Capítulo 3
GUILHERME
Observo a folhagem seca, caída espalhada pelo chão do terreno, sendo levada pelo vento. Estou sentado em uma espécie de píer improvisado logo acima de uma grande rocha, com meus pés balançando-se na beirada a poucos centímetros da água da represa que toma boa parte do local.
Foi uma boa decisão termos vindo para cá. Não só por Bruna, mas também por mim mesmo. Eu preciso descansar, esvaziar um pouco a cabeça. Bruna parece um pouco melhor. As crises durante seu sono cada vez mais tem se tornado escassas e ela já aparenta um semblante melhor, talvez um pouco mais leve do que normalmente costumava ser.
Eu não sei o que se passa por sua mente, Deus sabe que não, porém não é por falta de interesse de minha parte, ela só... não quer falar. Acho que ela ainda não está pronta para se abrir.
Por isso, mais uma vez tenho a certeza de que fiz o certo. Aqui ela estará em paz para lidar com o que quer esteja passando. E eu estarei ao seu lado para ajuda-la, seja o que for. Por que é isso que os irmãos fazem, não é? Ajudam uns aos outros.
E além do fato de sermos irmãos de sangue, sempre fomos muito ligados desde pequenos, dividíamos mais que um dna em comum, compartilhávamos nossas vidas, éramos o melhor amigo um do outro, todavia, um dia isso tudo mudou, e nós já não éramos mais os mesmos.
Contudo, eu ainda nutria a esperança de um dia reatarmos os cacos do que restou da nossa relação.
-Hum...você parece pensativo mais do seria considerado saudável. -Bruna comentou se aproximando pelas minhas costas.
O barulho de suas botas batendo contra o piso de madeira, a medida que seus passos se tornavam mais próximos, assemelhava-se mais com o som do martelo de um juiz, batendo, julgando, condenado.
-Não, eu só estou observando. -respondi.
Ela parou ao meu lado e também se sentou, poucos centímetros de distância nos separavam, entretanto, parecia existir quilômetros entre nós, nos afastando, gradativamente, para longe um do outro.
-Esse monte folhas? -perguntou cética. -E o que é que elas tem de tão interessante, para atrair sua atenção por tanto tempo? -indagou com uma curiosidade fingida.
-Eu não sei. Olhe, por alguns segundos, observe o movimento que elas fazem. -sugeri.
Ficamos olhando por um tempo até que ela resolveu interromper o silêncio.
-Elas não se movimentam, irmãozinho. É o vento que faz isso com elas, as folhas não fazem exatamente nada, só são jogadas de um lado para o outro sem poder algum para mudar isso. -rebateu com convicção.
Não nos encarávamos durante o pequeno dialogo, isso seria forçar a barra de mais nessa situação, o máximo que era "permitido" no caso, seria espiar o outro pelo canto do olho enquanto fingia estar atento a natureza a nossa volta.
-É nisso que você acredita? -perguntei.
-No que? Que folhas não podem se mexer por conta própria? Sim, isso é física básica, Guilherme. -alfinetou caustica.
-Bruna, nem tudo é assim, obra de um acaso. Talvez haja uma explicação para tudo isso, ou não. Mas... às vezes pode ser diferente, se você quiser, é claro. -argumentei paciente.
Bruna bufou em sinal de descontentamento.
-Quer dizer então, que se uma folha não quiser cair de uma árvore, ela pode? Ela é capaz de decidir ou até mesmo de pensar a respeito? -ela debochou.
Fechei os olhos tentando pensar em uma resposta soasse reflexiva e ao mesmo tempo fosse evasiva o suficiente, para que ela não se irritasse com rumo que a conversa estava tomando.
-Bruna, não são só as folhas, é tudo. Olhe ao seu redor, o mundo é composto por vários elementos, cada um com seu papel e importância. No final, todos tem seu espaço e sua função, basta que cada um desempenhe seu papel e deixe o fluxo seguir.
Eu era péssimo com essa coisa de analogia e metáfora. Provavelmente, nesse momento minha irmã deve estar pensando que sou louco ou idiota.
-Deixar o fluxo seguir, é? -retrucou.
Pelo reflexo da água vi sua cabeça balançar de um lado para o outro em negação, e instantes depois ela já havia se colocado de pé. Ela limpou a sujeira da calça e nossos olhares se encontraram pela primeira vez desde que começamos a conversar.
-Essa conversa já durou de mais. Vou entrar e ver o que temos para o jantar. -ela disse.
-Mas ainda está cedo. -questionei-a.
-Não importa. Quero deixar adiantado para logo a noite. -virou as cotas ao terminar de dizer e seguiu o caminho de volta para a casa.
E assim se seguiu o restante da tarde, cada um para o seu lado. Os olhares pareciam pesados, julgadores de mais, para que destinássemos nossos olhos um para o outro.
Ao cair da noite nos reunidos sem dizer um palavra, em torno da rústica mesa de madeira que se encontrava no centro da cozinha. Comemos e depois arrumamos a bagunça.
Como eu não conseguia fingir por muito tempo, se não eu explodiria devido a tensão que pairava no ar, resolvi dar uma caminhada pela mata da propriedade.
O som de grilos e corujas era o único barulho que preenchia o ambiente, e de alguma forma, aquilo me fazia me sentir mais... livre.
Eu já estava andando por alguns bons minutos e estava bastante afastado da casa quando resolvi retornar. O clima estava ficando mais frio, a grama já estava parcialmente molhada com o sereno que desci do céu e os meus passos se tornavam mais lentos a cada momento com intuito de prolongar a volta o máximo possível.
Foi então quando percebi, algo de estranho estava acontecendo.
Um barulho diferente dos emitidos pela fauna e flora ao meu redor, preencheu meus ouvido.
O som de um carro atingiu minha audição e eu fiquei em alerta. Quem poderia estar a essa hora nesse fim de mundo?
Com preocupação me lembrei de Bruna na casa, mas logo recordei que a mesma não ficava a vista de qualquer transeunte que passasse pelo local, pois esta era camuflada e escondida por uma enorme rocha que mais se assemelhava a uma pequena montanha.
Me aproximei mais da fonte de onde vinha os ruídos, me escondi entre os arbustos de porte médio mas grossos os suficientes para ele não fosse visto.
Observei uma caminhonete escura parar e um homem alto de casaco escuro descer do veículo. Que droga era aquela? -me perguntei. A noite estava escura mas não o suficiente para que eu não pudesse enxergar, a luz da lua e dos faróis contribuíam para iluminar o ambiente.
Senti um frio na espinha quando avistei ele retornar ao veículo e sair novamente trazendo uma... pessoa. Era uma garota e ele a estava carregando amordaçada, amarrada pelas mãos e pelos pés. Continuei observando tudo de longe em silêncio.
O homem que estava de costas para mim, começou a gritar com a garota que parecia estar tremendo, e quando o mesmo virou-se para a esquerda pude perceber um revolver na mão do sujeito e senti que algo muito errado estava para acontecer.
Mas o que eu não previa aconteceu, depois de alguns minutos de gritos da parte do homem, ele não atirou na garota, mas simplesmente caminhou por alguns metros e a jogou no lago que cercava o terreno. Com o baque surdo do corpo batendo na água e afundando, o homem voltou para o veículo, ligou o motor e foi embora.
Assim que me vi sozinho novamente, corri em direção ao lago e pulei para tentar salvar a garota do eminente afogamento. A água estava gelada, e muito. Mergulhar foi a parte mais fácil, o difícil foi não me afogar junto com a garota que se debatia desesperada querendo se soltar.
Me esforcei para conte-la, para que ela ficasse clama para que eu pudesse ajuda-la, mas só quando ela se cansou e parou de se mexer é que pude fazer algo. Fui até a superfície em busca de ar e quando retornei consegui segura-la nos braços.
Depois de muito esforço consegui tira-la de dentro da água. A moça já estava desacordada. Coloquei seu corpo gélido no chão e comecei os primeiros socorros. Tentei reanima-la por alguns segundos, fiz respiração boca a boca, mas não estava adiantando, ela tinha ficado muito tempo no lago e provavelmente engolira muita água.
Não obtive sucesso e o tempo estava correndo contra mim, cada segundo era precioso, então segui com ela nos braços em direção a casa. Talvez Bruna o pudesse ajudar de alguma forma, porque eu não poderia deixar aquela garota morrer, eu tinha que salvar aquela vida.