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Capítulo 4. Atitudes

A Kombi do padre Pedro estava ali,

distribuindo café com leite e pão, fui lá e peguei pra ela, já tinha tomado café em casa. Acordei ela, que me olhou desconfiada e foi se sentando aos poucos, esfregando os olhos com as mãozinhas fechadas. Quando abriu novamente os olhos, reparei que seus olhos eram azuis, mas não claros, escuros, diferentes. 

Com o tempo notei que eles escureciam mais, ao ponto de parecerem negros. Mas naquele momento estavam bem azuis. Entreguei o copo e o pão pra ela, que pegou e comeu, olhando tudo em volta. Logo começaram as perguntas:

– Quem é você? – Perguntou uma vozinha doce e baixa.

– Meu nome é Rui e o seu? – Também usei um tom baixo e carinhoso, para não assusta-la.

– Não sei. Onde estou? Que lugar é esse? – Ela olhou em volta, assustada.

– Você está debaixo do viaduto, tava dormindo. Não lembra do seu nome, nem de onde vem?

– Não. – Seu rostinho lindo estava triste.

– Você lembra da sua mãe e do seu pai? – Pelo menos isso ela podia lembrar, só assim poderia ajudá-la.

–  Não. – Ela não sabe nada  agora ficou difícil.

Ela se calou, terminou o café e levei-a até o lugar onde os moradores daquele lugar, pegavam água. Mostrei a ela como usar seu copo de café, para pegar a água e lavar o rosto. Mostrei a ela o banheiro químico e ensinei como usar, mas ela era muito pequena e nem gosto de lembrar as dificuldades que teve para aprender tantas coisas básicas. Ela aprendia rápido e já sabia ler quando chegou.

Seja lá de onde ela vinha, tinha uma boa educação. Era esperta e logo fez amizade com todos. Descobrimos que ela tinha tatuado no braço, o nome Guilhermina e de baixo do nome, 5 anos, também acrescentaram à caneta, + 1, então concluímos que era o nome e idade dela. Ela preferiu ser chamada de Mina e começamos a contar sua idade dali, então hoje é seu aniversário de 21 anos, sua maioridade.

Até hoje me pergunto quem terá feito uma barbaridade dessas, botar uma criança debaixo do viaduto, sem memória, sem documentos e sem nada, só a roupa do corpo, que parecia vestido de hospital e o cobertor, que ela diz que ainda guarda. Como éramos crianças, ficamos com medo de procurar um adulto ou mesmo a polícia.

Não sei onde ela se esconde, mas sei que não mora em lugar nenhum. Depois de adulto, arrumei uma certidão para ela, mas não sei se ela tirou algum documento, pois ela tá sempre sem nada. Ela era tão bonita, não que esteja feia, mas se masculinizou e seu rosto vive marcado por causa das lutas. Meu coração dói por ela, sinto como se fosse minha irmã.

Hoje tenho profissão, casa, carro, tudo que meu salário pode comprar, mas nunca consegui fazer ela sair das ruas. Minha menina, a única família que realmente tenho.

Estou chegando na delegacia pra iniciar meu turno, ainda é cedo, dá pra dar uma cochilada na sala de reunião. Quando amanhecer vou me inteirar do que aconteceu com o nojento do meu padrasto. Só que não vou me meter, vou deixar ele apodrecer na cadeia. Minha mãe, com certeza, virá me encher o saco, mas não tô nem aí, chega. 

Sofri um bocado nas mãos desses dois, se não fosse a Mina, teria pirado. 

Naquela época, eu passava a maior parte do dia na rua, fazendo nada. Quando conheci a Mina, ganhei uma responsabilidade e passei a procurar o melhor pra ela e pra mim, pensando em melhorar nossas vidas e sair das ruas. Mas algo muito ruim quebrou a minha menina e ela nunca quis sair das ruas.

Sei que ela tem um propósito, mas não sei qual é, tem a ver com essas lutas que ela insiste em participar.

Como ela consegue se virar com seus planos, não sei, mas muita gente a ajuda e ela vive sempre pelas sombras da noite.

Com o Gatuno, também andando pelas sombras da noite, acho que ela terá de começar a andar pelas sombras do dia.

Mina

Enquanto estava de molho, oculta por Edu, analisei meus planos e tudo que já possuía para executá-lo. Fiz as contas e vi que com mais uma boa luta, conseguiria pôr em prática meu projeto. Mas pelo que soube, minhas chances de outra luta eram nulas. Teria que começar assim mesmo e ver no que ia dar. 

O Gatuno está na minha cola, ou melhor, na cola do Soco da noite.

Mudarei minha estratégia, vou cobrar alguns favores e mudar minha aparência, vamos ver quem é mais esperto. Amanheceu e Edu já está chegando

– Bom dia princesa, aqui está o presente de seu amigo, que aliás, está mega preocupado com você – me estendeu um ramalhete de hortências.

– São lindas! Esse Rui, nunca esquece, vou guardá-las com carinho. Obrigada Edu, por trazê-las – dei um beijo em sua bochecha – sei que não é fácil pra você.

– Tudo bem querida. Amo você e tens meus parabéns também – se virou e foi até a lanchonete e trouxe um bolinho com uma vela acesa, cantou parabéns e soprei a vela. 

– Fez o pedido, destrambelhada? – Perguntou, surpreso com minha rapidez em apagar a vela.

– Sim, fiz e vou te fazer um também – olhei pra ele com olhar de gatinho pidão.

– Com esse olhar, já sei que vem bomba…– me olhou com um meio sorriso torto.

– Juro que não é nenhuma bomba do mal – falei sorrindo.

– Pode dizer, o que é? Antes, deixa eu te lembrar que Rui falou que o Gatuno está espreitando por essas bandas e é melhor você não sair a noite.

– É por isso mesmo que preciso de um favor. Que você peça aquele seu bofe magia, pra fazer uma transformação em mim - ele me olhou com olhos esbugalhados, bateu palmas e gritou, fazendo dancinha:

- DEMOROU PARA ABALAR!!!! É pra já, minha flor!

Pegou o celular e falou com o bofe, que pelo jeito, aceitou na hora. Passei a ele meu manequim e tamanho de calçados. Pelo jeito do Edu, parecia uma festa de verdade.

Depois disso, enquanto o bofe namorido dele, não chegava, ajudei a arrumar a lanchonete e tomamos café antes de abrir. Ele abriu as portas na hora que o "profissional da moda" chegou, carregando uma mala de rodinhas e uma maleta de maquiagem. Fomos lá para os fundos.

– Oi querida, me chamam Look, nem preciso dizer porque, né?–

Me deu dois beijinhos de longe e pediu que eu tirasse o capuz.

– Oi, meu nome é Mina e agradeço por ter vindo me ajudar – só aí tirei o capuz e a faixa de contenção do maxilar. 

Estava curado, mas ainda tinha um arroxeado no lado do rosto, onde me acertaram. Ele me olhou assustado e deu um gritinho.

– Garotaaaa!!! Que estrago, vai ser reforma geral mesmo!

Pegou um banco e colocou no centro do quartinho e me fez sentar. Abriu sua maleta, pegou apetrechos de cabeleireiro e  atacou minha cabeleira torta. Quando terminou, olhou de um lado, do outro, penteou pra cá e pra lá e cortou mais um pouco e finalmente ficou satisfeito.

– Agora vamos ver uma roupa pra você.

Colocou a mala sobre a cama, abriu e começou a tirar de lá tudo que se possa imaginar em questão de vestimenta feminina. Pegou um jogo de calcinha e sutiã de renda, me deu e mandou eu ir tomar banho e lavar a cabeça. Também me deu sabonete líquido com esponja e shampoo. 

Obedeci e tomei um bom banho, me sequei, vesti as peças íntimas e saí, secando o cabelo curtinho.

– Venha cá! – Colocou várias peças de roupa na minha frente, até escolher o que achou melhor. 

Vesti uma calça legging preta, e várias blusas, até ele acertar o que ficaria melhor. Calcei botas, jaqueta e tanta coisa que eu nem sabia que existia. Por fim estava pronta. Ele bateu palmas, não cabia em si com o resultado.

– Sou um verdadeiro Pigmalião!!! – Falou todo feliz e festivo.

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