Capítulo I
Anos depois...
Valentina dormia profundamente.
Em seus sonhos, olhos azuis lhe faziam uma visita, acompanhados de um sorriso doce e ao mesmo tempo provocante, que ela conhecia tão bem, aquele sorriso que muitas vezes fora apenas destinado a ela.
Fortes batidas na porta a fizeram despertar. Valentina acordara espantada, o coração batendo forte, o rosto corado, enquanto as lembranças que permaneceram esquecidas durante anos em sua memória, rapidamente se dispersavam. Havia adormecido em sua poltrona enquanto lia um romance sobre buracos de coelhos, rainhas e chapeleiros-malucos – o livro naquela altura –, jazia no chão.
Irritada por ser despertada abruptamente e pelas lembranças que visitavam seus sonhos, ela levantou-se e rapidamente foi procurar saber, quem estava querendo derrubar a porta do seu quarto.
— Anne? O que houve para tanto estardalhaço? — disse após abrir a porta e dar de cara com sua dama de companhia. Ela ainda sentia sono, e não queria prolongar muito aquilo, desejava dormir novamente, mas dessa vez em sua cama e sem sonhos com olhos azuis nostálgicos.
— Senhorita, seu pai está a sua espera. — falou a moça espantada com o seu rosto sonolento, com um dos lados da face marcado pelos desenhos presentes no estofado da poltrona.
— O quê? — bocejou. — Por quê?
— A senhorita se esqueceu? — Anne suspirou nem um pouco surpresa.
— Me esqueci do que exatamente? — Valentina indagou, piscando lentamente os olhos, o sono queria alcançá-la mais uma vez.
— A senhorita foi convidada para assistir o recital promovido pela baronesa de Greenberg, para dar boas-vindas ao seu filho mais velho, no início dessa tarde — explicou.
— Greenberg? — repetiu, tentando associar aquele nome a um rosto conhecido.
Assim que lembrou, Valentina levou as mãos até a testa. Havia esquecido completamente do convite da baronesa. Seu pai iria lhe matar.
— Céus! Havia me esquecido totalmente desse evento. Está tão encima da hora! Diga... diga a ele que estou dormindo profundamente e que apesar de você ter me chamado por várias vezes, eu não despertei. — aquela, segundo ela, era uma desculpa perfeita, assim voltaria a dormir tranquilamente e não precisaria encarar o pai para rejeitar pessoalmente, até porque, estava cansada de fazer aquilo.
— Sinto muito senhorita, seu pai ameaçou dizer para os presentes no recital que a senhorita estava inventando desculpas para não ir aos eventos o que é bem verdade, mas isso seria uma afronta enorme a baronesa e os outros anfitriões que lhe convidaram para eventos passados, eles ficariam ressentidos vosso pai não me deixou escolhas, eu disse a vossa graça que a senhorita estava quase pronta e já iria descer.
Richard, seu pai, não dava ponto sem nó, parecia que ele estava desesperado para casá-la, o que lhe aborrecia de muitas formas, ela nem sequer debutara e seu pai já havia feito uma pesquisa sobre os pretendentes mais influentes e afortunados. Mesmo Valentina prestes a completar seus 21 anos, graças ao acordo feito com o pai, após o término com Thomas, ela ainda não havia debutado. Ela pedira tempo, para que esquecesse de vez seu primeiro amor e após cinco anos o marquês se mostrava cada vez mais impaciente e começava a perceber que sua querida filha, o estava enrolando.
Richard queria aproximar a filha do herdeiro da baronesa, recém chegado da Espanha, onde estava estudando. Valentina soube disso quando sem querer ouvira uma conversa do pai com o seu advogado.
— Está bem. — disse derrotada — Por favor, prepare o meu banho o mais rápido possível, enquanto eu mesma procuro um vestido adequado.
— Pode deixar, senhorita — a moça fez uma rápida vênia enquanto corria para preparar tudo.
Minutos depois, Valentina se banhava com a ajuda de sua dama de companhia, enquanto pensamentos aleatórios passavam por sua cabeça. Lembrou-se da viagem até Londres que faria dali a poucos meses, passaria a temporada de bailes toda por lá. Sorriu em expectativa, seria a primeira vez que frequentaria os salões londrinos, contava os minutos para estar rodopiando em meio aos salões, se divertindo e principalmente, ficaria mais próximo da sua irmã, Bethany, que se mudara recentemente para Londres com o marido.
Não visava encontrar nenhum marido naquela temporada, e faria de tudo para manter os pretendentes longe. Não tinha pressa em unir-se com outra pessoa, aquela possibilidade lhe incomodava, pois em seu coração existia um vago sentimento de pertencimento que ela gostaria de exorcizá-lo antes de se casar.
Após o banho, prendeu os longos cabelos negros em um coque simples, mas bem feito. Vestiu um vestido quente e elegante, que realçava os lugares certos do seu corpo esguio. Seu pescoço era adornado por um colar de esmeraldas e diamantes em formato de pequenas flores, era o único acessório que gostava de usar, lhe trazia doces recordações de épocas passadas, mas as vezes também, lhe deixava melancólica. Pronta, desceu as escadas confiante e quando viu o homem que lhe esperava, sorriu com doçura, apesar que no seu coração, sentia que tudo aquilo estava indo longe demais.
— Está linda, minha filha — o marquês disse, encaixando sua mão na dela. — Marcus ficará encantado.
— O que Sr. Harrison tem a ver com isso, papai? — perguntou, fazendo-se de desentendida, enquanto sua expressão doce mudava-se para uma mais desconfiada. – Pensei que o senhor pelo menos iria fingir que não queria me jogar nos braços de qualquer cavalheiro!
— Não fale assim, querida — repreendeu o homem, mais do que acostumado com a personalidade da filha — Não é isso que esperam do diamante da próxima temporada.
— Oh. Mas quem se importa? — resmungou, enquanto seguiam até a carruagem — Não quero ser diamante nenhum.
— Enfim, só acho que ficará feliz em ver o seu amigo de infância. — Valentina lembrou-se do garoto traquino e engraçado, que sempre se metia em confusão, junto com seu irmão e claro – ela.
— Realmente será bom vê-lo, faz anos que não o encontro.
— Ele se tornou um rapaz admirável tanto em termos de beleza quanto em seu talento para administrar. Esse rapaz com certeza terá um futuro brilhante...
— ... e sua esposa será uma moça de muita sorte, ah, papai! Por favor, seu muito bem onde o senhor quer chegar com essa conversa. Está pior que as mães casamenteiras!
— Eu não sei do que você está falando, querida. — murmurou o marquês, recebendo um olhar severo da filha.
— Humpf! Deixando esse assunto de lado, por que só nós dois estamos indo? Onde está a mamãe e meus irmãos?
— Sua mãe está indisposta. Sua irmã também, ou pelo menos é em isso que ela quer que eu acredite. — falou o homem pensativo. Os olhos de Margaret, sua filha, expressavam uma tristeza profunda, por isso ele resolveu não insistir.
— Entendo... Eu também estava indisposta, então por que o senhor me chantageou? — indagou, erguendo as sobrancelhas.
— Eu precisava de companhia — disse e sorriu de forma contida para a face carrancuda da filha — E sei que estava dormindo. Não são horas para dormir.
— Esse argumento é muito fraco — protestou, com os olhos presos na face bonita do pai. Valentina tinha certeza, Richard Murray havia feito estragos em corações alheios, em sua juventude.
— Além do mais, você prometeu a baronesa que estaria lá. Logo teremos um laço mais fortes com os Harrison, seu irmão está verdadeiramente encantado com a Srta. Nicole. Ele me disse que irá pedi-la em casamento muito em breve, então, é necessário termos um bom relacionamento com a família da futura esposa do seu irmão.
Se era um argumento convincente que ela queria, ela conseguiu. Valentina fez um muxoxo e respirou fundo, dando-se por vencida mais uma vez.
— E onde ele está, que não pode ir conosco?
— Seu irmão já está no recital, grudado na Srta. Harrison, é claro. — os dois riram. — Não sei como aquela moça ainda consegue suportá-lo.
— Papai!
— Só estou dizendo a verdade — falou o marquês, encolhendo os ombros.
Charles, seu irmão mais velho, sempre fora apaixonado pela doce Nicole Harrison, desde seus tempos de moleque, em que suas traquinagens envolvendo a moça – no tempo, uma menina –, eram respingos de um amor inocente e verdadeiro. Mas a jovem passara uma longa temporada morando no sul do país, com sua tia e só retornara meses atrás, mais linda do que ele imaginara. Não foi difícil despertar aquele antigo sentimento que residia no coração do futuro marquês.
— Por favor filha, não faça nada que prejudique o relacionamento do seu irmão — pediu Richard, de repente muito sério.
— E por que eu faria algo assim? A felicidade de Charles é a minha felicidade. Sei que implico um pouco com a Grace, mas acho a Nicole uma boa moça, digna do meu irmão.
Valentina parecia ser a única ver os olhos angustiados de Nicole. Não havia dúvida que ela amava Charles, quando estava com ele, Valentina percebia que os olhos azuis da moça ficavam serenos e amáveis. Mas havia algo que lhe atormentava, para a curiosa filha do marquês, Nicole Harrison, guardava um segredo capaz de mudar tudo.
— Não é sobre isso que estou falando, é sobre o Marcus. Não o espante. Só queremos que vocês se deem bem e não firmar um contrato de casamento.
— Não irei — resmungou a moça, avistando ao longe a bela residência da família Harrison, através dos altos portões. — O Sr. Harrison me conhece muito bem. Ele não se afastará tão fácil.
Assim que Valentina pôs os pés no jardim onde estava acontecendo o evento, a baronesa reivindicou sua atenção, apresentando-a para pessoas que ela nunca vira na vida.
Johanna Harrison era uma mulher espirituosa e alegre, Valentina gostava da companhia da senhora, mas concordava com os demais, quando diziam que ela muitas vezes exagerava.
— Venha, quero que veja uma pessoa — falou a baronesa lhe guiando até o lado oposto de onde elas estavam. Seus olhos brilhavam felizes, a presença do filho, após anos a deixa completa.
Seu pai conversava com um rapaz que possuía uma expressão ininteligível no rosto, quando elas se aproximaram.
— Querido — os dois fitaram a mulher que emanava alegria — Desculpe interromper, vossa graça, mas gostaria de um minutinho da atenção do meu filho — disse, puxando Valentina, que observava atentamente o rapaz — Querido, lembra-se de Valentina? Sua amiguinha de infância?
A expressão indecifrável do rapaz rapidamente abandonou seu rosto, dando lugar a uma de reconhecimento e nostalgia.
Valentina estendeu a mão enluvada para ele que depositou um beijou casto em seu dorso.
— É um prazer revê-la, Srta. Murray. — disse com os olhos cravados em seu rosto.
— Digo o mesmo — Marcus Harrison se tornara um homem bonito, ela não podia negar. Seus cabelos castanhos e sedosos caiam como cascatas até o pescoço e seus olhos de um azul intenso eram realçados pelos seus longos e alinhados cílios negros. Tudo harmoniosamente moldado em um rosto de traços belos e marcantes.
Era um belo homem, não podia se esperar menos de um Harrison. Todos naquela família eram conhecidos por sua beleza singular – o que muitas vezes deixava algumas pessoas intimidadas.
— Por que vocês não vão até os lindos canteiros de rosas vermelhas que desabrocharam a pouco tempo? — sugeriu Johanna empurrando os dois, jardim adentro. — Outras espécies também desabrocharam, está a coisa mais linda, vocês precisam ver.
Os olhos da baronesa brilhavam em expectativa. Ela gostou dos olhares que os jovens a sua frente haviam trocado. Talvez, com um pouquinho de sua ajuda, um enlace entre os dois poderia acontecer.
Marcus fez uma careta não tão discreta para a expressão casamenteira da mãe, ele não havia nem bem saído do navio e Johanna já lhe empurrara uma possível pretendente. Nem sequer lhe deixara descansar direito da sua longa viagem. Cansado, mas sem paciência e nem ousadia para desobedecer a mãe, ele ofereceu o braço a Valentina.
— A senhorita gostaria de me acompanhar até esse belíssimo canteiro? — convidou, enquanto tentava ignorar o sorriso sugestivo da mãe.
— Claro — Marcus até aquele momento não lhe havia lançado nenhum olhar fora do normal, ponderou Valentina, algo que ela achou muito bom. Não estava com paciência para lidar com rapazes com segundas e talvez terceiras intenções. Mas ela simpatizara com o cavalheiro – que parecia extremamente cansado –, deveria ser resquícios da amizade que possuíam na infância e que fora tragada pelo tempo. Deixando a armadura de lado, ela se permitiu sorrir — Será um prazer acompanhá-lo.