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Capítulo 2

MELISSA

Eu já não sei mais o que fazer. Não aguento mais isso. Isso, esse... pesadelo não vai mais acabar. Estou cansada, não tenho mais forças. Dia após dia, a mesma coisa, quando não está pior.

Eu... eu não quero mais isso. Quero dizer, qual o sentido de... estar viva? Qual o propósito? Eu já não me sinto mais a mesma pessoa que fui um dia. Nem sei a quem pertence esse reflexo que a água na pia da cozinha reflete. Eu não sou nada, e nem ninguém.

Me sinto vazia, acho que sou só um corpo oco que se locomove com o auxílio de algo que ainda desconheço. Um pote, uma garrafa ou um saco...vazio. Só um recipiente sem serventia no planeta.

Rio da ironia do pensamento que acabo de ter. Planeta... o que o planeta, ou alguém nele sabe sobre mim? Eu sequer existo para o mundo lá fora, se é que ainda há algo de bom ou útil por lá.

Termino minha tarefa na cozinha, que consiste em lavar os utensílios usados durante o café da manhã, mesmo que só Gouveia tenha se alimentado ao acordar cedo pela manhã, enquanto me deixava jogada entre os lençóis da cama em que havia me ferido, arrancando outro pedaço da minha alma, mais uma vez.

Fingi estar dormindo até que ele saísse dessa masmorra, e quando ouvi o barulho da porta sendo trancada, saltei da cama da mesma maneira em que me encontrava, cabelos desgrenhados que deixava alguns fios ressecados sobre o travesseiro evidenciando o problema de queda capilar, sem roupa, e com algumas marcas avermelhadas espalhadas pelo corpo, que logo adquiririam a tonalidade de roxo.

Caminhei o tão conhecido trajeto até o banheiro, e me enfiei debaixo da água que jorrava do chuveiro ligado no máximo, tão escaldante que pensei por um momento que poderia descolar minha pele, o que olhando por um lado, não seria de todo um mal no momento.

Com a ajuda da esponja envelhecida e áspera que continha no minúsculo cômodo em que eu chamava de banheiro, esfreguei meu corpo com tanta força, raiva e frustração, que algumas partes em que havia cortes e arranhões se abriram ainda mais, e sangue começou a jorrar, escorrendo e misturando-se com a água do chuveiro, resultando em um liquido vermelho claro, batendo contra o chão e caindo no pequeno ralo.

Embora predominasse um clima quente e úmido no local, resolvi vestir uma camisa de mangas compridas e uma calça jeans desgastada que estava com a barra de uma perna descosturando, não que que eu me importasse com tal fato, isso era o de menos, um detalhe irrelevante, em que as vezes gostava de me concentrar de vez enquanto, para que eu não me deixasse levar por ideias nada saudáveis, ainda mais no meu estado.

Me deito no pequeno sofá que ficava de frente para uma enorme pintura, nela há grandes arranha-céus, todos oscilando na mesma tonalidade de cor, entre o cinza claro e cinza escuro, janelas e mais janelas rodeavam as construções, janelas de vidro. Dava claramente para ver o interior dos edifícios, amplos, modernos e principalmente caros.

Analisando o quadro por uma quantidade de tempo que sou incapaz de saber, chego a uma conclusão, eu sou exatamente como aqueles prédios. Pois se tem uma coisa que fica clara na ilustração, é o vazio. São somente grandes construções, mas lhes faltam vida, lhes faltam pessoas, lhes faltam humanidade.

Não sei por quanto tempo fiquei divagando sobre ideias e teorias sobre aquela pintura ridícula, entretanto, foi tempo suficiente para que eu caísse no sono no mesmo lugar.

Eu me sentia exausta, dolorida e frustrada. Meus corpo protestou de dor quando me estiquei ao som do barulho da porta sendo aberta. Me recriminei pela burrice de cochilar naquele trapo, já que agora meus músculos pareciam ter saído de debaixo de um rolo compressor.

Como eu sou idiota! -pensei irritada.

Ouvi a voz de Gouveia gritar da cozinha. Acho que dormi mais tempo do previa, porque se ele já está aqui, é porque já é noite. Gouveia grita mais uma vez interrompendo minha linha de raciocínio.

-Melissa, venha até aqui já! -disse parecendo estar extremamente irritado.

Tentei me levantar, mas todo o meu corpo se contorceu com o esforço. Tentei mais uma vez, contudo minha cabeça pareceu rodar e minha visão ficou turva.

Claramente eu estava fraca, e deixar de comer só agravou ainda mais a situação.

-Você está surda, garota? -ouvi o volume de sua voz se elevar próximo a mim.

Ele estava vindo para cá, eu tinha que me levantar logo. Mas, eu não conseguia, meus membros não correspondiam.

Foi então que resolvi entregar os pontos, eu não queria mais saber de nada. Continuei na mesma posição, o que tivesse que acontecer, aconteceria. Eu não me importava mais, por mim, ele poderia acabar com aquilo tudo de uma vez, se Gouveia acabasse com minha vida naquele instante, seria a coisa mais nobre de sua parte que teria feito por mim, seria um grande e terrível alívio.

-Melissa! Não ouviu eu falar com você, sua estupida?! -ele rosnou parado em minha frente.

-Ouvi. -respondi fechando os olhos.

Não queria encarar seus olhos que faiscavam de ira, eu poderia acabar me sentido intimidada e voltar atrás. Mas eu estava decidida e nada iria mudar isso, nem mesmo esse... monstro, que um dia considerei ser um grande amigo.

O que veio a seguir foi muito rápido, repentino e assustador. Primeiro o barulho do estalo que o contato de sua mão gerou de encontro com meu rosto, seguido por vários outros golpes.

Não sei quanto tempo durou, mas Gouveia não foi nem um pouco generoso, ele me bateu, não, melhor dizendo, surrou por incontáveis minutos, cheguei até cogitar a ideia de que eu não aguentaria até o final e morreria em meio seu ataque de fúria.

Em algum momento pensei ter morrido, nenhuma informação chegava a minha mente confusa, e a última coisa que consegui captar antes de apagar, foi o som distante de uma porta batendo, acho que era de um carro, já que era diferente do barulho da porta da masmorra, e depois disso, minha visão se apagou completamente.

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