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Capítulo 5

GUILHERME

Não consegui dormir durante a noite. Quando eu fechava meus olhos aquela cena rodava em minha mente repetidamente como um disco arranhado.

Seus gritos, o pequeno corpo miúdo se debatendo... sangrando. Todas aquelas marcas espalhadas pela pele descolorada, pálida, de aparência quase fúnebre. Todas aquelas imagens e sons certamente não iriam sair tão cedo da minha mente.

Eu queria descobrir o causador daquilo. Queria saber quem poderia ser tão covarde, cruel e sangue frio a ponto de torturar e violar uma vida daquele modo terrível.

Eu queria socar a cara e moer todo o restante do corpo desse ser asqueroso sob a pressão dos golpes dos meus punhos, até que ele desfalecesse no chão ensanguentado.

Eu queria poder respirar normalmente agora... Mas há uma dor sufocante apertando, oprimindo e castigando meu peito.

Quando os primeiros raios de sol surgem pela fresta da janela do quarto, me dou por vencido e desisto de tentar cochilar pelas horas restantes que faltavam para finalmente se fazer manhã.

***

Calcei meu par de tênis de corrida e vesti um casaco moletom cinza já que o clima lá fora se anunciava frio através da neblina que pairava sobre a represa e a mata ao seu redor.

Sem fazer muito barulho evitando acordar as garotas na casa, é estranho o pensamento de que há outra menina nesse lugar além da minha irmã, saí para dar uma volta pelas redondezas para espairecer a cabeça. Em pouco tempo eu estaria de volta e conversaria com Bruna a respeito do que deveríamos fazer com a garota desconhecida.

Eu deveria perguntar o nome dela para evitar chama-la dessa maneira. Soava frio e impessoal de mais para qualquer pessoa, e por Deus, ela era um ser humano!

Com a cabeça cheia de questões mal resolvidas começo o trajeto, não uso fones ou qualquer outro dispositivo eletrônico de música que venha saturar ainda mais minha mente.

Respiro o ar puro, o cheiro da mata, o som do meu calçado batendo contra o chão de terra e pedra, se misturando ao grilar de vários insetos, o canto dos pássaros e o mais absoluto silêncio proporcionado pela natureza. Nada de carros, buzinas ou fumaça das fábricas e indústrias da cidade grande.

Era a sensação mais próxima possível que um ser humano poderia experimentar de paz.

Continuo em passadas firmes e constantes cortando a pequena trilha de folhas e galhos secos por trás da represa. Após muitos minutos cesso a corrida apoiando as mãos sobre os joelhos para recuperar o fôlego. Com a respiração irregular ergo a cabeça dirigindo o olhar para fitar o céu, muito tempo havia se passado e vejo que o sol já está a pino.

Sentindo o suor escorrer por minhas costas e trilhar um caminho para o cós da calça, retiro o casaco e me liberto da fonte de calor, por um momento constato o quão boa é a brisa que há ao meu redor.

Então em um estalo de consciência me dou conta de que perdi a noção do tempo e decido que já está na hora de voltar para casa. Amarro o casaco em vota da cintura e retomo o caminho de volta no mesmo ritmo da vinda.

Quando chego em frente da casa percebo que algo estava errado ao notar a porta da cozinha escancarada. Eu não havia deixado aberto quando saí mais cedo para correr.

Ou será que deixei? -me pergunto em dúvida.- Não, eu tenho certeza que não esqueci de fechar.

Minhas suspeitas se concretizam quando Bruna aparece correndo em minha direção com o rosto tomado por angústia.

-Bruna, o que houve? Está tudo bem com você? -perguntei aflito fitando seu rosto em busca de respostas.

-Ela sumiu. -Bruna parou o que dizia e seus olhos varreram a área ao nosso redor. -A garota sumiu, Guilherme.

-Como assim sumiu? -era como seu eu tivesse acabado de levar um balde de água fria sobre a cabeça.

-Eu estava no banheiro escovando os dentes quando ouvi o barulho da porta bater. Achei que era você acabando de voltar da sua corrida matinal, porém ao voltar para o quarto para pegar uma muda de roupa percebi que a cama estava vazia.

-Droga. -resmunguei fechando os olhos e esfregando a nuca pensativo.

-Acha que ela fugiu ou... alguém veio atrás dela? -Bruna indagou agarrando os fios da própria cabeça com violência.

-Espero sinceramente que tenha sido a primeira opção. -respondi ao me lembrar do tipo de pessoa que poderia estar a sua procura.

Bruna não sabia o que acontecera com a garota, entretanto tinha ciência de que coisa boa que não era, devido o estado em que a mesma se encontrava.

-Vou atrás dela. -eu disse de repente.

-Eu também vou. -ela se prontificou.

-Não, você fica aqui caso ela apareça de volta. -eu rebati de imediato.

-Mas...

-Me escuta, pelo amor de Deus! -elevei o tom de voz.

Eu não queria gritar com ela, na verdade queria poder não precisar fazer isso nunca com ela, porém era necessário no momento. Eu não podia arriscar traze-la comigo caso a situação fugisse do controle.

Jamais me perdoaria se algo acontecesse a minha irmãzinha. De novo. Não, dessa vez eu a protegeria como devia ter feito desde o princípio. Se dependesse de mim nada de ruim a atingiria novamente.

-Fica aqui, eu volto logo. -eu disse dando-lhe as costas e seguindo para a mata do lado oposto da represa a qual eu havia percorrido momentos atrás.

Minha cabeça girava em várias direções em busca de algum sinal que evidenciasse a recente passagem de alguém pelo local. Por sorte, ou não, havia alguns galhos quebrados de modo padronizado, todos virado para uma direção criando um corredor recém-aberto entre as árvores.

Corri naquela direção e senti meus braços arderem ao serem espetados pelos galhos no trajeto até que, notei sons diferentes cada vez mais próximos de onde eu me encontrava.

Dessa vez caminhei com cautela para não assustar quem quer que estivesse por perto e todo meu corpo se paralisou quando vi a cena a minha frente.

Para meu imenso alívio a garota estava sozinha e não com o maluco da noite anterior. Entretanto ela não aparentava estar nenhum pouco bem. Meus olhos mal conseguiam registar o montinho encolhido jogado no chão de terra, cheio de vergões abertos nos braços e pernas provavelmente causados pelos gravetos durante a corrida.

Sem emitir som algum que pudesse assusta-la, fui me aproximando sorrateiramente até que estivesse perto o suficiente para detê-la caso tentasse correr.

-Ei... eu... -assim que comecei a falar ela virou o pescoço abruptamente em minha direção com o rosto banhado em lágrimas e os olhos mais tristes, vermelhos e assustados que eu já havia visto.

E mais uma vez senti meu coração se despedaçar, nessa droga chamada de vida.

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