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Capítulo 3

Natasha sentiu uma sensação estranha. Cada vez mais a velha senhora a deixava mais confusa.

- E qual é seu destino? – Ouviu-se perguntando.

- Faz muitas perguntas, menina. Como é mesmo seu nome?

- Natasha. - Repetiu.

-Tantas perguntas, Natasha... Por quê?

- Curiosidade.

-Tenho uma pergunta para você, Natasha: acredita no amor?

Natasha foi pega de surpresa. Nunca ninguém lhe perguntou sobre isso. Nunca ela mesma se perguntou sobre. Ao certo nem sabia o que responder. Não tinha certeza se acreditava ou não no amor.

Sempre fora tão realista e fugia de sentimentos. Sua vida era baseada na praticidade e qualquer compromisso com um homem não lhe deixava à vontade. Quando via que estava se apegando à alguém preferia se afastar, com um enorme medo de perder sua liberdade.

Sim... Sua liberdade era o seu grande amor. A independência. Lutara tanto para ter seu espaço que não queria que ninguém tomasse conta dele. Não... Não acreditava no amor entre duas pessoas. Só acreditava num tipo de amor: o amor próprio. O amor entre casais só existia em contos de fada. E se tinha um coisa que nunca lhe interessou, nem quando pequena, foi conto de fadas.

- Não sei. – Ela preferiu responder, para não parecer descrente quanto ao amor.

- Eu, na sua idade, já sofria muito por amor... Morria de amor. – A mulher disse, com olhar longe.

Natasha olhou no fundo daqueles olhos azuis, observando atentamente a pele enrugada, castigada pelos anos. O que aqueles olhos escondiam? Sarah mexia com alguma coisa dentro de Natasha que ela tinha medo de descobrir.

- Quem é você? – Natasha perguntou confusa. Seria alguém mandada por Jonas para confundi-la em sua matéria?

- Sou Sarah, como já lhe disse. Não estou com você por acaso, querida. O destino marcou nosso encontro aqui.

- Por que você está aqui? – Natasha se afastou um pouco de Sarah.

- Estou aqui para cumprir meu destino.

A garota olhou para os lados. Pensou estar falando com um fantasma do trem azul. Haveriam fantasmas no trem azul? Não... Não existiam fantasmas, a não ser na mente de pessoas doidas. O que ela estava pensando?

Sarah parecia entender seus pensamentos. Pegou a mão de Natasha docemente e disse:

- Não tenha medo de mim, querida. Sou apenas uma velha. Não sou uma bruxa nem uma assombração do trem azul.

Natasha apertou levemente a mão gelada e macia. Depois retirou-a rapidamente. Pelo menos Sarah era real.

Ela olhou para os lados novamente. Bem distante havia um casal naquele mesmo vagão. Viu a mesa vazia em frente às duas. Com dezenas de lugares vagos naquele vagão em específico e tantos outros no trem, por que aquela mulher fora sentar ali, ao seu lado?

- Natasha, será que poderia trocar de lugar comigo? Posso sentar-me à janela?

Natasha se recompôs em seus pensamentos. Achou uma ousadia da velhinha. Ficou um pouco irritada:

- Por que ao meu lado? Por que justo o meu lugar agora, com tantos outros vazios?

- Na minha primeira viagem, em 1911, sentei-me exatamente neste lugar.

Para Natasha o lugar era indiferente. Saiu do espaço que ocupava e deixou que Sarah sentasse onde queria. Era só uma idosa conversadeira e inofensiva e certamente lhe incomodaria pelas próximas 24 horas de viagem. E logo aquele trajeto chato acabaria e ela riria da situação.

Sentou-se de frente para Sarah, ainda atenta à senhora.

Sarah podia ver Tristan à sua frente... Sim ela estava em 1911, na primeira viagem do trem azul. Por que ela ainda estava neste plano? Por que ainda vivia? Tantos e tantos anos se passaram e sem querer ela não conseguiu conter e deixou uma lágrima cair.

- Sarah, está tudo bem? – Perguntou Natasha.

- Por que não sabe se acredita no amor, menina?

- Não sei... Talvez porque eu nunca tenha vivenciado na minha vida uma história real de amor. Eu acho que este sentimento não faz bem para as pessoas... Não sei ao certo. – Natasha se ouviu confessando para aquela estranha.

- Sabe, fui passageira na primeira viagem do trem azul e agora estou sendo também na última. Talvez eu seja uma privilegiada... Mas você é muito mais privilegiada do que eu.

- Por que acha isto?

- Porque vou te contar uma história inacreditável, que durou quase um século. Somente meu coração e mente sabem tudo que eu passei nesta vida. Sequer meus netos ficaram a par dos detalhes trágicos que aconteceram naquele tempo. É uma história longa, muito longa, com bastante sofrimento e dor. Mas no final, você vai acreditar no amor, menina.

Natasha olhou atenta para a velha senhora e pegou seu bloco e sua caneta. Estava ali sua história sobre o trem. O amor, o sofrimento e a vida pessoal de Sarah não importava muito, mas os detalhes das viagens, estes sim tinham muita importância.

Sarah lentamente curvou-se e pegou o bloco das mãos de Natasha, jogando pela janela.

Natasha olhou-a confusa. Procurou na bolsa e não tinha outro. Olhou para o casal que estava afastado em outro banco e eles conversavam animadamente. Nem perceberam o que havia acontecido.

- Eu... Precisava daquele bloco. – Falou, brava e incrédula com a ousadia de Sarah.

- Tente não me interromper enquanto eu estiver contando a história – falou Sarah sem se importar com o que havia feito – É muito difícil voltar quando eu estou lá. Você não vai precisar anotar nada. Eu tenho certeza disto. Tudo vai ficar guardado aqui. – Ela colocou a mão no coração de Natasha.

Natasha, mesmo sem querer, viu-se fazendo sinal afirmativo com a cabeça.

- Se você fechar os olhos, menina, vai viajar no meu mundo.

Natasha fechou os olhos, como se aquilo fosse uma ordem. Jamais imaginou o quanto aquela história realmente mudaria sua vida para sempre. Não precisava muito esforço para entrar no mundo de Sarah. E realmente era muito, muito difícil sair.

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