Quem mais vai encarar? Qual será o próximo?
Nathan e Luiz saíram correndo. Um minuto depois aparece os coordenadores. Foram um ano de agressões e xingamentos e ninguém desse colégio se importou. Agora Anttone e eu fomos levados para a secretaria.
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Com a “cara amarrada”, e aquele ar de superioridade querendo nos intimidar. A diretora nos olhava fixamente. Eu pouco me importava com a sobrancelha arqueada dela e sua careta de mal cheiro. Já o Anttone em seu olhar estatelado e seu corpo trêmulo, dava para ver o seu total desespero.
E a bruxa se aproveitou.
— Rapazinho, você não trará a desordem do meio que você vive para dentro do meu colégio. — Anttone engoliu em seco, enquanto a observava com uma expressão indignada — o CEI sempre foi um modelo de escola e continuará sendo, mesmo que tenha que expulsar tudo de ruim que estiver aqui dentro. Está me ouvindo bem menininho?
— Sim Srª Diretora. — Anttone aceita sem se defender.
Só observava que Ana Célia não pronunciava o nome Anttone. O chamava no diminutivo com um certo desprezo. Por sua vez, Anttone me deixava perplexa, aceitava tudo o que ela falava e não contava o que aconteceu.
— Não. O Anttone não fez nada, ao contrário ele é a vítima a mais de um ano nas mãos do João Pedro e sua turma de imbecis — Despejo a verdade em sua face.
— Ainda não falei com você mocinha, seus problemas de disciplina são diferentes do dele, sei que seus problemas são psicológicos, é muito difícil ser criada sem uma mãe.
— Hã! Eu não tenho problemas psicológicos! Meus pais me amam. Quem tem é o João Pedro.
— João Pedro é um ótimo menino, de uma excelente família — falou como se João fosse da realeza — e sobre seus problemas psicológicos, quem avalia é um profissional, nunca a própria pessoa. Bom, mas a questão é, que liguei para o seu pai e ele já está vindo. O garotinho aí irei expulsar de qualquer maneira, já que os pais nunca aparecem — Anttone abaixa a cabeça envergonhado — agora você, vou esperar seu pai chegar.
— Como assim vai expulsar o Anttone? Porque o nome dele é esse, An tto ne. — Soletrei indignada — não sei se a senhora diretora ouviu, mas já disse que ele não fez nada.
— Nada?! — Ela bateu na mesa e alterada — Da onde vocês vieram pode ser que seja normal o tipo de agressão que os alunos sofreram, mas aqui no Centro de Ensino Imperador não é. E tenho dito.
Naquele momento, minha raiva falou mais alto e posso ter passado dos limites.
— A senhora é surda ou se faz? Anttone não fez nada. Eu furei aquele nojento, implicante e agressivo, eu, euzinha. — Grito apontando o dedo contra o peito.
— Abaixa o tom da sua voz, senta e aguarda seu pai. — Foi a única coisa que ela me disse.
Ana Célia não se importou com nada do que eu disse, era uma decepção pedir socorro e ninguém te ouvir. Percebi a triste realidade do CEI, que aqueles que deveriam proteger e ser justos com os alunos, eram mais preconceituosos do que a turma do João.
A diretora ligou para o vereador e para os pais dos outros alunos metidos na confusão, para virem buscar seus filhos. Da ante sala onde nós estávamos, escutávamos tudo. Foi duro ouvir a Ana Célia e a Abigail.
— Essa escola não pode avaliar só o conhecimento dos alunos, para entrar aqui, também, tinham que pesquisar o histórico da família e em que sociedade a criança vive, para que não tenhamos esse tipo de gente entre nós.
— Verdade diretora. Já dá até para prever o futuro. Esse garoto, antes de chegar a adulto morre de overdose em alguma viela do buraco aonde veio. E essa menina sem base familiar, será mais uma dessas lésbicas feministas e de pensamentos distorcidos que não levam a lugar algum.
"Ah como eu queria está com o gravador do meu pai!"
Gostaria de revidar, com esforço me controlei. Já para o Anttone ouvir esse tipo de relato o fazia se sentir cada dia menor.
Batem à porta da secretária.
“Conheço essa batida”.