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05

Foi então que ela puxou para trás o capuz da sua capa pondo a descoberto os seus cabelos brilhantes, atados num rolo suave, e provocando em Nicholas um estremecimento sensual. A sua extraordinária beleza parecia iluminar a escura cela de pedra.

Ela era bem real, a materialização dos seus sonhos… a menos que tivesse morrido e aquela fosse uma visão dos céus. Os seguidores da fé muçulmana acreditavam que um homem bendito estaria rodeado de belas donzelas quando chegasse ao Paraíso. Todavia, a dor dos seus ferimentos fê-lo suspeitar que ainda conservava a sua forma terrena.

Ela olhava-o surpreendida, examinando o seu rosto. Depois, como se se tivesse apercebido de que estava a olhá-lo fixamente, enrubesceu ligeiramente e desviou o olhar para a ligadura que lhe envolvia a cabeça.

− Vejo que pelo menos chamaram um médico. Temia que não o fizessem. Não, por favor, não se levante por minha causa − acrescentou ao ver que ele tentava pôr-se de pé. − Não está em condições de cumprir formalidades.

− O que…? − A voz soou demasiado rouca, de modo que aclarou a garganta e começou de novo. − Porque veio?

− Queria assegurar-me de que estava bem.

Nicholas franziu o sobrolho procurando deslindar a confusão que tinha na sua cabeça dorida. Talvez os golpes lhe tivessem afetado o cérebro.

Nenhuma dama arriscaria a sua reputação para entrar nas entranhas de uma prisão em defesa de um desconhecido. E sabia que ela era uma dama até ao último centímetro, com sangue azul até à medula. Não é verdade que tinha afirmado ser filha de um duque naquela manhã, quando tinha enfrentado aquele marinheiro?

Nicholas olhou-a fixamente interrogando-se se lhe teria escapado alguma pista vital para o enigma que ela oferecia. Então ocorreu-lhe subitamente um pensamento.

Seria possível que estivesse ali para lhe armar uma cilada? Teria o canalha do Gerrod tramado alguma espécie de estratagema e estava a utilizá-la para conseguir informações?

Desconfiado, Nicholas estreitou os olhos. O seu navio ainda estava ao largo pelo Caribe, pois ele tinha ido sozinho a Montserrat, a bordo de uma chalupa de pesca holandesa, para ir buscar a irmã. Não tinha querido pôr em perigo a sua tripulação por uma missão pessoal. Mas o capitão Gerrod estava ferozmente obstinado em averiguar o paradeiro da escuna americana.

Seria uma grande promoção na carreira naval do capitão capturar um navio inimigo, o que, suspeitava Nicholas, era uma razão plausível para atrasarem a sua imediata execução. Isso e o facto de Gerrod não desejar dar nenhum passo em falso em termos políticos, ofendendo as ilustres relações do seu prisioneiro.

Nicholas contemplou lugubremente a sua bela e inesperada visitante. Estaria ela de algum modo ligada a Gerrod? Naquela manhã, a sua compaixão parecia autêntica, assim como a sua animosidade para com o capitão. Mas talvez a tivessem convencido de alguma forma a colaborar com Gerrod contra ele.

Teria sido enviada ali para o atormentar? Para tentar um homem condenado como quem promete água a alguém que está a morrer de sede no deserto? A possibilidade de tal beleza e amabilidade poderem ser um ardil, fazia Nick ferver de raiva.

Cerrou os maxilares. Fazia bem em recordar-se que as suas nações estavam em guerra. Como inglesa, ela era sua inimiga, e tinha de manter-se alerta.

Ela parecia incomodada com o modo como ele a olhava, e quando Nicholas baixou intencionadamente os olhos para contemplar os seus seios, pareceu-lhe distinguir o rubor à luz ténue.

− Não creio que tenhamos sido devidamente apresentados, minha senhora − começou.

− Não. Não houve tempo. Sou Aurora Demming.

Um nome apropriado, pensou sem que isso fosse relevante.

Aurora em latim significava amanhecer.

− Lady Aurora. Já me recordo. Mencionou-o no cais.

− Não estava certa do quão consciente se encontrava daquilo que o rodeava.

Ao recordar a agressão, Nicholas ergueu uma mão para tocar na ligadura.

− Receio que me encontre em desvantagem.

Um incómodo silêncio instalou-se entre eles.

− Trouxe-lhe algumas coisas que poderia necessitar − disse ela finalmente.

Quando Aurora deu um passo vacilante em direção a ele, Nicholas centrou o seu olhar no embrulho que ela segurava nos braços. Parecia estranhamente nervosa enquanto depositava a sua oferenda na tarimba e olhava em redor pela cela sombria e espartana.

− Devia ter trazido velas. Não pensei nisso. Mas há um cobertor… e alguma comida.

O seu olhar encontrou o dele brevemente e depois desviou-o.

− Também trouxe uma camisa e uma casaca do capataz de Percy. O senhor parece-me mais largo do que o meu primo…

Nicholas compreendeu que era o seu estado de nudez que lhe atava a língua. Se ela era como as outras damas da sua classe, dificilmente estaria acostumada a visitar um homem seminu, ou a calcular as dimensões do seu físico.

− Como conseguiu entrar? − perguntou ele cautelosamente.

Ela pareceu agradecer a mudança de assunto.

− Consegui convencer o comandante da guarnição, senhor Sabine. − Esboçou um sorriso fugaz. − Na realidade, recorri a uma leve mentira. Dei a entender que tinha sido enviada pelo meu primo Percy.

− E foi ele que a enviou aqui?

− Não exatamente.

− Pensei que Gerrod me tivesse proibido as visitas.

− O capitão Gerrod não tem autoridade sobre a guarnição da fortaleza, nem sequer é muito apreciado aqui na ilha.

− Então ele não a enviou para me interrogar?

Uma expressão de perplexidade fê-la unir as finas sobrancelhas.

− Não… Porque lhe ocorreu essa ideia?

Nicholas encolheu os ombros. Não se admiraria muito que ela estivesse a mentir. Mas se tinha algum outro motivo para vir ali, não conseguia compreender qual era. Desejaria algo dele?

Quando estendeu a mão para pegar no embrulho que ela lhe trouxera, Aurora retrocedeu um passo, como se receasse a sua proximidade. Ele retirou a camisa e cobriu-se cuidadosamente, fazendo uma careta de dor pelos seus músculos doridos.

− Perdoe-me, milady − refletiu em voz alta −, mas não compreendo as suas razões para me defender, a mim, um desconhecido e, além disso, um prisioneiro condenado.

− Não me agrada ver matarem um homem diante dos meus olhos. Parecia que o capitão estava demasiado ansioso por encontrar um pretexto para o fazer. No mínimo, os homens dele tê-lo-iam espancado sem motivo.

− Mesmo assim, isso não é razão para a senhora agir como uma defensora acirrada, inclinada à amabilidade e às boas ações.

O cinismo do seu tom fê-la erguer um pouco o queixo.

− Queria assegurar-me de que tinham tratado dos seus ferimentos.

− E deseja tornar mais cómodos os meus últimos dias. Porquê?

Aurora colocava a si própria essa mesma questão. Era impossível explicar a atração que sentia por ele. Até mesmo muito difícil de negar. No mínimo, ele era um corsário, um homem com sangue nas mãos.

E agora que já não estava indefeso, o seu efeito sobre ela era ainda mais forte. Tinha-lhe sido dada a oportunidade de lavar o sangue do rosto e a sua beleza era desconcertante, mesmo com a barba incipiente. Aquela penugem agreste, juntamente com a ligadura que lhe envolvia a cabeça, davam-lhe uma aparência libertina, fazendo-o parecer-se ainda mais com um pirata indómito.

Podia compreender por que razão a esposa do primo o considerava perigoso para as damas. Tinha o ar pecaminoso de um anjo caído, com os seus cabelos cor de âmbar e um rosto de traços magnificamente esculpidos. A visão cor de bronze dos seus ombros e braços bem torneados e musculados também tinha provocado uma estranha palpitação no seu estômago.

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