IX - Limites - Parte 2
—É o sangue, não é? – indagou ela olhando diretamente para o rapaz – Me sinto diferente, é como se um vulcão estivesse entrando em erupção dentro de mim. Lá fora parecia que apenas os sons estavam ampliados, mas aqui dentro, nada parece normal.
Ken esboçou um sorriso e pousou sua mão sobre a da mulher. Ela estava quente. O vinho e o sangue que tomara mais cedo antes de saírem estavam no auge de seu efeito. Louise então colocou a taça que segurava com a outra mão na pequena mesa à frente dos dois e deitou o corpo para trás no sofá macio e confortável. Em seguida deitou a cabeça no ombro do rapaz enquanto observava o efeito das luzes do clube dançando no teto em meio à escuridão.
—Agora você entende o que eu quis dizer sobre aprender a controlar seus novos dons. Eles estarão sempre com você, por isso não precisa se preocupar – explicou o asiático. Virando a cabeça na direção da mulher ele percebeu o quão próximos estavam. Apesar do ambiente escuro do interior do clube podia ver os olhos da mesma brilhando e todos os detalhes daquela boca carnuda agora naturalmente rosada sem o batom, que ficara na borda da taça de vinho. Louise exalava um perfume intoxicante, do tipo capaz de inebriar os homens. Seus cabelos, sua pele, ela era sedutora de todas as formas – Lembre que tudo que você sentia antes irá se ampliar. Sua audição, como já constatou, mas também seu paladar, olfato, visão, reflexos. Vampiros com anos de experiência e treinamento possuem até mesmo sexto sentidos extremamente afiados.
Louise descolou a face do ombro do rapaz e ficou em pé em um segundo. Ken estreitara o olhar procurando saber o que a alertara. Embora não soubesse como dominar todos os dons que tinha, a linda mulata tinha percepções muitos superiores a dele e ele sabia disso.
—O que houve? – perguntou sem olhar para ela.
—Sangue. Senti um cheiro muito forte – respondeu a mulher.
—É melhor sairmos daqui. Preciso lhe manter em segurança e se outros vampiros surgirem não tenho forças para contê-los. Vamos dar uma volta e continuo e lhe explicar sobre suas novas habilidades.
Ken já ia se levantar quando alguém surgiu do nada ao lado da mulher, pegando-a a de surpresa, sua imagem se materializando como um vulto que saía das sombras na parede.
—Uau – disse o sujeito aproximando-se a poucos centímetros do pescoço de Louise para lhe cheirar – Você é uma bela mulher. E não me lembro de já ter lhe visto por aqui.
Era um homem mais alto que Ken ou Louise e tinha a pele clara como a casca de um ovo. Os olhos avermelhados tinham olheiras profundas e os lábios finos eram roxos. A mulata gelara quando o mesmo tocara sua face com dedos longos e finos, frios como um cadáver. O mesmo tinha unhas negras longas e afiadas que ela presumiu terem mais de cinco centímetros.
O estranho usava uma jaqueta preta com capuz que lhe cobria a cabeça, deixando apenas uma pequena parte de sua face à mostra. Ken de imediato percebeu tratar-se de outro vampiro, mas como dizer para a companheira sem que ele também ouvisse? Se o sujeito percebesse que Louise estava sendo auxiliada pelo rapaz e que era uma novata na noite iria tirar proveito da situação. Pior que isso, o rapaz não o conhecia e sua própria segurança estava em risco também.
Não fora preciso que o garoto dissesse para a mulher que aquele homem ao seu lado era como ela. Assim que o mesmo abrira a boca o cheiro de sangue na face da mulata lhe revirou o estômago. Agora sabia de onde viera aquele odor que sentira há poucos instantes.
—O moleque de olhos puxados atrás de ti é um de seus brinquedinhos ou o está guardando para o lanche? – sussurrou o vampiro ao ouvido da mulher. Tentando controlar-se para não arregalar os olhos ou elevar seus batimentos finalmente ela entendera do que se tratava tudo aquilo. Aquele era um vampiro como ela e ele a reconhecera ali! – Se ainda não tiver comido eu tenho algo que poderia dividir e mais tarde podemos saborear o chinesinho ali.
A mulher suspirou. O que deveria fazer? Não poderia dizer que era a primeira vez que saía para a noite como vampira e que Ken a estava ajudando. Precisava improvisar, apenas torcia para não cometer nenhum erro grave.
—Você estava se alimentando aqui? – indagou ela – Não me parece ser um bom lugar… E creio que não o conheço também.
—Onde você prefere, querida? Tenho algo bem melhor que o lanchinho aí – respondeu o sujeito balançando uma garrafa que trazia nas mãos. Ken observou o líquido que girava por trás do vidro verde e deduziu que não era qualquer bebida alcoólica.
Quando o estranho abriu a garrafa o cheiro invadiu as narinas da mulata como se fosse sufocá-la. Houve um momento de frenesi em que ela sentiu vontade de agarrar o objeto e virar o líquido goela abaixo, como se aquele líquido fosse mais precioso que tudo no momento. Fechando os olhos e balançando a cabeça a mesma forçou-se a colocar as ideias no lugar. Ken, ainda sentado no sofá recostou-se para trás e colocando uma das mãos nas costas sentiu o metal gelado das lâminas que carregava consigo. Se Louise perdesse o controle teria de contê-la. E tinha aquele vampiro que ele não conhecia que poderia ser outro empecilho. Deter Louise certamente seria fácil, mas, e o estranho?
Os vasos sanguíneos na esclerótica da mulata encheram-se ao mesmo tempo que as veias em seu pescoço se destacavam. Era como se aquele vulcão que ela comentara antes finalmente entrasse em erupção. Sem pensar ou se conter a mesma segurou o indivíduo diante de si pelo pescoço e o encostou em uma parede negra, longe das luzes coloridas e da atenção das outras pessoas no interior do clube noturno.