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Primeiro ano de residência (R1) (4 anos trás)

[Fernanda]

Hoje o pessoal vai dar uma festinha em comemoração à nossa sobrevivência ao primeiro ano trabalhando no Hospital da Graça. Na verdade, a ideia de confraternizar veio de Isa, a festeira do nosso grupo. Cristina e eu apenas entramos na onda, ela ofereceu o apartamento já que morava sozinha, e eu ajudei na decoração do local.

Nosso grupo do primeiro ano de residência sofreu uma pequena alteração no inicio desse ano com o acréscimo de um novo "membro". Agora, o mala do Rafael fazia parte da mesma equipe que a nossa, já que a sua do internato era fraca ao extremo, não aguentou a "pressão" e pediu arrego, ou seja quatro bebezões pediram transferência ou demissão.

Covardes.

Então esse ser de ego inflado, galinha, e imbecil até o último fio de cabelo foi integrado a uma nova turma, que no caso era a nossa.

A festa começaria a partir das dez da noite, já que esse era o horário em que o nosso plantão se encerrava, hipoteticamente falando, é claro. Porque sempre aparecia um caso ou outro mais grave que fazia com que residentes e internos ficassem depois do expediente.

Ainda bem que hoje é sábado, ou seja amanhã é domingo e dia da minha folga. Vou aproveitar o dia para passar a manhã na praia com meus amigos e minha irmãzinha, e a tarde reunir com a família que agora tem dois integrantes a menos, já que Miguel foi morar há alguns anos em Belo Horizonte, e esse ano Kai, como chamamos meu irmão Kaile, entrou para a faculdade e bateu as asinhas para fora do ninho.

Então restou apenas, mamãe, papai, Isa, vovó Eliza e eu. Fora Maurício que praticamente mora lá em casa, vovó diz que ele tão grudado conosco desde muito tempo, que ele é tão irmão nosso quanto qualquer um dos quatro, o que o faz igualmente neto da mesma.

Maurício é um dos meus melhores amigos, o conheço desde o ensino médio, ele era o chamado "popular" do colégio, mas era um cara tão legal e simpático, além de ser o garoto mais bonito de toda as turmas. Sempre com um sorrisinho no rosto, foi assim que ele se aproximou de mim, começou a puxar assunto e a partir desse dia não nos desgrudamos mais.

Mesmo no período da faculdade, quando o tempo não nos permitia estar um com o outro, até porque nossos cursos eram distintos, eu escolhi medicina e ele direito, ambos os cursos exigiam muita dedicação. O bom é que cursamos na mesma instituição, a USP, nossa queridinha desde o primeiro ano do ensino médio.

Com isso sempre que íamos para a faculdade ou voltávamos para nossa cidade, tínhamos um trato, ele dirigia na ida e eu na volta ou vice-versa, para que ambos pudessem descansar e utilizar um único veículo, que era o suficiente já que íamos para o mesmo destino.

Quando concluímos nossos cursos voltamos para nossa cidade, Balneário Camboriú. Maurício se juntou a uns amigos e montaram um escritório de advocacia que está crescendo cada vez mais na região, e eu estou fazendo residência no Hospital da Graça, o qual era meu sonho trabalhar desde adolescente.

Mas parece até que Maurício faz um segundo turno aqui, porque ele não sai desse hospital, vive arranjando uma desculpa para vir aqui em seu tempo livre. Sei que ele vem aqui porque é meu local de trabalho e gosta de me dar pelo menos um olá durante o dia ou trazer um lanchinho no meio da noite durante os plantões... eu já falei que amo esse cara? Pois eu amo muito esse meu amigo maravilhoso.

E é por tanto conviver na minha área de trabalho que ele conhece muitos dos meus outros amigos e colegas de profissão, e é por isso que ele também foi convidado para a comemoração no apartamento da Cris, como eu chamo Cristina já que ela odeia apelidos ou nomes no diminutivos, e eu continuo a chama-la assim só para irritá-la.

Uma provocação saudável entre amigos no ambiente de trabalho.

Muitas das minhas colegas e não-colegas de trabalho, exceto a Cris porque até a Isabel arriscou, já tentaram enlaçar meu amigo gato com seus estetoscópios. Ele educadamente rejeitou cada uma delas, foi aí que começou a rolar um boato no hospital que nós dois estávamos envolvidos digamos... romanticamente falando.

Mas depois de um tempo todos esqueceram aquela história idiota e seguiram com suas vidas. Mas, francamente? Eu nem ligava. Por mim Maurício podia se envolver com quem ele bem entendesse, a vida é dele e ele não me deve nenhuma satisfação. Sei que as pessoas podem pensar que eu gosto dele mais do que deveria, o que não tem nada a ver, eu o amo com um amigo/irmão, e por mim podem pensar o que quiserem porque isso não vai mudar em nada.

Eu até tentei juntar ele com a Isabel, mas ele nem fez questão ouvir o assunto, ou seja ele não estava interessado e eu não insisti mais, respeitei sua decisão. Por mais que eu não entendesse todo esse: "NÃO PERTURBE" colado em sua testa, nunca toquei nesse assunto pois ele era sempre evasivo quando a conversa caminhava nessa direção.

-E aí, feio... -uma voz disse interrompendo meus pensamentos.

E eu sabia o que ela ia terminar de dizer então com um reflexo estalei um forte tapa em seu ombro

-Ai! Isso dói, sua louca! -Maurício reclamou esfregando a mão no local do golpe.

-Se fosse para fazer carinho eu nem teria feito. E sem drama, por favor. -bufei exausta.

-Nossa, quanto ânimo hein, fe? -ele cutucou minhas costelas com o dedo indicador.

-E tô quebrada, seu mauricinho.

-Haha. Que engraçado. -ele puxou uma mecha do meu cabelo.

-Boa ou não, ainda continua sendo uma piada. -afastei sua mão com outro tapa.

-Que é muito velha por sinal. -ele rebateu.

-Tão velha quanto você. -o provoquei com um sorrisinho.

Sabia a onde essa conversa nos levaria.

-Você tem a mesma idade que eu, belos vinte e cinco quase vinte seis, anos, minha cara. Então se eu sou velho, você também é. -ele disse com os olhos crispados.

-Tudo bem, chega de enrolação. O que você está fazendo aqui?

-Ué, esqueceu que eu fiquei de te dar uma carona para festa?

-Não, mas ainda falta quarenta minutos para o fim do meu turno. Você está muito adiantado.

-Ah, vamos lá, fe. Quem nunca saiu uns minutinhos antes do trabalho?

-Eu? -perguntei irônica.

Ele só podia estar louco.

-Deixa de ser careta, mulher! Quantas vezes a senhorita me induziu ao errante caminho de cabular aulas, tanto na época do colégio quanto na facul. -ele sorriu fazendo charme.

-Não sei não... -ponderei sobre a proposta.

-Ninguém vai perceber. Eu juro! -disse enrolando uma mecha do meu cabelo em seu dedo indicador.

-Tá bom. Mas se o negócio ferrar para o meu lado eu vou atrás de você e esfolar sua cara no asfalto. -ameacei.

-Também te amo, fefe. -ele riu e beijou minha bochecha.

-Eca, para com isso! -limpei o local babado.

Descemos pelas escadas, evitei o elevador para não dar de cara com nenhum colega bisbilhoteiro que fosse dar com a língua nos dentes sobre minha "fuga". Saímos pela porta dos fundos destinada a funcionários, rindo como dois adolescentes.

Maurício dirigiu até minha casa para que eu pudesse tomar um banho e vestir uma roupa diferente do uniforme hospitalar. Estranhei fato da garagem estar vazia quando estacionamos.

Descemos do carro e em seguida entramos em casa.

-Mãe? Pai? Vovó? -chamei ao notar silêncio que pairava pelo local.

-Cadê todo mundo? -replicou Maurício a pergunta que eu também estava fazendo em minha cabeça.

-Eu não sei. -respondi. -Isaaaa! -gritei.

Alguns segundos depois ela apareceu descendo as escadas com um pijama de verão e a cara amassada de sono.

-Oi. -ela disse com a voz rouca.

-Olá, boneca. Que carinha é essa de sono? -Maurício perguntou.

-Ah, não é nada. Eu só... estava tirando um cochilo. -ela disse corando.

Alguma coisa estava errada.

-Desculpa te acordar, Isa. Mas onde está nossos pais e a vovó?

-Você sabe que essa soneca da beleza só te deixa mais gata, né barbiezinha? -ele a provocou.

-Papai e mamãe tiveram que fazer uma viagem de última hora em alguma cidade vizinha, provavelmente só voltarão amanhã. -respondeu em minha direção. -Eu sei disso, baby. Por que acha que todos os garotos no colégio se jogam aos meus pés? Me poupe, mero plebeu. -ela desdenhou de Maurício jogando um beijo ar.

-Tá vendo isso, fe? Essa garota pensa que já é gente grande, olha só como ela fala? -ele fingiu indignação.

-Acho que temos que puni-la. -fingi pensar no assunto.

Nos olhamos cúmplices. Um, dois, três e...

Um ataque de cócegas iniciou-se enquanto Isadora se debatia no chão tentando fugir das quatro mãos que lhe atacavam. No fim ela acabou rindo tanto que mal conseguia respirar normalmente.

-Vem, boneca. Vou colocar você na cama. -ele estendeu a mão para ajudar Isadora se levantar.

-Você vai deitar comigo, também? -ela piscou seus grandes olhos azuis sorrindo como um gato manhoso.

-Ora, ora. Parece que alguém aqui está muito saidinha... Vou ter que castiga-la, mocinha.

-Eu não sou crian... Aaaa! Me solta seu marica! -Maurício a jogou sobre o ombro e começou a subir as escadas.

-Do que você me chamou? -ele perguntou no meio do caminho.

-De M.A.R.I.C.A. -Maurício deu-lhe um tapa estalado na bunda. -Ai, seu ogro!

-Ogro é você, Fiona... -ouvi a conversa se perder no final do corredor do segundo andar.

Fui até a cozinha, fiz um lanche rápido e subi para meu quarto. Tomei banho, vesti um vestido preto sem decote, fiz uma maquiagem leve e coloquei brincos maxi. Passei perfume, calcei um saltinho básico e estava pronta dentro de mais ou menos vinte minutos.

Encontrei com Maurício jogado sobre o sofá da sala de estar, ele se levantou assim que me viu e fomos para o carro.

***

-Um brinde... ao nosso primeiro ano! Uhul! -uma Isabel muito alterada gritou.

Todos riram em meio a música alta.

A festa estava se arrastando até tarde da noite e todos e estavam felizes, e por mais que nós reclamássemos a maior parte do tempo sobre nosso trabalho, nossos chefes, e até mesmo de alguns pacientes inconvenientes, havia um sentimento geral de realização que dominava cada residente naquele local.

Afinal nós vencemos uma etapa, a primeira de muitas, e nosso instinto competidor pedia por mais... mais uma dose de adrenalina, no Hospital da Graça.

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