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II - Surprise, surprise - Parte 1

Alguns filósofos dizem que a pior prisão é a própria mente.

Eles estão errados.

A pior prisão é a própria vida.

Louise acordara assustada. Havia tido um pesadelo terrível do qual só era capaz de se lembrar dos gritos e borrões vermelhos. Sentara na cama respirando fundo. Diferente do habitual não sentia o coração saindo pela boca ou explodindo dentro do peito. Fechara os olhos e buscara se acalmar. Alguns segundos depois colocara a mão esquerda pouco acima do seio e de fato, não ouvia nem sentia o característico tum-dum, tum-dum. Lembrara-se de antes, do encontro com Stanley. Olhando em volta percebera que estava de volta àquela cama com lençóis de seda brancos. Recordara-se das últimas palavras que ouvira daquele homem.

Você estava morta. Eu matei você.

Como assim estava morta? De qualquer forma ele também havia lhe falado que ela tinha voltado à vida. Então por que não ouvia os batimentos de seu coração? Nervosismo?

—Seu coração não parou – disse uma segunda pessoa no local como se estivesse ouvindo os pensamentos da mulher.

Louise puxou os lençóis cobrindo os seios, embora ainda estivesse vestindo aquela mesma camisola branca de antes. Há poucos metros da cama um sujeito vestindo camiseta branca e calças azuis a observava. Aproximando-se apenas alguns passos, ficando então exposto à luz de uma luminária, o mesmo revelara ser um jovem oriental magro de cabelos negros e curtos. Os poucos fios que lhe caíam sobre a testa não chegavam a alcançar os óculos de armação negra e fina com lentes redondas, muito parecidos com os óculos de Harry Potter. O mesmo tinha as mãos nos bolsos da calça e fitava Louise como um animal em exposição.

—Nunca viu uma mulher? – perguntou ela – Não precisa encarar. Quem é você?

O rapaz esboçou um sorriso.

—Você é bem enérgica, como ele disse. Não precisa se preocupar, estou aqui para ajudar.

A bela mulher o fitou por um instante pensando no que o mesmo havia dito. Ajudá-la? Como ele poderia ajudá-la? O rapaz tinha a aparência de um adolescente. Qual seria sua relação com Stanley? Melhor ainda, onde estava o anfitrião daquele lugar? Novamente a mulata se via sem escolhas, se quisesse respostas só poderia obtê-las daquele garoto.

—Certo – respondeu ela pausadamente, pensando bem nas palavras – Vamos considerar que possa me ajudar. Por que não me diz quem é você e onde estou para começarmos?

O rapaz retirou a mão direita do bolso e estalando os dedos uma grande luminária no teto se acendeu aos poucos. Todo o ambiente ficara levemente exposto ao brilho das novas luzes no local. Agora Louise podia ver uma penteadeira, uma mesa grande com algumas cadeiras, alguns armários e vasos em algumas partes. Toda a mobília parecia ter sido retirada de algum castelo, pareciam peças antigas e caras, dessas que normalmente se imagina ver em museus.

Tentando parece indiferente a mulher evitou demonstrar a surpresa diante daquilo. Ao invés disso ficou em silêncio esperando por uma resposta para suas perguntas, uma resposta que não veio. Aquele garoto, seja lá quem fosse parecia se divertir com sua curiosidade. Pensando nas diversas conversas que tivera com pacientes idosos no trabalho que tinha a mulata lembrou-se que não adiantava insistir em algo que uma pessoa não queria dizer. Normalmente as pessoas escondiam segredos e quanto mais vissem que outras pessoas queriam saber sobre algo, mais mantinham esses segredos em seus cofres dentro de suas mentes.

—Então, você também sabe fazer mágica? – comentou ela novamente, agora desviando-se do assunto de antes.

—Não foi mágica – respondeu o rapaz – É tudo automático, milagres da tecnologia, se é que você me entende. Mas eu gosto dessa praticidade. Enfim, posso responder algumas de suas perguntas, no entanto, outras é melhor que o próprio Mestre Silverglade lhe responda.

Gotcha! – pensou a mulher sem expressar a satisfação. De fato, psicologia reversa era eficiente. Bastava não demonstrar interesse por determinado assunto para a pessoa querer falar sobre aquilo. Ele agora falaria. Talvez não tudo que soubesse, mas falaria.

—Eu adoraria ouvir tudo que puder falar – disse ela tentando não parecer tão interessada quanto realmente estava – Mas agradeceria se mostrasse onde estão minhas roupas e onde posso me trocar. Vamos concordar que não parece apropriado que eu fique seminua até… bom, não sei nem mesmo que horas são.

—Na noite em que chegou com o Mestre as roupas que estava usando estavam bastante sujas e rasgadas. Acredito que nada do que usava poderia ser consertado ou serviria para usar novamente. Assim como me foi instruído joguei-as fora. Felizmente – disse ele girando o corpo e apontando para um armário – o Mestre preparou um guarda-roupas exclusivamente para a senhorita. Irei lhe deixar à vontade para se vestir e a aguardarei na sala ao lado com uma refeição que acredito, irá lhe agradar. Deve estar faminta.

Minhas roupas estavam sujas e rasgadas?

Louise pensara em perguntar o que havia acontecido, mas temia não gostar da resposta. Além disso, ela tinha quase certeza de que saberia a resposta em algum momento, quer quisesse ou não. Ao invés de se preocupar com isso, atentou-se ao que o rapaz dissera sobre a refeição. Estava realmente faminta, sentia como se não comesse nada há dias.

—Então irei me trocar e lhe encontro em alguns minutos. Um lanche cairia mesmo bem. Você não disse seu nome. Eu me chamo Louise, Louise Armstrong.

O rapaz inclinou-se como cumprimentam os orientais.

—Me chamo Akamatsu, Ken Akamatsu. Pode me chamar de Ken.

A mulher girou o corpo e colocou as pernas para fora do colchão, então levantou-se ainda enrolada pelos lençóis de seda que segurava. O rapaz ainda a observava.

—Procure manter distância das janelas e não tente abri-las – disse ele – Elas são travadas de forma que impeçam a luz de entrar, mas ainda assim os vidros costumam ser frágeis. Sobre as horas, agora são precisamente quatro da tarde. O sol ainda está bem alto e a luz é perigosa, pode até mesmo ser letal. Você não iria querer se ferir assim, é extremamente doloroso.

Finalmente ela entendera o motivo daquela escuridão toda. Aquele grande salão era todo planejado de forma que nenhuma luz do dia o penetrasse. Mas por que o rapaz lhe advertira sobre as janelas? Ela era uma vampira agora? Só poderia ser brincadeira. Letal? A luz do sol? Ela costumava caminhar todas as tardes pelo parque. De qualquer maneira, estava confusa e suas memórias sobre como fora parar naquele lugar não haviam voltado. Era melhor seguir as instruções do rapaz, não tinha nada a perder com isso.

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