04
Não precisava de fechar os olhos para o ver deitado numa cela de prisão, ferido e com dores, talvez até perto da morte. Será que ao menos teria um cobertor para cobrir a sua nudez quase total? Apesar do calor do Caribe, estava a chegar o inverno. As frescas brisas do oceano que sopravam do lado atlântico da ilha podiam tornar as noites muito frias. E a fortaleza de Brimstone Hill, o lugar para onde ele tinha sido levado, estava construída sobre uma rocha, exposta aos elementos.
Ainda mais alarmante era o facto de um prisioneiro condenado poder desaparecer para sempre no labirinto vasto e caótico de câmaras escuras e passagens estreitas da fortaleza. A sua imensa cidadela estava defendida por muros de mais de dois metros de espessura, de pedra negra vulcânica, que tinham demorado décadas a ser construídos.
Ela tinha assistido uma vez a uma receção militar em Brimstone Hill com Percy e Jane, e até as zonas dos oficiais lhe tinham parecido pouco acolhedoras. Estremeceu ao pensar como seriam os lugares destinados aos prisioneiros.
A ideia de que tinha feito tudo o que podia por ele não lhe servia de consolo. Era inútil argumentar consigo mesma e exigir-se ser razoável. Nunca tinha sido capaz de se afastar de alguém que estivesse numa situação vulnerável.
Os últimos anos teriam sido mais fáceis se ela tivesse sido capaz de simplesmente ignorar a sua consciência, de controlar os seus impulsos protetores. Se tivesse podido manter o afastamento adequado quando o seu pai descarregava a sua ira nos seus indefensos subalternos. Mas ela não conseguia ser tão insensível.
E agora não conseguia parar de pensar em Nicholas Sabine, vulnerável e indefeso, à mercê dos seus brutais captores.
Talvez se lhe fizesse uma visita breve, só para se assegurar de que estava a ser tratado, pudesse tranquilizar a sua mente o suficiente para o esquecer…
Sentindo a ansiedade diminuir pela primeira vez desde o inquietante incidente do cais, Aurora poisou tranquilamente o livro. O coração voltou a acelerar-se perante a perspetiva de voltar a ver o americano. Não obstante, sufocou os sentimentos proibidos enquanto se dirigia ao cordão da campainha para chamar a aia.
Desafiaria as conveniências morais, talvez arriscando-se até ao escândalo, visitando um pirata condenado na prisão. Todavia, aquele podia ser um dos últimos atos de independência que efetuaria.
Estava a sonhar outra vez. Com ela. O pulsar feroz na sua fronte aliviara quando ela se tinha inclinado sobre ele. O toque suave dos seus dedos na sua fronte febril era terno e calmante, mas despertava uma vibração pior nos seus órgãos genitais.
Ela era a essência de qualquer fantasia masculina: anjo, valquíria, deusa, sereia. Era uma tentação áurea e um tormento primário. Queria atraí-la a si e beber dos seus lábios. Todavia, ela mantinhase longe do seu alcance…
− Ei, tu aí!
Despertou com um sobressalto, a recordação e a dor inundaramno com uma intensidade brutal. Confuso, Nicholas levou a mão à cabeça dorida e sentiu uma ligadura. Estava estendido numa tarimba simples e não estava amarrado com correntes. Todavia, a culatra do mosquete golpeando as suas costelas doridas era-lhe lamentavelmente familiar, assim como o guarda brutamontes que se inclinava sobre ele.
− Ei, tu aí, mexe-te!
O olhar enevoado de Sabine foi ganhando foco. Recordava-se de que tinha sido feito prisioneiro e conduzido à fortaleza de St. Kitts, onde provavelmente o enforcariam por pirataria e assassínio. De início, tinha passeado pela cela como um animal ferido, os seus frenéticos pensamentos centrados na sua meia-irmã, e no resultado desastroso que tinha provocado com a sua promessa de a proteger. Mas a exaustão e a dor tinham-no finalmente obrigado a deitar-se. Caíra num sono leve e torturado apenas para começar a sonhar com a beldade de cabelos louros que com tanta valentia o tinha defendido no cais.
O que diabo estava ele a fazer? Nicholas praguejou para si mesmo. Desejar uma desconhecida, por muito bela ou corajosa que fosse, era uma completa loucura naquelas circunstâncias. Ao invés, devia estar a pensar na sua irmã e na sua proteção, tratando de imaginar um meio de garantir a sua segurança assim que estivesse morto…
− Eu disse para te mexeres! Está ali uma senhora para ti.
Nicholas ergueu-se lentamente sobre os cotovelos. Para lá do guarda, a porta da cela estava parcialmente aberta… O seu olhar desviou-se para lá e as batidas do seu coração pareceram parar.
Ela estava ali, junto à entrada da sombria câmara, alta, esbelta e majestosa como uma princesa. Reconhecia-a até com o capuz da sua capa negra que projetava sombras sobre as suas feições delicadas. Todavia, ao contrário do anjo vingador que recordava do porto, agora parecia vacilante, insegura. Cautelosa.
− Deixarei a porta entreaberta, milady. Se ele lhe der a perceber algum sinal de perigo, chame-me.
− Obrigada.
A sua voz era baixa e melodiosa, mas não disse mais nada, nem mesmo depois de o guarda ter saído da cela.
Nicholas sentou-se lentamente, interrogando-se se aquela visão seria ilusória. O pálido raio de sol que se entrava pela diminuta janela de grades iluminava as partículas de pó que bailavam em redor das suas saias negras, mas eram insuficientes para iluminar as suas feições.