Capítulo II
Os olhos do seu pai brilharam após ver o sorriso que a filha lançara para o rapaz. Não era uma careta e nem uma expressão raivosa. Era um sorriso e um dos mais bonitos que ela possuía. Sorriu contente, será que sua filha finalmente abriria seu coração? Se sentia culpado pela infelicidade, que as vezes, — para não dizer raramente —, transparecia em seu olhar, principalmente quando ela estava em algum casamento. Ele aparentemente, era o único que notava o seu sorriso triste e seu olhar nostálgico, Richard sabia que naquele momento, sua filha estava de volta ao passado, atada nele.
— Se me permite dizer, a senhorita se tornou uma moça muito bela — elogiou o rapaz — Os anos a fizeram bem, nem parece aquela garota magricela que corria pelos jardins com terra na cabeça.
Valentina riu, lembrando-se daqueles tempos.
— Bondade sua. O senhor também se tornou um belo homem — o rapaz corou com o elogio, o que fez o marquês – que ouvia toda a conversa ao lado da baronesa – abafar uma risada — Nem parece aquele garotinho irritante que gostava de atormentar as minhas babás, lhes jogando todo tipo de insetos que encontrava. Coitadas.
— Você bem que gostava de atormentá-las também. Lembro-me que detestava fazer o que elas mandavam.
— Sim, éramos crianças muito traquinas ao que parece…
— Vamos? — Valentina concordou e entrelaçou seus braços, sentindo-se pequenina ao lado do rapaz vários centímetros mais alto que ela.
Os dois andaram com passos vagarosos adentrando nos corredores do bonito e bem cuidado jardim, que possuía muito mais plantas e flores diferente do que eles estavam antes.
Durante a maior parte do trajeto sentiram os olhares da baronesa e do marquês, perfurarem suas costas.
— A senhorita consegue ver minha mãe daqui? — perguntou Marcus de repente.
— Não… ela já nos perdeu de vista — falou distraidamente observando o mar de rosas vermelhas com fascínio.
— Ótimo! Eu pensei que ela fosse chamar um padre a qualquer momento para nos casar — sorriu aliviado, fazendo uma tímida covinha aparecer em sua bochecha. Afrouxou rapidamente o nó do lenço que sua mãe prendera em seu pescoço — Você viu a determinação nos olhos dela? Minha mãe sabe ser assustadora quando quer.
Valentina não conseguiu conter um sorriso.
— Meu pai possuía o mesmo olhar… eles devem estar trabalhando juntos nisso.
— Que estranho… um pai ávido para casar a filha, é a primeira vez que tenho conhecimento de algo assim — falou enquanto conduzia Valentina para uma mesa de ferro no centro do jardim – notou com estranheza que a mesa estava decorada com um vistoso jarro de flores e ao redor dele estavam vários doces e um bule fumegante de chá, parecia até que já estavam os esperando. Marcus franziu as sobrancelhas, mas nada disse.
Os dois encararam a mesa convidativa por alguns instantes.
— Meu pai tem medo de eu me envolver com alguém… alguém impróprio — comentou, sentindo as bochechas corarem — Ele quer que eu me case logo, o mais rápido possível. Claro que ele não diz nada disso, mas eu sei.
Valentina sentiu vontade de se estapear, por que diabos dissera aquilo para aquele rapaz que se tornara um estranho para ela? E por que aquela mesa estava tão arrumada? A baronesa e seu pai com certeza estavam por trás daquilo.
Aqueles dois ardilosos, pensou Valentina com irritação.
— E você faria isso? — ela foi liberta dos seus devaneios, após ouvir a voz de Marcus e o barulho da cadeira sendo deslocada do seu lugar costumeiro.
Ela sentou-se, o agradecendo pelo seu ato cavalheiresco e fitou uma xícara adornada por desenhos de pássaros e flores.
— Não… eu jamais faria isso.
Ela não faria, certo?
Havia cinco anos que ela não via Thomas, será que quando o visse novamente conseguiria resistir a ele? Será que ainda o amava?
— Então o marquês não precisa se preocupar com isso — murmurou o rapaz, após pescar um docinho e enfiar rapidamente na boca. Ele se recostou mais na cadeira e fechou os olhos. — Nossa, eu ainda estou com sono… vou lhe dar um conselho minha velha-amiga-magricela-que-agora-está-bonita, quando você for retornar de uma longa viagem, nunca diga aos seus familiares o dia exato da sua chegada ou você nunca descansará.
Valentina sorriu mais uma vez, se segurando para não se vingar pelo apelido, lhe dando um chute por baixo da mesa – como nos velhos tempos.
— E o senhor…
— Não, não… sem “senhor” por favor. Eu acabei de chamá-la de magricela — a cortou.
— Eu percebi — murmurou.
— Fale comigo como falava antes, sem muitas formalidades.
— Está bem… então… você pretende se casar em breve? — perguntou realmente curiosa.
— Adiarei esse momento o máximo que puder — ele abriu os olhos e a fitou — Não que eu seja contra, nem nada do tipo, mas aprecio a minha liberdade. Não acho que fui feito para relacionamentos duradouros… porém sei que um dia tenho que me casar, mas ainda sou um homem jovem, tenho alguns anos de solteiro. Não há motivos para pressa. Ainda não preciso de um herdeiro e nem de uma esposa.
— Não esperava nada diferente, vindo de você…também gosto de ter minha liberdade, mas o senhor sabe como é difícil para as mulheres… de um jeito ou de outro temos que nos casar, se não, seremos consideradas a vergonha da família… solteironas, todas essas bobagens.
— Ah, entendo… juro que entendo. Conheci muitas mulheres e seus dilemas — murmurou, seus olhos por um momento perderam o foco, parecia que ele estava submerso em lembranças.
— Espero que não seja nenhum tipo de libertino — sussurrou Valentina, ao ouvir isso Marcus saiu do seu torpor e a fitou.
— O que há com as moças desse país? Só porque não quero me casar agora, não significa que eu seja um libertino… talvez eu me envolva com algumas mulheres… mas eu não me considero um membro do clã. — resmungou, servindo um pouco de chá para os dois.
— Isso alivia muito meu coração… — Valentina riu abertamente da carranca que o velho amigo fez e agradeceu pelo chá.
…
— Que flores belíssimas — comentou uma voz familiar não tão distante de onde os dois estavam. Marcus e Valentina atacavam os docinhos como se não houvesse amanhã, pondo as novidades, aventuras, momentos felizes e tristes que tiveram durante aqueles longos anos que não se vinham, em dia — Minha mãe tinha razão, elas todas desabrocharam, são tão perfeitas.
— Aqueles pequenos brotinhos se tornaram lindas flores — completou outra voz também familiar, ainda mais próximo dessa vez — Mas nenhuma dessas é mais bela que você, minha Nicole.
Valentina franziu o nariz, enquanto Marcus suprimia uma risada.
— Vocês são tão adocicados, são mais doces do que essas guloseimas que acabamos de comer — comentou quando avistou o irmão e Nicole que vinha logo atrás.
A moça arquejou quando fitou a mesa em que os dois estavam.
— Eu não acredito que vocês comeram todos os docinhos que eu fiz para o Charles! — murmurou indignada.
— Era essa a surpresa que você tinha feito para mim? — questionou Charles, confuso e preocupado com o rosto que começava a ficar vermelho da quase-noiva, que fitava o irmão mais velho com sangue nos olhos, o mesmo possuía uma expressão risonha e cínica que deixava sua irmã ainda mais furiosa.
— Ah! Eu vou matá-lo. Você sabia não sabia?
— Juro que não, irmãzinha. Foi apenas um engano. — riu do rosto irritado da irmã, parecia que não havia passado tempo nenhum estando ali, reunido com todos eles. Sua irmã caçula sempre lhe culpando por algo, Valentina sempre sendo sua cúmplice e Charles sempre não entendendo nada — Não fique tão chateada, ainda sobraram alguns para o seu precioso Charles.
Nicole corou violentamente com as últimas palavras do irmão e lhe deu um tapa no pescoço, deixando o lugar marcado.
— Aí, Nicole! — resmungou enquanto massageava o lugar.
— Desculpe, Nicole… eu pensei que tivesse sido coisa da baronesa. — falou Valentina constrangida.
— Tudo bem… pelo menos sobrou alguns…
— O que vocês estão fazendo aqui sozinhos? — perguntou um Charles muito desconfiado, olhando para o rosto do amigo que lhe lançava um sorriso presunçoso.
Valentina se dera conta de que o lugar em que estavam era muito isolado e os arbustos altos bloqueava qualquer visão daquele lugar em especial.
Marcus parou de sorrir de repente e olhou para os dois, se dando conta de algo.
— O que vocês estão fazendo aqui?! — Nicole corou, enquanto Valentina revirou os olhos — Mamãe me disse que os dois passam muito tempo aqui, nessa parte do jardim… eu me pergunto por quê.
— O-o que vo-você está insinuando?! — bradou uma Nicole muito vermelha de raiva e constrangimento.
— Acho que já está na hora de voltarmos, não é Marcus? — disse Valentina de repente, temendo a pobre Nicole cavar um buraco entre os arbustos e sumir ou então voar até o pescoço do seu inconveniente irmão mais velho.
— É… acho que sim. — murmurou, com os olhos semicerrados, presos no casal.
— Vamos, Marcus — chamou Valentina o arrastando pelo braço, para fora do jardim.
Quando os dois já estavam a uma certa distância, Valentina olhou para trás, encontrando os olhos azuis do irmão, ela piscou para ele – que sorriu cúmplice –, e se afastou.