Capítulo 3
- Não tenho nenhum problema, mas e você? Quantos anos você tem para se vestir assim? Cinquenta? - Eu continuo provocando ela.
O dia todo não fiz nada além de ligar para ela aqui e contar ali, sofrendo reclamações constantes dos clientes e daquele velho desgraçado.
Eu estou prestes a explodir. Mas eu conseguia pensar em tudo, exceto em encontrar uma nota de cinco dólares impressa em meu rosto.
Esta é a segunda vez que alguém consegue me dar um tapa e estou definitivamente lutando para me conter agora.
Ela é apenas uma maldita pirralha.
Eu continuo dizendo a mim mesmo uma e outra vez.
Alargo as narinas e cerro os punhos, mas quando me viro, ela já se foi.
E eu não poderia ter escolhido melhor.
Fico aqui por cerca de dez segundos, parado no centro da sala, com as bochechas vermelhas e a camisa encharcada.
Balanço a cabeça diante do absurdo dos acontecimentos e, ao me virar, vejo a megera olhando para mim com um sorriso estranho.
Ele tem um pedaço de papel na mão, que imediatamente rasga em mil pedaços.
E ele ri.
Que diabos rir?
Oh.
Eu percebo.
Adeus a mais um contrato.
Uma vez lá fora, já é noite.
Levanto o capuz do moletom e arrasto os pés no chão, entediado.
Encontro-me andando pelas ruas do bairro, segurando um pano molhado na mão.
- Maldita camisa. - Jogo-o em um recipiente e, levado pelo meu melhor amigo chamado Ira, cerro os dentes e soco-o, causando um barulho metálico que ecoa entre os prédios.
Eu preciso de muito trabalho.
Maldito rabo europeu apertado.
Aquele sorriso sereno e descontraído que ele tinha ao olhar para aqueles edifícios me deixava louco.
Sem falar no cheiro nauseante do tofu que foi derramado em mim.
Cristo, eu odeio tofu.
Franzo a testa quando penso em seus olhos cheios de raiva.
Grande, enorme.
Nunca tinha visto um tom de azul tão claro.
Eu me senti exposto.
E eu também não gosto disso.
- Olá Rui, o de sempre? -
Eu levanto minha cabeça e aceno.
Eu nem percebi que entrei para os Rays.
- Então por que você está de mau humor dessa vez? - diz Raúl, passando-me um copo de cachaça.
- Depois de quatro anos você ainda não entendeu que essa é a minha cara? - Estreito os olhos, apontando para ela.
Ele sorri enquanto seca algumas canecas de cerveja com um pano.
Bebo o líquido de um só gole.
Eu precisaria de mais dez.
- Aqui. - Ele me joga um molho de chaves.
Eu o agarro e levanto um lado dos meus lábios.
Vocês me entenderam imediatamente, velhas raposas.
Vou pelos fundos e depois de mover um móvel, coloco a chave na porta que o esconde.
Raúl me conhece bem e aprendeu a não me fazer muitas perguntas.
Na verdade, esta é a única razão pela qual continuo conversando com ele.
O Rays parece um típico pub frequentado por bêbados locais comuns, mas poucos, como eu, sabem que além desta porta Raúl esconde um ginásio.
Ou melhor, um anel, quatro sacos de pancadas, oito cordas e ferramentas diversas.
Ele tentou diversas vezes me convencer a entrar em combate clandestino.
E é um ótimo treino, não há do que reclamar.
Mas não é isso que pretendo.
Abro o zíper do moletom e tiro a camiseta também, ficando apenas com a calça de moletom.
Aperto as bandagens nos pulsos e depois de colocar também a bandana, que mantém meus cabelos afastados, começo a descarregar cada pensamento, lembrança ou tormento que me atormenta há anos.
Alícia
O alarme estava marcado para as sete. Mas, como sempre, eu antecipei isso.
Aliás, já lavei, tomei café da manhã com suco de laranja e tomei café.
Para começar, decidi usar calça preta de cintura alta, blusa azul clara e jaqueta preta.
Combino com os sapatos habituais e prendo o cabelo num rabo de cavalo alto.
Além de cortá-los, adoro quando as ondas passam nas minhas costas.
Simplesmente coloco um pouco de rímel e depois de algumas borrifadas de perfume, saio pela porta.
Mas eu nunca tinha beijado a foto da minha linda mãe antes.
- Continue me apoiando, mamãe. - Eu sorrio para ele.
A metrópole fica a apenas um quarteirão do meu apartamento e de fato, depois de vinte minutos, chego ao meu tão esperado destino.
Finalmente entro nas minhas novas instalações.
E estou literalmente tremendo.
Uma empresa o restaurou há alguns meses e estou feliz em vê-lo assim que o trabalho estiver concluído.
Arrumo as prateleiras restantes nos corredores e começo a chamar os candidatos para uma entrevista.
Atire em mim, por favor.
Depois de apenas duas horas, já estou à beira do desespero.
Fecho os olhos e continuo massageando as têmporas.
Tive seis entrevistas e, para ser sincero, foram uma merda.
Intrusivo e querendo ter aquele lugar.
Eles fariam qualquer coisa, até amarrar meus sapatos.
Porquê então?
Na minha opinião um funcionário, neste caso o meu, deveria simplesmente ser ele mesmo.
Sem pretensões e sem mudar nada para atender aos meus padrões.
Quero ter pessoas ao meu redor em quem possa confiar e não soldados de brinquedo com os miolos em leilão.
Não “colaboradores”, mas pessoas com quem podemos crescer e aprender juntos.
E acima de tudo escolherei companheiros que tenham mais ou menos a minha idade.
Nada a dizer aos superintendentes, mas tive experiências ruins no campo e não posso tolerar que me digam repetidamente: Ah, a juventude de hoje. Você precisaria de um guia, alguém com experiência para te apoiar e te fazer entender como solucionar seus erros. Você nem sabe acender um fogão sozinho.
Merda.
Eu realmente não preciso de ninguém.
Cresci sozinho e já era independente desde muito cedo.
Enquanto continuo a torturar meu rosto, ouço uma batida na porta.
Suspiro e cruzo os dedos.
Uma garota bastante pequena aparece na minha frente, de cor marrom claro e com um bob curto e bem inchado.
Grandes óculos redondos que mal cobrem suas bochechas rosadas.
Observo-a organizá-los com dedos trêmulos, enquanto na outra mão ela segura um bloco de arquivos maior que ela.
- Bom dia senhorita Laurent! -
Laurento.
Talvez o sobrenome do meu pai seja a única coisa que não neguei sobre ele.
- Eu-eu sou Yuri Theru, tenho vinte e quatro anos e gostaria muito de ganhar experiência no setor literário. Estou disposto a colocar em prática tudo o que aprendi, c-posso fazer uma entrevista com você? Tenho toda a documentação sobre meus estudos e gostaria de mostrar para vocês. – cospe tudo de uma vez.
Não consigo conter um sorriso porque essa menina além de me deixar carinhosa tem uma vozinha parecida com as do anime. Muito suave.
E de qualquer forma sua resposta foi a única que me chamou a atenção durante toda a manhã.
Depois de tê-la sentada no meu escritório...
Quer dizer, ainda não acredito.
Meu.
Novo.
Escritório.
Fico animado pela enésima vez.
Porém, depois de muito tempo de conversa, gosto cada vez mais.
Resolvi confrontá-la e no começo ela ficou ainda mais pálida, mas logo depois relaxou e até parou de gaguejar.
Algumas horas se passam e é hora do almoço, - Yuri, que tal você comer alguma coisa fora? -
Ele me encara com os olhos arregalados e a boca entreaberta.
Está bem?
- Sim! - ele exclama, me deixando assustado - Com muita vontade! - continua balançando a cabeça como um maníaco.
Na verdade, pouco depois descobri que era a primeira vez que alguém a convidava para almoçar, e achei isso muito triste.
Não é que eu tenha tido uma situação melhor no passado, mas não sou do tipo que fica deprimido pela solidão.
Na verdade, eu diria que foi o meu ponto forte.