Prólogo
Brighton, agosto de 1881.
Não dava para descrever a felicidade de Valentina quando leu o bilhete, que fora lhe entregado entre segredos e sussurros durante o jantar aquela noite. Horas depois, sorrateiramente saía de casa – com a ajuda de sua cúmplice e dama de companhia, Anne Silver –, para encontrar-se com o homem a quem guardava o seu sorriso mais bonito. Não tinha o visto, fazia algum tempo, o que a deixava mais saudosa e carente dos seus carinhos e beijos. Com passos rápidos e determinados, logo chegou ao local marcado. Seu coração deu um salto quando o viu de costas para ela. Ela sorriu travessa, e de pé ante pé se aproximou do rapaz, que fora surpreendido por mãos enluvadas que lhes cobriram os olhos. Ele sorriu, a reconhecendo pelo seu cheiro inconfundível. Virou-se, retirando as mãos que cobriam-lhes os olhos, se deparando com um belo sorriso em lábios rosados e olhos castanhos que o fitavam com ternura. Ele beijou suas mãos delicadamente, antes de enlaçar sua fina cintura, a trazendo para mais perto de si.
— Um beijo — pediu, acariciando os longos fios negros que ela não havia se dado ao trabalho de prender.
— Apenas um — sussurrou, dando-lhe um beijo casto que logo se tornou apaixonado.
O abraçou, sentindo os braços fortes dele pressionarem ainda mais sua cintura. O contado com aquele corpo quente e forte contra o seu, causou-lhe arrepios, juntamente com os beijos que ele distribuía em seu pescoço e rosto.
Ela se firmou na árvore onde estava escorada e murmurou sem fôlego:
— Era para ser... apenas um beijo — tentou se recompor com os olhos ainda fechados.
— Desculpe, não me controlei... — sorriu torto. — Você me fez cavalgar até aqui para apenas admirar o rio e as estrelas? É uma distância considerável. — ergueu as sobrancelhas questionador.
— Ora, sempre vale a pena sentir o ar fresco e revigorante da noite, admirar as estrelas... elas são tão impressionantes, e é maravilhoso se banhar nas águas quentes deste rio... — falou já recuperada e riu da careta que ele fez. — Devíamos dá um mergulho, é verão! Está uma noite quente, a água está tão convidativa... não teremos essa oportunidade novamente!
— Não sei se é uma boa ideia, Tina... — murmurou observando-a tirar o vestido, ficando apenas com suas roupas de baixo. — Mas você nunca me dá ouvidos mesmo. — e se pôs a tirar seus trajes também, ficando apenas de ceroulas.
Os dois nadaram entre brincadeiras e risos, ora ou outra, o rapaz roubava-lhe beijos que a deixava sempre sem fôlego e corada. Apesar de tudo, Valentina sentia que seu amado estava tenso, e as vezes o pegava com o olhar perdido, com os pensamentos longe.
— Está preocupado com alguma coisa? — perguntou, assim que os dois saíram do rio e se sentaram sobre uma pedra grande.
— Preciso te contar algo. — sussurrou ele, mudando totalmente sua expressão, que outrora era de felicidade, se mostrava totalmente tensa.
Ele a fitou com seus olhos azuis tristes.
— O que aconteceu? — Valentina ficou logo preocupada, nunca o tinha visto daquele jeito, nem quando seus pais proibiram o enlace dos dois.
Abaixando a cabeça o rapaz suspirou profundamente e soltou as palavras de uma vez.
— Eu vou me casar. — falou sem emoção.
— O quê? — ela se levantou cambaleante da pedra e o fitou, seu coração batia loucamente no peito, sua garganta se fechara e seus olhos ardiam com as lágrimas que estavam prestes a cair. Aquilo não podia ser verdade. — Diga que é uma brincadeira, Tom... uma brincadeira de péssimo gosto...
Thomas suspirou pesadamente, escondendo seu rosto entre as mãos. Ele não perdoaria seus pais tão cedo. Forçá-lo a se casar com uma moça que ele não gostava, sabendo que ele amava outra, era uma atitude demasiadamente cruel para os três envolvidos. Usar Claire que sempre fora apaixonada por ele e que não tinha nada a ver com aquilo – além de tantas outras coisas – era a atitude mais baixa que seus pais tomara.
— Infelizmente não é...
— Com quem... com quem irá se casar? — Valentina sentia que a qualquer momento desabaria no chão e não sabia se conseguiria se levantar. Diante dos seus olhos, ela via o futuro que planejara com tanto amor, desmoronar-se.
— Irei me casar com a senhorita Claire Hunt. — Valentina lembrou-se da bela moça que vira na companhia de Thomas, quando ela passeava pela cidade semanas antes, e os três, por uma brincadeira do destino, se esbarrara. Lembrou-se também de como ficara insegura ao conhecê-la, quando ele as apresentou. Ela sabia que Thomas jamais a olharia como uma possível pretendente, mesmo assim, não conseguia deixar de se sentir ameaçada. O pior de tudo isso era que seu medo, se tornara realidade.
— Eu não estou acreditando nisso... — sussurrou enquanto se vestia. — Quando foi que isso aconteceu?
— Há duas semanas. — ele a observava vestir a roupa desajeitadamente, suas pequenas mãos tremiam de nervosismo, raiva e tristeza. Todos esses sentimentos esmagavam seu coração sem dó.
— Por que não me disse antes? — as lágrimas que ela tanto lutava para não derramar, caíam silenciosas por sua face. — Por que, Thomas?
— Eu não sabia como, não queria te dizer que fracassei. Eu te disse que iria resolver essa situação com nossos pais, mas só fui capaz de piorar tudo. — a abraçou e gentilmente enxugou seu rosto. — Eu não pude vir antes e não queria te dizer isso por cartas.
— Você não pode se casar com ela, Tom... não pode! — o empurrou sentindo uma raiva repentina. Eles haviam lutado tanto para ficarem juntos e ele agora desistiria assim? Facilmente? — Não vai lutar por nós?
— Meu pai ele... ele me obrigou a fazer uma escolha... — sorriu sem humor. — Ele iria casar a Adelaide com o lorde Bennett, se eu não me casasse com a Srta. Hunt. Você sabe que ela detesta aquele homem. Eu não podia fazer isso com minha irmã, Valentina. Desculpe. Não posso deixar alguém que não tem nada a ver com tudo isso, ser prejudicado.
— Mas deixará fazerem isso conosco? Sabe que não terá volta! — indignou-se tomada pelo desespero e decepção. — Não, não... Há de haver um outro jeito...
— O casamento já está marcado para semana que vem, Adelaide está arrasada. — Thomas acariciava o rosto corado de Valentina, enquanto, enxugava suas lágrimas. — Eu nunca seria feliz sabendo que minha irmã sofreria pelo resto dos seus dias, por minha causa. Além disso, eu... eu andei pensando e talvez será melhor assim...
— O que? Como assim? — ele segurava o seu rosto e possuía seus olhos presos nos dela.
— Você conhecerá outra pessoa, tenho certeza. Linda e encantadora do jeito que é... você será feliz, meu amor... pelo menos um de nós será... — lágrimas escorreram por sua face e Valentina se desesperou em seus braços. Seu coração estava dilacerado. — Nossas famílias por um motivo desconhecido se odeiam, como nós poderíamos ser felizes assim? Sob a mira do ódio dos nossos familiares?
— Não, não pode ser, porque nossos pais se odeiam tanto... — murmurou contra o peito dele. — Por que seus pais me odeiam tanto? Por que eles fazem isso conosco?
— Eles não te odeiam, meu amor... deixaram o rancor e assuntos mal resolvidos interferirem em nosso futuro. — Valentina maneou a cabeça sentindo-se vazia por dentro.
Seus braços envolveram o corpo do rapaz e ela pousou sua cabeça no peito dele, ouvindo o seu coração, que batia acelerado, assim como o dela.
— Eu... eu tenho que ir. — falou com a voz trêmula, quebrando aquele contato bom, mas que já os transmitia nostalgia. — Anne já deve estar preocupada.
— Fique mais um pouco, por favor... — os olhos de Thomas a fitavam aflitos e angustiados, ela evitou seu olhar, direcionando seus olhos para o chão e negou o pedido.
— Eu tenho que ir. — repetiu, reunindo todas as suas últimas forças para negar o pedido, que ecoava o seu desejo. Enxugou as lágrimas enquanto a sensação de vazio crescia ainda mais dentro do peito.
— Se é isso que deseja... — ele fitou o colar de pedra verde que descansava no pescoço desnudo, fora um presente seu, que pertencera a sua avó. O primeiro presente que ele lhe dera. — Eu... ficarei de olho em você até chegar segura em casa.
Valentina vestiu sua capa e se pôs a caminhar, com passos lentos - não queria deixá-lo, queria ficar o restante da noite em seus braços acolhedores, mas sabia que não podia fazer isso, querendo ou não, ele era noivo de outra pessoa.
Sua cabeça pesava com a dor da perda do seu primeiro amor.
Sem nem sequer dar dez passos, sentiu um aperto leve em sua mão, ela fitou Thomas que não conseguindo deixá-la partir, a puxou para si repentinamente e lhe beijou apaixonadamente, deixando Valentina completamente sem ar.
— Gostaria que isso não fosse um adeus — murmurou ainda com seus rostos próximos. —, e sim, um até logo.
Ela o fitou com os olhos brilhantes, cheios de esperança, mas também de dor. Sabia que era apenas palavras jogadas ao vento, nenhum dos dois eram donos dos seus destinos, não naquele momento.
— Eu também — respondeu com um sorriso dolorosamente sincero cruzando seus lábios.
Valentina correu seus pequenos dedos delicadamente pelo rosto jovial do rapaz, fitou os intensos olhos azuis que a olhavam com ternura, mas também com tristeza. Ela fechou os olhos aproximando seus lábios nos dele, com a certeza de que seria a última vez.