Capítulo 5. Só Negócios
Mina
Enfim fiquei irreconhecível, ele me maquiou de leve, mais para tampar as marcas da luta e me deu uma echarpe preta pra disfarçar.
Agora eu podia sair na rua de dia e fazer o que precisava. Antes teria que passar no lugar onde escondi os documentos e depois sim, ir ao banco.
Passei por Edu e recebi um fiu-fiu, dei uma voltinha e quase caí por causa do salto. Rimos muito e abracei esses meninos lindos, amigos, fiéis, talentosos e cheios de amor pra dar.
Saí rebolando, sem nem saber como fazer isso, acho que nascemos sabendo.
Fui ao meu esconderijo debaixo do viaduto, num buraco junto da pilastra, cavei com um canivete que sempre anda comigo, até encontrar a pequena chave e saí.
Agora vou ao terminal rodoviário.
Vou andando, não é longe, levou dez minutos. Entrei e segui direto aos armários alugados, vou até o meu, abri e tirei os documentos falsos. Tranquei e vou até a administração cancelar o aluguel. Pego o VLT e vou ao centro da cidade, direto para o banco onde havia aberto minha conta e aplicado o meu ganho de todos os anos de luta livre, vou direto ao gerente da minha conta cliente especial. Espero um pouco e logo sou atendida.
– Olá, como posso lhe ser útil? – perguntou, me olhando interessado. Safado! Que ódio tenho de homens assim.
– Bom dia! Gostaria de saber como estão minhas aplicações – olho para ele, firme, entregando meus documentos.
Sem chance de gracinhas.
Ele pega os documentos e digita algo no computador, abre a conta e vai para aplicações, faz uma cara de espanto, arregala os olhos e olha para mim de outra forma, agora é ganância, que vejo em seu rosto.
– A senhora tem um bom patrimônio aqui dona Patrícia.
Agora sou senhora, dona ( isso sou mesmo), tudo por causa do dinheiro que me enoja. Ele anota o valor num papel e me passa. As expectativas foram menores que a realidade, as aplicações obtiveram resultados excelentes. Olhei para ele e pedi que transferisse tudo para minha conta corrente. Ele abriu a boca com ar de apavorado e tentou me demover da ação.
– Ma…mas… a senhora vai perder capital se resgatar agora, não acha melhor reconsiderar? – Perguntou com um sorrisinho falso, espremendo os olhos.
Olhei com seriedade para a cara de salafrário dele e não falei nada, permaneci olhando com autoridade para ele, que foi ficando sem graça e gaguejou.
– Se senhoora, maaaasss... Tá certo. Farei o que me pediu. – Desistiu, finalmente.
Teclou no computador, continuou teclando e depois de um tempo, confirmou a transação.
– Pronto, aqui está o meu cartão, caso queira fazer outra operação, é só me ligar. Terá um período de 24 horas até a liberação de seu capital. – pensei que seria mais.
– Você pode liberar um talão de cheques agora, por favor. Assim, se eu precisar, emito um cheque e ligo para você, correto? - Já que ele ofereceu, vou utilizar.
Se levantou e pediu que eu aguardasse um minuto, demorou cinco, voltou e me entregou o talão.
– Obrigada e até… – Saí sem nem olhar para aquela cara falsa de novo.
Fui em direção a porta e liguei para a imobiliária que estava negociando o imóvel da fábrica de sabão, marquei um encontro e me dirigi para o portão da fábrica abandonada.
Liguei para o Rui.
– Oi sumida, parabéns pelo seu aniversário, como você está? – Mal atendeu e já me encheu de perguntas.
– Dá para você me encontrar, agora, na fábrica de sabão, aquela que teve uma rinha de galo ontem?
– Agora? Deixa eu verificar aqui, (cabo Dimas, preciso dar uma saída e já volto, vou visitar o lugar da rinha de galo de ontem), tô indo. – respondeu ele.
Sabia que ele não me deixaria na mão. Sorri feliz comigo mesma.
Finalmente vou pôr em prática meu projeto!!!
Já estava dentro do táxi, me dirigindo à fábrica, vou pechinchar até doer a cara de pobrezinha, mas tudo que eu puder economizar será útil.
Chegamos todos juntos, desci do táxi depois de pagar e esperei Rui na calçada. Ele foi chegando perto, não me encarou de imediato, olhou em volta, cumprimentou a corretora que também me cumprimentou.
Só então olhou pra mim.
Fez um ar de surpresa, sem acreditar no que estava vendo. Fui até ele e o abraçando pela cintura, falei no seu ouvido, – se segura e disfarça, agora você é meu sócio.
Mina
Olhamos a fachada, parecia em bom estado, mesmo assim, resolvi que iria reformar tudo. Já conhecia aquele prédio e sabia tudo que iria fazer. Amizade é tudo, para quem vive nas ruas. Já tinha toda a planta da reforma, os designers do interior e como funcionaria. Foram anos de lutas e economias, comendo o que ganhava de graça, vestindo roupas usadas masculinas e apanhando muito. Muito treino e pancada.
Mas hoje estou aqui, entrando na minha futura academia de treino e luta e futuramente, quem sabe, participarei do circuito de lutas e terei um octogono.
Entrei atrás da corretora, com Rui grudado em mim. Falou no meu ouvido:
– O que estamos fazendo aqui? – Perguntou desconfiado.
– Comprando, meu amor, comprando. Me ajude a puxar o preço pra baixo. – Sussurrei.
– Ok, você manda, patroa, ou melhor, sócia.
– Como é seu nome mesmo, senhora corretora? – Perguntou, já entrando no clima.
– Meu nome é Marília, senhor...?
– Rui, delegado de polícia, às suas ordens. Ah! Senhora... posso chamá-la de Marília? – Quem não te conhece que te compre, Rui.
Ela assentiu com a cabeça, toda sorrisos para o agora galã, Rui.
– Pois bem, Marilha, você soube da batida que teve aqui, ontem? Ainda dá pra sentir o fedor das aves – ele é ótimo, deixou a corretora toda envergonhada e tímida.
– Ah, Rui, não precisa lembrar essa ocorrência horrível, se não, desisto de fechar negócio. Vai dar muito trabalho trazer segurança para este lugar. – Olhei para ele fingindo estar contrariada.
Assim fomos enrolando até ela baixar o preço, no final ficou mais barato do que eu esperava. Fechei o negócio, dando um sinal em cheque cruzado e no dia seguinte quando assinarmos o contrato, pagaria o restante. Pedi ao Rui que assumisse por mim, por não ter um nome real. Não podia usar documentos falsos.
No dia seguinte, assim que o negócio foi totalmente fechado, saí do cartório com Rui e me senti a dona do mundo. Abri os braços para o alto, agradecendo a Deus por me dar essa oportunidade. Me senti livre, como nunca me senti na vida. Só então liguei para os meus contatos e coloqui em pratica o nosso negócio.
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Passados dois meses, a fachada estava pronta e a obra de restauração do interior também, a firma deu conta em tempo recorde e por uma pechincha. Graças ao pessoal das lutas clandestinas e seus super contatos, pois agora teriam um lugar legalizado para usar.
Mas estava com problemas com a instalação dos aparelhos. A arena estava instalada, ocupava todo o primeiro andar do prédio e no segundo estavam todos os aparelhos usados para treino de luta e fisioterapia. Mas os outros setores estavam parados ou muito devagar, alguma coisa estava errada.
Levantei de madrugada e me troquei, agora sou, mais uma vez, o Soco da Noite. Me embrenhei pelas sombras internas do prédio, esperando os funcionários responsáveis pela instalação chegarem.
A porta foi aberta pelo vigia e entraram quatro homens, dois truculentos e dois mais magros. Logo subiram pro segundo andar, pelo elevador e eu fui pelas escadas. Entraram no salão e se puseram próximos ao aparelhos. Fiquei à espreita e entrei quando foram pro vestiário.
Trocaram de roupa e protegeram as mãos. Me aproximei ainda mais, aproveitando as sombras.
– Aquela patricinha nem faz ideia de que tá pagando pra nós treiná, podem ir meninos. – dispensou os dois rapazes que realmente vieram trabalhar – Enquanto eles trabalham, a gente treina nessa belezura. Vamu aquece, Mustangue – foi em direção ao saco de areia e começou a socar.
O tal de Mustangue, com um sorrisinho idiota, também foi se exercitar, só que com a corda. Exercícios necessários para quem deseja estar em forma para uma boa luta.
– Foi um presente esse trabalho, seu primo foi um amigão arranjando esse trampo. Só assim estaremos prontos para essa noite.
Peraí, essa noite tem luta? Onde será?