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6

Segundo ano de residência (R2) (3 anos atrás)

[Fernanda]

Finalmente ou talvez infelizmente, temos nossos próprios internos. Agora compreendo o que meus residentes pensaram de nós na época.... Como esses seres conseguem ser tão... fora da realidade? Todos conversam uns com os outros, sorriem e se divertem escolhendo seus armários à poucos momentos de serem designados a um residente do segundo ano.

-Eles parecem tão inocentes. Nós não éramos como eles no nosso ano, era? -perguntei a Cristina enquanto observamos os novos internos dentro de uma sala.

-Não.... eles se parecem com filhotes. Isso, filhotes de cachorrinho prontos para serem devorados por um tubarão.

Fizemos careta para aqueles garotos.

-E aí, garotas. O que estão fazendo? -Lucas chegou perguntando.

Lucas Carrijo e Mariana Aguilar são dois residentes do mesmo período dá minha turma que se transferiram para o Hospital da Graça por causa do excelente programa de residência e ser uma das maiores referências de hospital-escola do país.

Eles eram amigos ou coisa assim, e vieram do Rio de Janeiro.

No início ninguém gostava deles, eles eram como dois intrusos no nosso habitat natural, cheios de gírias e palavras puxadas no x que só faziam com que fossem excluídos dos grupinhos do hospital.

Contudo, com o passar do tempo e nossa forçada convivência no ambiente de trabalho, as pessoas começaram a suporta-los e alguns até se tornaram amigos dos sujeitos.

O que não era o caso meu é de Cristina, nós nos encaixávamos no grupo dos que os toleravam.

-Primeiro, se me chamar de garota novamente, vai ter que procurar o cirurgião plástico para consertar seu nariz. Segundo, o que eu faço não é dá sua conta. -Cristina o respondeu.

-Cristina, como sempre um doce... -Lucas retrucou.

-E você, idiota como sempre. -ela disse e lhe deu as costas.

Ficamos apenas nós dois observando a movimentação dos novatos.

-Sabe, às vezes eu me pergunto se você sabe aonde está se metendo. -disse ainda sem olha-lo.

-Como? -ele perguntou sem entender.

-Olha, Lucas, eu não tenho nada contra você, mas francamente, qual é o seu problema? Por que tem que ser tão.... chato? -o questionei com os braços cruzados na altura do peito.

-Eu realmente não acredito que estou ouvindo isso... Tudo o que eu mais tenho feito desde que pisei nesse hospital, foi tentar me enturmar, ser legal com todos! - ele se indignou.

-Mas esse é o problema! -expliquei.

-Então o que quer que eu faça? Vocês só podem ser loucos!

-Não faça absolutamente na... -parei pensando no que estava dizendo.

E como um estalo uma ideia surgiu em minha mente. Era juntar a fome com a vontade de comer.

-Quer saber? Você está certo. Nós não te demos a oportunidade devida.

Ele me olhou sem entender onde eu pretendia chegar com aquilo.

-Sério? -indagou desconfiado.

-Claro. E é por isso que eu quero me redimir. Eu não deveria te contar isso, mas.... existe uma maneira de se integrar com o pessoal da antiga.

-E porque você me diria? Já deixou bem claro o pensa ao meu respeito.

-Acho que você tem potencial. E também creio que toda essa exclusão já passou dos limites. E aí, você topa?

-Hum... tudo bem. O que eu teria que fazer?

Sorri internamente, isso seria interessante.

***

-VOCÊ FEZ O QUE? -Rafael praticamente berrou em meu ouvido.

Estávamos todos almoçando no refeitório do hospital durante nosso intervalo.

-E ainda dizem que ela é a boazinha dá turma. -comentou Cristina com um ar de riso.

-Fernanda, isso... isso é errado. -Jonathan me repreendeu.

-Shiu aí, pequeno Jon. Você só está criticando porque não pensou nisso antes. Eu achei genial. -Isabel jogou um guardanapo em Jonathan.

-Gente, relaxa. É só uma pegadinha de boas vindas. -me defendi.

-Tudo bem, gente, acalmem os ânimos. Fernandinha, meu amor, sabe que sua ideia é sensacional, mas só falta um único detalhe. -Rafael interrompeu o falatório.

-Que seria? -perguntei curiosa

-Você saberá. -ele piscou um olho para mim.

***

(Algumas horas depois...)

-Acha que ele vai conseguir? -sussurrou Jonathan.

-Cala boca, cara. - resmungou Rafael em um tom baixo.

Estávamos os cinco espremidos atrás da porta de uma sala vazia qualquer tentando enxergar o movimento no corredor através de uma fresta do obstáculo/disfarce semi fechado.

Aí vem ele. -Isabel deu um gritinho animadamente baixo.

[Lucas]

Eu sabia que devia ter desconfiado que não seria algo simples ou fácil, na verdade meio que era, entretanto se eu falhasse ou fosse pego a coisa ia ferrar para o meu lado, era uma baita de uma armação! Agora era tarde demais para voltar atrás, eu já tinha topado e de forma alguma eu daria para trás.

Sigo pelo corredor que eu nem deveria estar e cumprimento algumas enfermeiras que passam por mim com seus sorrisos fáceis. Fazer o que se eu sou irresistível?

Chegando a porta que seria o caminho da minha socialização com meus colegas de trabalho ou da minha provável demissão, isso se eu errasse, é claro.

Abri vagarosamente a porta inspecionando se tinha alguém no local, vendo que a barra estava limpa entrei de imediato.

Não perdi tempo dando bobeira e fui logo ao objetivo: o armário do Sargento, por sorte o mesmo estava destrancado, o que era comum já que ninguém sem autorização se atrevia de entrar em sua sala.

Peguei a touca cirúrgica, que segundo as lendas que rondavam o hospital era a sua favorita, e seu estetoscópio guardando-os em meu bolso. Ouvi alguns passos se aproximando do lado de fora e me escondo atrás de um pequeno sofá azul que tinha ali.

-Vicente? Está aí? -ouvi a doutora Satã chamar.

Senti até um frio na espinha com a constatação de ser pego em fragrante. Reduzi o ritmo dá respiração para não emitir nenhum som. Logo ouvi a porta se fechando e me coloquei de pé.

Saí daquele lugar como o diabo foge dá cruz. Com os objetos de minha missão em posse fui de encontro aos meus desafiantes.

[Fernanda]

-Aqui está. Missão cumprida! -Lucas sorriu orgulhoso com a façanha.

-Não fez nada de mais, garoto, contenha-se. Ainda não gosto de você, contudo regras são regras... -Cristina disse ácida, tudo para manter a pose.

Todos nós havíamos gostado dá atitude do garoto.

-Bem vindo ao clube, cara. -Rafael deu-lhe um tapinha nas costas de Lucas.

-Estou orgulhosa de você, meu pupilo. -zombei apertando levemente seu ombro.

-Agora passa para cá, bonitão. -Isabel exigiu.

-Posso saber o que vão fazer com isso? inquiriu Lucas com curiosidade.

-Não. -foi a resposta de Isabel.

-Se quer saber, nem eu sei o que eles irão fazer... então desencana. -comentei com ele.

No final da noite fomos todos cada um para sua casa para ter umas poucas horas de sono e voltamos logo pela manhã.

Ao passar pela recepção desejei um bom dia para alguns funcionários e segui rumo ao elevador. Já no segundo andar, reparei uma movimentação estranha acontecendo. Um círculo de pessoas rodeavam o quadro de avisos que ficava ao final do corredor.

Aproximei-me para ver o que estava acontecendo. Alguns metros de distância daquelas pessoas estava simplesmente doutor Vicente com sua maior carranca que lhe fazia justiça ao apelido de sargento.

-... QUANDO EU DESCOBRIR O IDIOTA QUE FEZ ISSO... -ele bufou irritadíssimo. -VOU ACABAR COM A RAÇA DO INFELIZ, QUE ELE NÃO VAI CONSEGUIR UM EMPREGO NEM NA PRÓXIMA REENCARNAÇÃO NESSA GALÁXIA! - ele rugiu furioso.

Gargalhei internamente com a peripécia e ousadia daqueles loucos.

Isabel ou Rafael, a ideia só podia ser de um deles, havia prendido os pertences do sargento com adesivos de coraçõezinhos cor de rosa no centro do painel de avisos dos funcionários e isso... isso irou nosso chefe.

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