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02

− Que significa isto? Porque está este homem acorrentado?

Os homens livraram-se de responder quando o seu comandante se reuniu a eles. Aurora recordou-se de ter conhecido o capitão Richard Gerrod nalgum ato social do governo, há cerca de uma ou duas semanas.

− Eu posso responder a isso, excelência − disse Gerrod friamente. − Está acorrentado porque é um prisioneiro de guerra, condenado a ser enforcado por pirataria e assassinato.

− Assassinato, capitão? Isso é francamente absurdo. Deve ter ouvido falar de Nicholas Sabine − insistiu Percy, pronunciando o nome à maneira americana.− Nestes lugares é um herói, não um assassino. É evidente que deve ter confundido a sua identidade.

− Garanto-lhe que não me enganei em nada. Foi reconhecido por um dos meus oficiais em Montserrat, onde foi temerário e arrogante o suficiente para visitar uma mulher a meio de uma guerra. Não há dúvida de que se trata do famoso pirata capitão Sabre. Não só capturou pelo menos dois navios mercantes britânicos desde que a guerra começou, como afundou o navio de guerra britânico Barton precisamente no mês passado.

− É do meu conhecimento que a tripulação do Barton foi salva de se afogar pelo mesmo pirata, e depositada na ilha mais próxima − disse Percy.

− Sim, mas faleceu um marinheiro nessa batalha, e muitos outros ficaram feridos. E Sabine quase matou ontem um membro da minha tripulação quando resistia à prisão. Cometeu realmente atos de guerra contra a coroa, sir Percy. Atos punidos com a morte.

Percy voltou-se para o homem caído.

− Isto é verdade, Sabine? És um pirata?

O meio sorriso de Sabine continha uma ira fria.

− Na América usamos o termo corsário, e nunca renunciámos ao direito de protegermos os nossos próprios navios. O Barton estava a atacar um dos meus navios mercantes e por isso intervim. Quanto ao facto de ter capturado os vossos navios, considerei-o como um intercâmbio justo pela perda de um dos meus.

Aurora não estava tão horrorizada como talvez devesse perante a acusação de pirataria. Com os dois países em guerra, a Inglaterra considerava culpado qualquer navio armado americano. E Sabine teria certamente direito a defender os seus próprios navios. Sabia que o seu primo estaria de acordo. Embora tais ideias políticas fossem desleais com a coroa, Percy considerava a guerra um erro, e a Inglaterra a principal culpada por instigá-la. Todavia, a acusação de assassinato inquietava-a bastante…

− Pirata ou não… − disse Percy ao capitão, obviamente preocupado − haverá consequências por tomar este homem como prisioneiro. Por acaso sabe que o senhor Sabine tem ligações com a coroa, incluindo vários governadores de ilhas e o comandante da frota caribenha?

O capitão franziu o sobrolho.

− As relações que ele tem são tudo o que me impede de o enforcar imediatamente. Embora duvide que o salvem. Quando o almirante Foley souber dos seus crimes, estou certo de que dará a ordem de execução.

Depois, o capitão Gerrod olhou para Aurora e acrescentou:

− Milady, será melhor que se mantenha afastada dele. É um homem perigoso.

Ela acreditava que o americano fosse de facto perigoso, mas aquilo não justificava a perversa brutalidade dos seus guardas.

− Oh, realmente! − respondeu com desdém, erguendo-se para enfrentar o capitão cara a cara. − Tão perigoso que a sua tripulação deve espancá-lo até ele ficar sem sentidos, ainda que esteja amarrado como um peru de Natal. Temo seriamente pela minha vida.

Gerrod apertou os lábios furioso, mas Percy interveio rapidamente.

− O que pretende fazer com ele, capitão?

− Será entregue ao comandante da guarnição e encarcerado na fortaleza até ser executado.

Aurora sentiu um aperto no coração ao pensar que aquele homem tão vigoroso ia perder a vida.

− Percy… − implorou, olhando-o fixamente.

− Agradecia-lhe que não interferisse no cumprimento do meu dever, excelência − disse sombriamente Gerrod. − Poe-te de pé, pirata!

Sabine apertou os lábios evidenciando o seu ódio latente pelo capitão no fogo abrasador dos seus olhos escuros. Mas a sua fúria permaneceu tensamente controlada enquanto se esforçava por se ajoelhar.

Aurora ajudou-o a levantar-se, oferecendo-lhe apoio quando cambaleava, e sentiu o pulso acelerar quando ele encostou momentaneamente o seu corpo forte contra o dela. Mesmo ferido e ensanguentado, a sua perturbadora masculinidade afetava-a.

O primo deve ter reparado no quão imprópria era a situação porque lhe pegou suavemente no braço e afastou-a para o lado.

− Vem, querida − disse-lhe.

Obviamente tenso de dor, Sabine moveu-se em direção ao vagão. Aurora estremeceu ao ver as lacerações sanguentas que lhe sulcavam os ombros largos e as costas musculosas, e de novo quando um dos guardas corpulentos lhe pegou rudemente pelo braço e o apressou a entrar no vagão.

Aurora, impotente, mordeu o lábio para evitar proferir um grito de protesto.

O capitão Gerrod dirigiu-lhe um olhar severo enquanto ambos os guardas subiam para o veículo atrás do prisioneiro, mas dirigiu-se ao primo:

− Não tinha planeado escoltar o prisioneiro até à fortaleza… Devia estar a preparar a minha fragata para partir em direção à costa americana para me juntar ao bloqueio naval, mas vejo que terei de assegurar-me de que as minhas ordens são executadas à letra.

− Tenciono visitar em pessoa a fortaleza − ameaçou Aurora impetuosamente, temendo o que pudessem fazer com o prisioneiro assim que estivessem sozinhos. − Se se atreverem a continuar a bater-lhe, prometo-lhe que o lamentarão.

Sentiu que o primo lhe apertava o braço em sinal de advertência, e conteve-se para não se soltar bruscamente da sua pressão.

O capitão fez uma vénia tensa e irada, e depois subiu para o lugar do passageiro e ordenou ao condutor negro ancião que se pusesse em marcha. Aurora e Percy ficaram a observar os dois cavalos de tiro a puxarem a carruagem.

− Não te envolverás mais, Aurora − murmurou Percy entre dentes. Ela libertou-se obstinadamente da firme pressão da sua mão.

− Estou certa de que não concordas com aquele comportamento violento. Se o senhor Sabine fosse um prisioneiro inglês em mãos americanas esperarias que o tratassem humanamente.

− Claro que sim.

− O que lhe sucederá? − perguntou com uma voz subitamente rouca.

Percy não respondeu imediatamente, o que confirmou os seus piores temores.

− Decerto haverá um julgamento − protestou Aurora. − Não enforcarão uma pessoa da sua importância sem o julgarem, não é verdade?

− Pode não chegar a haver enforcamento − respondeu severamente o primo. − O almirante pode muito bem mostrar indulgência.

− E se não o fizer? Podes intervir?

− Tenho autoridade para desautorizar a ordem de um almirante, mas fazê-lo podia significar o fim da minha carreira política. É conhecido que desaprovo a guerra, e pôr em liberdade um prisioneiro condenado podia ser visto como traição. A pirataria e o assassinato são acusações graves, querida.

Aurora devolveu a Percy um olhar sombrio.

− Pelo menos deves enviar-lhe um médico para lhe examinar os ferimentos.

− Claro que sim. Falarei agora mesmo com o comandante da guarnição e certificar-me-ei de que Sabine recebe cuidados médicos apropriados.

Ela olhou fixamente os olhos azuis do primo, tão parecidos com os seus, e pôde ler neles a preocupação… assim como o comentário que não exprimiu em voz alta. Que importava cuidar dos ferimentos de Nicholas Sabine se em breve ia ser enforcado?

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