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Capítulo 4

BRUNA

Faz quase um ano desde que tudo aconteceu. Essa loucura que minha vida se tornou há alguns meses atrás, foi o que me trouxe até aqui.

Sei que Guilherme deve me achar a pessoa mais ingrata e arisca que conhece, mas, não é minha intenção magoa-lo seja com palavras ou ações, por mais que eu o faça constantemente.

Ele é um ótimo irmão, e tem feito muito por mim, e eu sou grata por isso. Um dia, irei compensa-lo por tudo, é uma promessa que faço a mim mesma, nem que seja a última coisa que eu faça antes do meu último suspiro nessa vida.

Eu não mereço o irmão que tenho, não mesmo. Guilherme é um cara maravilhoso que está cuidando de mim desde a morte dos nossos pais, e me sinto meio estúpida por tê-lo tratado de modo arredio durante a tarde, e o ignorado durante todo o jantar.

Estou deitada em uma cama de solteiro, o colchão duro faz minhas costas doerem de tempos em tempos e eu mal consigo pegar no sono, ouço a pancada da porta da cozinha batendo contra a parede. Me sobressalto com o barulho e me levanto logo em seguida, deixando o quarto com a luz acesa.

-B! Eu preciso de ajuda! -Guilherme gritou de algum ponto da casa.

Mesmo com os pés descalços sigo apressada em direção ao som de sua voz. Meu corpo se paralisa com a cena acontecendo a minha frente em tempo real.

-Mexa-se, B! -ele disse assustado.

-Mas que droga é essa, Guilherme? -eu disse ao me ajoelhar perto do corpo que meu irmão havia acabado de baixar ao chão da cozinha.

Havia um corpo no chão da cozinha, meu cérebro deu um nó ao registrar tal informação.

-Ela está morta? -perguntei temerosa.

Guilherme não prestava muita atenção ao que eu falava, ele só estava concentrado em realizar os procedimentos de reanimação em seja lá quem fosse aquela pessoa.

-Vai estar se você não me ajudar. -ele rosnou irritado.

Aquilo pareceu fazer um algum efeito em mim tirando-me do estado de letargia.

-Gire-a de lado. -aconselhei. -Agora pressione mais uma vez o abdômen.

Prontamente ele acatou minhas ordens, e repetiu o processo por mais três vezes, quando a mulher começou a reagir, ela tossiu e começou a cuspir água.

-Guilherme, comece a respiração boca a boca para aliviar um pouco o fluxo de água, ela está muito fraca para fazer isso sozinha.

Guilherme fez o fez o que eu havia dito e conseguiu aspirar um pouco de água de dentro da mulher. Agora ela já conseguia expelir a água por conta própria, esguichando-a pelo chão ao seu redor.

Após segundo de agonia, ela parou de cuspir e começou a respirar pesadamente. Seu peito subia e descia de forma sôfrega, como se lhe doesse cada movimentação. Suas pálpebras tremularam por ínfimos milésimos antes de se abrirem, revelando grandes olhos castanhos.

Sua visão parecia desfocada e seus olhos piscavam de maneira agitada e constante, como se tivesse dificuldade em focar-se em qualquer coisa.

-ME SOLTA! QUEM SÃO VOCÊS? -ela gritou em um rompante com sua voz tão enrouquecida que mais pareceu um sussurro desesperado.

Franzi o cenho sem entender.

E então ela começou a se debater, gritar e chorar ao mesmo tempo. Guilherme tentou conte-la para que ela não se machucasse ainda mais, entretanto a garota parecia dominada pelo pânico e começou a lhe arranhar tentando se soltar do aperto.

Eu nada fazia tomada pelo medo e sem saber o que fazer naquela situação. Observei a vestimenta simples e ensopada da mulher a minha frente, e estremeci ao perceber os vários hematomas e algumas cicatrizes que pareciam ser recentes, na pele de cor pálida descoberta de tecido.

Continuei minha inspeção pela figura franzina que se agitava freneticamente entre as mãos de Guilherme, e senti meu coração dar uma parada brusca quando meus olhos se fixaram em um ponto abaixo do abdômen, mais precisamente na região pélvica.

Instantaneamente meus olhos se arregalam ao notar uma mancha rubra tingindo o tecido da calça jeans desbotada.

-Guilherme! -chamei sua atenção. -E-ela não está bem. -gaguejei nervosa.

-Acha que eu não percebi isso, Bruna? -disse irritado.

-N-não, você não entendeu, Guilherme. E-ela está.... -eu não conseguia mais olhar para aquela cena.

Meus olhos já estavam cheios quase a ponto de transbordarem, me esforcei para segurar, a última coisa que Guilherme precisava naquele momento, era de outra pessoa chorando também.

-E-ela está s-sofrendo um a-aborto. -eu disse por fim, colocando uma mão na boca na tentativa de me conter.

Guilherme olhou rapidamente as roupas da garota para confirmar o que eu estava falando.

-Droga. -ele resmungou em um tom baixo. -Bruna, você acha... que consegue me dar uma mãozinha aqui? -ele perguntou inseguro.

-Consigo. -respondi me aproximando de ambos.

-Pegue uma toalha, e vê se consegue achar algum remédio calmante, pode ser? -ele me olhou de canto de olho.

-Claro, já volto.

Corri até o quarto e abri minha mochila que estava jogada no chão encostada em um canto da parede.

Retirei a cartela de diazepam e quebrei um comprimido ao meio. Voltei até a cozinha e enchi o copo com uns dois dedos de água, amassei o comprimido e o misturei a água.

Me abaixei perto de Guilherme e ele impulsionou o corpo da garota para que ela permanecesse sentada e assim evitasse de engasgar. Depois de muito esforço, conseguimos fazer com que ela ingerisse o líquido, ela cuspiu uma pequena parte, mas o restante foi consumido.

Poucos minutos depois o remédio começou a fazer efeito, ela já não se debatia mais, e seus membros se moviam de maneira letárgica.

-O que... está acontecendo? -sua voz grogue denunciava o sono.

-Shiuu, está tudo bem. Não precisa ter medo, você está segura agora. -Guilherme sussurrou enquanto seus dedos trabalhavam em uma carícia pelos fios escuros da garota.

Ela balbuciou algumas outras coisas esquisitas antes de apagar completamente.

-Você... -ele começou a falar mas nem precisava concluir para saber o que ele queria dizer.

Fiz um sinal com a cabeça confirmando.

* *

Logo após ter dado um banho quente na garota, a vesti com uma das minhas roupas que ficaram um pouco folgadas para ela, mas que serviriam para o momento, e a coloquei na cama em que eu estava dormindo durante esses dias . Apaguei a luz do quarto, deixando-a dormir e segui para o lado de fora da casa.

Encontrei Guilherme sentado do píer pela segunda vez no dia, ele gostava muito de ficar naquele lugar durante o entardecer, acho que para admirar o por do sol ou a paisagem, que para mim se reduzia tudo a mato.

Seus olhos fitavam ao longe, não parecia estar olhando nada em específico, mas eles continuavam no mesmo lugar, retos na linha do horizonte, com uma aparência pensativa e perdida.

-Gui. -o chamei.

-Sim? -ele voltou seu olhar em minha direção.

-Você viu os machucados, não viu? -perguntei.

-Alguns sim. Você está legal? -perguntou preocupado.

-Estou. Isso não é nada... -comecei a falar, mas minha voz embargou no meio da frase.

-Guilherme, a coisa é bem pior do que parece. O que eu vi, -balancei a cabeça para espantar as imagens.

-Ela tem ferimentos muito graves, e pelo que parece, ela vem sofrendo as agressões há muito tempo. A garota tem marcas novas, mas também tem muitas antigas que estão começando a desaparecer.

Ele piscou por alguns segundos registrando a informação, e então eu continuei.

-Precisamos leva-la a polícia.

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