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AGHATA
-Tem certeza que está tomando essa decisão pelos motivos certos, meu amor? Olha, eu sou seu pai, te amo com todo o meu coração e faço tudo o que puder para vê-la bem e feliz. Qualquer que sejam os motivos que a levaram a tomar esse caminho tão importante, você sabe que irei compreendê-la e apoia-la.
Papai faz uma pausa e me encara diretamente nos olhos quando volta a falar outra vez.
-Por mais que em meu coração você ainda permaneça aquela linda garotinha banguela e de maria-chiquinha que segurei em meus braços quando tinha poucos anos de idade, sei que o tempo passou, você cresceu e se tornou uma mulher inteligente e responsável que me enche extremamente de orgulho.
Mordo o lábio inferior quando sinto meus olhos se encherem de água, e engulo o caroço que se forma em minha garganta.
-Sabe, filha, eu confio plenamente em suas escolhas, sei que você sabe ser racional e tomar as melhores decisões. Entretanto, tenho medo que guiada pelas emoções a flor da pele, você acabe tomando certas atitudes que futuramente poderão machucar seu coração. E se isso acontecer, certamente eu irei sofrer juntamente com você. Porque tudo o que te acontece me atinge também. Suas lágrimas são as minhas lágrimas, seus sorrisos são os meus também. Eu prezo por tudo que a faça feliz, filha. Eu jamais quero vê-la triste ou magoada por algum tipo de arrependimento. É meu dever como pai e seu melhor amigo, ajudá-la a sempre tomar o caminho certo. Então é por essa razão que eu te pergunto, querida, você tem certeza? Está seguindo esse caminho pelos motivos corretos?
Oliver Resende, o homem mais incrível, amoroso e compreensivo que tenho o prazer de chamar de pai, faz a pergunta com tanta sensibilidade e carinho, que quase tenho vontade de me jogar em seu colo, abrir o berreiro e lhe contar tudo. Toda a verdade e sofrimento que tenho abrigado em silêncio dentro do meu peito por muito tempo, e que lentamente está correndo meus ossos de modo torturante.
-Meu amorzinho...? -ele questiona me chamando de volta a realidade e eu pisco os olhos que estão ardendo no momento.
-Eu... eu acho que sim, papai.
Pigarreio sentindo um aperto na garganta ao responde-lo sem muita firmeza em minha voz. E mesmo com o coração despedaçado, finjo uma coragem que não me pertence na tentativa de convencer esse homem que me conhece muito bem.
-Na verdade eu tenho certeza.
Digo empertigando-me no lugar para transmitir confiança aos olhos que me fitam atentamente. Preciso fazê-lo acreditar que estou fazendo isso apenas pelos motivos certos, e não baseada em emoções ridículas e momentâneas que certamente irão desaparecer com o tempo.
-Será uma excelente oportunidade para minha carreira profissional, sabe disso. - eu começo a explicar com o peito apertado e a mente em constante conflito. -Se um dia quero ser tão boa advogada como o senhor é, tenho que começar a investir no futuro agora. E essa bolsa veio no tempo certo porque...
Então eu me calo instantaneamente ao perceber a mancada que quase acabo de dar. Droga, Aghata! Que boca enorme você tem, garota!
Merda, merda, merda!
Xingo-me mentalmente ao notar o breve estreitar dos afiados olhos azuis de papai diante de meu pequeno deslize. Ele me conhece como a palma da própria mão e sabe que acaba de me pegar no pulo. Papai tem o dom de sempre extrair de mim as verdades que não pretendo admitir, porém nunca me pressiona a fazê-lo se não for algo de minha própria vontade. Ele não força a barra. Nunca. Apenas espera como um ouvinte paciente, o momento que irei me abrir voluntariamente.
Não digo nada para consertar a burrada de imediato, aguardo por uma enxurrada de perguntas a respeito do que comecei a dizer, entretanto ele nada diz. Meu pai continua a me observar com o semblante já recomposto, esperando que eu prossiga de onde parei, como se não tivesse escutado nada do que eu havia acabado de dizer. Contudo sei que ele ouviu e está analisando cada frase que irei pronunciar a partir de agora.
Tenho que ter cuidado em cada palavra que disser, é claro, mas não posso e não irei voltar atrás em minha decisão. Se pretendo resolver o problema desse meu estúpido coração, tenho que arrancar com minhas próprias unhas o espinho chamado Dante de dentro de mim, jogá-lo para fora, e pisá-lo com firmeza de modo que não sobre nem resquício de sentimento por ele.
Essa paixão ridícula e errada tem que morrer. Ser enterrada. Cremada. Até virar cinza e pó. Até que nada mais reste.
E para que isso ocorra, sei que permanecer perto de Dante não irá me fazer nenhum bem, e não me ajudará em nada. Pois cada vez que meus olhos o veem, algo acontece dentro de mim e eu me perco nas batidas erráticas que meu coração dispara por ele. É vergonhoso, eu sei. Ele é apenas um garoto que sequer me enxerga, e jamais irá enxergar da mesma maneira que eu o enxergo.
Então para que eu consiga matar esse sentimento dentro de mim necessito me afastar. Tenho que impor a maior distância possível entre nós dois para que isso se torne realmente possível. E nada melhor do que um oceano no meio do caminho e mergulhar a mente completamente nos estudos para alcançar meus objetivos, certo?