Capítulo 2
Finalmente chegou a hora de experimentar os seus pratos estrela.
Começo a olhar ao meu redor e entro no primeiro lugar que inspira confiança.
É uma pousada grande com interiores de madeira e cadeiras de couro branco.
As narinas são inicialmente invadidas pelo aroma da soja e de outras especiarias locais, depois, ao sentar-me, reconheço o cheiro das flores de cerejeira colocadas nas respetivas mesas, que me fazem sorrir.
Enquanto espero que alguma alma gentil perceba minha existência, noto que a maioria dos clientes são empresários.
Todos precisos e silenciosos, concentrados em digitar com as mãos nos pequenos teclados de seus laptops de uma forma bastante anormal.
Vários minutos se passam e, como eu não disse, ninguém continua cagando em mim.
Eu bufo e quando apoio um cotovelo na mesa, uma luz acende embaixo dela.
- Ah... - Acho que entendo o porquê.
Que idiota.
Os pedidos são feitos a partir de uma tela sensível ao toque no centro da mesa.
Óbvio, certo?
Depois de ter certeza de que ninguém notou minha ignorância, escolho vários cursos e clico no botão enviar.
Enquanto espero, apoio o queixo nas mãos e olho pela janela.
Fico cativada pela imensidão das cores do pôr do sol e sinto-me mais relaxada, em paz e excessivamente entusiasmada com tudo o que me rodeia.
Quero aproveitar cada momento desse novo começo.
Um começo que viverei pela minha escolha. Uma solidão que escolho viver sozinha e não porque outra pessoa decidiu.
Esse momento de paz, porém, é interrompido por um som extremamente irritante de vidro caindo no chão.
Viro-me e meus olhos observam um garçom agachado e de costas, determinado a recolher o que resta dos supostos copos de saquê, enquanto o proprietário grita com ele.
Não consigo ver bem o rosto do menino, mas certamente posso imaginá-lo vermelho de vergonha.
Embora coitado.
Até alguns meses atrás eu também ocupava esse cargo.
Durante cerca de oito anos atendi clientes num restaurante em Paris.
Conheço bem o desconforto que você sente ao deixar cair comida em um cliente, já aconteceu comigo também e existem três tipos de reações quando alguém grita com você na frente de todo o lugar.
A primeira é dar um revés, tirar o uniforme e nos ver de novo e muito obrigado.
A segunda é sorrir para ele, mordendo a língua como se desejasse que o Senhor o derrubasse.
A última, e mais óbvia para a % de trabalhadores necessitados, é acenar com a cabeça e perder a dignidade.
Inicialmente caí na terceira categoria, mas com o tempo consegui ganhar respeito e nunca mais vivi cenas como essa.
Mas aqui estamos no Japão, não na Europa.
E como sempre entendi, a mentalidade aqui é muito diferente.
Continuo olhando para aquele jovem até que ele se levanta lentamente e… abro os lábios. Vaca sagrada!
Começo a piscar sem parar porque está muito, muito alto.
Definitivamente acima da média de todos que vi até agora.
Quero dizer, quanto será?
Um metro e noventa?
O menino, ainda devagar, vira-se na direção do gerente, que não para de cuspir veneno um só segundo.
Jesus, estou tão nervoso.
Mas a reação dele não se enquadra em nenhuma das três opções.
Ele não tem vergonha nem raiva.
Quase parece... divertido.
Ele caminha em direção à cozinha, mas não antes de murmurar – Cuidado com a boca, vovó. - com lábios apertados.
Franzo a testa ao ouvir aquele tom profundo e rouco, especialmente depois de ouvir palavras tão incomuns.
Todos os presentes assistem à cena perplexos e imediatamente retornam aos seus laptops sem serem perturbados.
Certamente, responder dessa forma não é uma atitude comum aqui.
Pelo menos foi nisso que sempre acreditei.
E assim que percebo que a suposta avó se curva inúmeras vezes diante dos clientes, tenho dificuldade em conter o riso.
Mais dez minutos se passam e o sol já se escondeu atrás dos arranha-céus, privando-me daquele espetáculo.
A luz deste último me lembra quantas vezes desejei estar aqui e involuntariamente começo a sorrir. Ou pelo menos é isso que eu gostaria de continuar fazendo, se não tivessem me interrompido novamente.
Mas desta vez não por causa de algum barulho irritante, mas por causa de um calor próximo. Muito perto.
- Em vez de sorrir como se tivesse paralisia facial, por que não tira os cotovelos da mesa? Seu prato é bastante pesado. -
Viro-me rapidamente, assustado e um tanto irritado com a chegada inesperada, e sem querer empurro a bandeja cheia de uramaki fervendo e sopa.
Escusado será dizer que tudo acaba nas mãos do garçom de antes, que solta um grunhido irritado.
- Ótimo, sentimos falta da garota desleixada de plantão esta noite. - ele murmura, tocando o pano agora sujo.
Mas que-?
- Por favor? - abro as pálpebras, surpresa - Se o pessoal não tiver condições de carregar um prato muito pesado, não teriam mais as camisas cobertas de comida! -
Ok, vamos tentar manter a calma.
Na verdade, quase imediatamente me arrependo de ter usado um tom tão ácido. No final, eu também teria ficado com raiva.
Não?
Claro, eu definitivamente teria usado outro tipo de abordagem, mas aquela sopa, pelo cheiro acho que é de tofu, deve queimar muito mesmo escondendo bem.
Eu absolutamente tenho que me desculpar ou pelo menos ajudar-
- Senhorita ou senhora ainda amarga? - Ele me olha de cima a baixo, com uma careta.
Uma maldita careta.
Pisco várias vezes porque devo ter entendido mal. Pela força.
- Aconteça o que acontecer, saiba que não haverá desconto, pois a culpa foi sua. - ele continua balbuciando como se nada tivesse acontecido, enquanto coloca tudo de volta na bandeja.
O que eu ia dizer?
Com licença? Ajudem-no?
Agora todas as boas intenções foram para o inferno.
Eu franzo a testa e me levanto, - Senhora? - pergunto baixinho: - Qual diabos é o seu problema? -
O menino olha novamente para toda a minha figura, olhando para mim com uma expressão estranha.
Estou usando uma saia justa na altura do joelho, um suéter preto simples e sapatos de salto alto.
Estes não são os clássicos aventais de flores para idosos!
- Não tenho nenhum problema, mas e você? Quantos anos você tem para se vestir assim? Cinquenta? -
Meu Deus!
Esse cara deve ter se formado na academia de idiotas.
Infelizmente eu fiz.
Aconteceu e já sei que vou me arrepender.
Mas neste exato momento gosto de sentir uma sensação de formigamento na mão direita.
O rosto do homem durão vira vários graus e seu cabelo fica ainda mais desgrenhado.
- Não tem desconto, você vai pagar meu pedido com sua ignorância, idiota. - Concluo me virando, saindo dessa pousada nojenta.
Vou para casa e, depois de abrir uma garrafa de vinho tinto, coloco bastante em um copo e mergulho na água fervente da banheira.
Até perdi a terceira refeição porque meu estômago fechou, mas ninguém me tira uma boa taça de vinho.
- Que tipo de problema esse idiota tem? -
Balanço a cabeça e tento relaxar.
E um dos meus poucos analgésicos sempre foi o cheiro de coco.
Pego a garrafa e despejo algumas gotas na banheira.
Estou absolutamente viciado e só depois de alguns minutos consigo fechar os olhos.
Essas garrafas são essenciais para mim.
Eu mesmo os faço desde que minha mãe me ensinou quando eu era pequeno.
A partir do extrato de coco posso criar cremes, perfumes, óleos e sais de banho.
Isso me relaxa especialmente porque me lembra dela.
Mas evidentemente não o suficiente, pois a figura daquele homem emergente continua a aparecer na minha mente.
- Maldita seja! - exclamei, apoiando os cotovelos do lado de fora da banheira e inclinando a cabeça para trás.
Quanto mais fecho os olhos, mais encontro isso ali.
Ele é muito mais alto do que ele, tem um metro e oitenta de altura e seus músculos parecem aparentemente definidos.
Ou pelo menos foi o que pude vislumbrar pela camisa colada em seu peito.
O cabelo era preto, grosso e não fazia sentido lógico.
O curioso é que os traços de seu rosto não parecem nada orientais.
Lábios carnudos, como os das mulheres sul-americanas e a cor da pele não era branca, mas oliva.
Mas acima de tudo foi outra coisa que me chamou a atenção.
A aparência deles.
Olhos negros, pretos profundos e amendoados que de alguma forma, por mais que me irritassem, me penetraram como balas.
- Ok, podemos parar com essa merda! - Eu te censuro pelas minhas reflexões estúpidas.
Quem se importa com seus malditos olhos?
E então por que insultar meu modo de vestir?
- Oh Deus, eu realmente pareço uma avó? - Eu reclamo, começo a roer a unha.
Acho que não me encaixo em nenhuma categoria de estilo porque nunca gostei de rótulos.
Minhas roupas me refletem, nada mais.
Procuro me concentrar em outras coisas já que amanhã de manhã terei que enfrentar diversas entrevistas.
Preciso de uma equipe e as empresas com quem conversei pela manhã me enviaram um e-mail com vários nomes de pessoas formadas em jornalismo e literatura.
Esperançosamente.