Capítulo IV
Valentina andava sem rumo pelos campos ao redor da sua casa, era final de tarde e o sol já estava perto de se despedir, mesmo assim, seu calor morno banhava seu rosto como uma carícia de um amante apaixonado.
De onde estava, ela podia ouvir o barulho do rio, – não muito longe dali – que cortava as terras da sua família. De repente, um sentimento nostálgico dominou seu coração e um forte desejo de ir até lá a preencheu, mas ela se conteve. A moça não visitava aquele lugar tão significativo desde que Thomas lhe dissera que havia ficado noivo de outra pessoa, ela prentendia continuar não indo, mesmo que seu coração implorasse por aquilo.
Desviando de um galho de árvore, enquanto sua mente estava cheia de pensamentos como o baile de noivado de Robert e com os sentimentos de Ivone em relação a isso, sua cabeça começava a doer.
Ela gostaria de vê-los juntos, pois estava na cara que existia um sentimento forte entre os dois e esse sentimento dificilmente morreria, mas também entendia que mesmo que fosse óbvio ver que havia amor entre eles, a coragem para decidir ficar juntos, teria que partir dos dois lados.
— Você não deveria está se aprontando para o baile? — perguntou Charles, aparecendo do seu lado segurando uma carta.
— Ainda tenho tempo — murmurou em resposta, sentindo uma brisa fria chocar-se contra seu rosto. — E você, também não deveria está se aprontando?
— Eu já estou pronto, não está vendo? — ele fez um gesto sugestivo apontando para sua roupa.
— Você não tem medo de sujar suas roupas? Estamos no meio do campo.
— Está tudo bem, eu ando com cuidado — falou — Estou bonito?
Valentina o reparou bem tentando encontrar algo fora do lugar.
— É… você está bonito — ela sorriu — Vai passar na casa dos Harrison antes?
— Não, a Nicole não vai, ela não está se sentindo bem esses dias — murmurou como se pensasse em algo — Desde aquela manhã no jardim, ela sempre está passando mal. Estou começando a ficar verdadeiramente preocupado com ela. Estou pensando em levá-la para Londres para fazer alguns exames.
— Eu também notei, com certeza é uma boa ideia. Ela não me diz muito sobre esse assunto, só fala que logo ficará bem. Fico feliz que se preocupe tanto com a minha amiga — Valentina abraçou o irmão. — Você será um bom marido.
Ele sorriu com o elogio, e suas bochechas ficaram coradas. Charles não era um homem transparente em relação aos seus sentimentos, mas se tratando de Nicole e seu amor por ela, ele não conseguia esconder.
— Após o seu baile de aniversário, comunicarei aos pais dela sobre isso, tenho certeza que não irão se opor.
— Quando a pedirá em casamento? A pobrezinha já deve está ansiosa, já faz quase um ano que você a corteja. — Valentina sorriu mais uma vez, sua amiga tinha uma tremenda sorte. Charles seria um marido amoroso e respeitoso e consequentemente um pai carinhoso e gentil, algo difícil de se ver naqueles tempos de casamentos arranjados por puro interesse dos dois lados, sortudo era aquele, – pensava Valentina –, que se casava por amor.
— Estou trabalhando nisso… já até comprei o anel, quero fazer uma surpresa para ela. — o sorriso que Charles deu, aqueceu o coração da irmã. Ela deseja que seu irmão fosse feliz com a mulher que sempre amara, esperava que no futuro, quando pudesse amar alguém novamente, encontrasse um amor tão belo e verdadeiro como o do seu irmão.
— Tenho certeza que ela vai gostar da sua surpresa, independente de como seja, Nicole ama esse tipo de coisa e principalmente, ama você.
— Deus te ouça, fico nervoso só de pensar no que irei fazer… mas mudando de assunto, como está você e Marcus? O papai me disse que vocês estão cada vez mais próximos. Ele está radiante com a possibilidade de ver você se casando com alguém, principalmente com o filho mais velho de uma das famílias mais renomadas da região… ele gosta da ideia de juntar o útil ao agradável.
— Papai é um falastrão. Marcus e eu somos apenas bons amigos, não há nada além disso. Basta apenas um Murray se casando com um Harrison.
— Entendo, Marcus é um bom rapaz, porém passa a milhas de um casamento.
— Acredito que ele nunca sequer tenha se apaixonado algum dia — comentou Valentina. — O papai não entende que o que nos aproxima é a nossa amizade de longa data.
— O Marcus não gosta de se envolver seriamente com alguém — Charles pensou no que seu amigo lhe confessara certa vez, de que havia se apaixonado por uma moça, quando estava de passagem em Paris, mas ela acabara se casando com outro, foi a única fez que ele falara de alguém para ele. — Mas não é com o meu amigo que eu me preocupo… Valentina, você ainda pensa nele? — indagou cauteloso, fitando os olhos castanhos da irmã.
— Em quem? — a caçula mordeu a bochecha desgostosa com a mudança repentina de assunto.
Ela olhou para o céu, observando as nuvens se moverem de forma apressada, fitou o irmão de relance, evitando seus olhos, não queria falar sobre aquele assunto, não naquele momento.
— Você sabe de quem estou falando, não precisamos citar nomes, não é mesmo? — ele ergueu uma sobrancelha, inquisidor. Sua irmã àquela altura já devia ter superado seu primeiro amor, mas Charles bem sabia que não era tão simples. Quando Nicole fora morar com a tia, seu amor parecia queimar feito brasa, ele não conseguia pensar em nada a não ser ela, não via a hora de reencontrá-la.
— Não sei de que maneira isso é da sua conta — ela o olhou a contragosto nos olhos, a resposta estava lá, clara e límpida.
— É claro que pensa… — murmurou com um suspiro ruidoso. — Você tem que seguir em frente, Tina… não pode ficar presa para sempre a alguém que já esteja casado.
— Pare de dizer essas coisas, eu não penso nele… faz tanto tempo que nos vimos… não há sentido suas indagações…
— Você fala como se o tempo fosse algo capaz de apagar sentimento enraizados em nossos corações… às vezes o tempo, minha irmã, só o intensifica. — ele se lembrou dos seus próprios sentimentos quando reencontrou Nicole, anos depois de descobrir que a amava, seu coração parecia que iria explodir, Charles se segurou para não beijá-la naquele dia.
— Por que está me dizendo essas coisas? — questionou Valentina irritada, aquele assunto ainda a incomodava bastante.
— Só estou dizendo, que nada é tão simples… e a conhecendo como eu a conheço, temo que faça alguma loucura quando descobrir que… — Charles fora interrompido por uma voz suave, porém esganiçada, que alcançou seus ouvidos naquele momento, logo depois uma ofegante Anne aparecera em seu campo de visão.
— Senhorita! — Anne andava em passos apressados em direção aos dois. Valentina que tinha seus olhos grudados no rosto do irmão, virou-se bruscamente para fitar a face corada da sua dama de companhia, que possuia alguns fios de cabelo desprendido do seu coque.
— O que houve, Anne? — perguntou quando a mesma se aproximou.
— A senhorita precisa vir comigo, o baile começará daqui duas horas, a senhorita não tem mais tempo para enrolação e também, a Srta. McGowan está a sua espera. — ela voltou sua atenção para Charles e lhe fez uma rápida mesura. — Senhor… vosso pai o aguarda no escritório.
— Obrigado Srta. Silver — ele respondeu como uma vênia e começou a se afastar das duas.
— Ei, Charles… o que queria me dizer?
— Ah, não é nada de importante… em outro momento podemos conversar sobre isso, agora vá se arrumar… a duquesa Price me disse que está ansiosa para vê-la, já que faz tanto tempo que a visitou.
— Está bem, então… — respondeu uma Valentina um tanto quanto desconfiada.
…
Anne fazia o coque com grande cuidado, para não desfazer os cachos perfeitos do penteado elaborado de Valentina. Àqueles toques suaves a deixavam relaxada, quase sonolenta, se não fosse o noivado do seu amigo, ela com certeza desistiria de sair de casa naquela tarde para recompensar às horas de sono que perdera na noite anterior lendo um romance que lhe prendera do início ao fim.
Enquanto não podia se mexer, ela fitava através do espelho o reflexo da sua prima, que folheava uma revista de moda, deitada em sua cama, apesar de não comentar nada sobre o evento daquela noite, seu semblante era de tristeza. Os olhos inchados e avermelhados denunciavam o quanto ela havia chorado em algum momento daquele dia.
— Como você está? — perguntou, quando não aguentou mais o silêncio que se instalava no cômodo.
— Do que você está falando? Eu estou bem… ótima de tão bem. — disse Ivone, sem tirar os olhos da revista.
— Não minta para mim, sei muito bem que está triste, que está tentando fingir que não sente nada e que não se importa.
— Sim, eu não me importo! Dane-se aquele maldito! — esbravejou enquanto rasgava sem querer a revista.
— Estava tentando respeitar seu silêncio, mas parece que ele está te sufocando... não consigo te ver assim — disse observando a amiga tentando segurar o choro — Por que não vai até ele agora mesmo e acaba de uma vez com esse sofrimento? Diga para ele que mentiu ao dizer que não o ama e que nunca o esqueceu, ele também te ama, Ivone… tenho certeza que…
— Você realmente acredita nisso? — Ivone fitava os olhos de Valentina através do espelho — Você mais do que ninguém sabe que não é tão simples… sabe que por mais que alguém queira algo, não é tão simples tê-lo. Há muitas coisas em jogo, toda a família Price apoia esse noivado, afinal, eles só tem a ganhar… a família Marxfild é uma das mais antigas e ricas de toda a Brighton, possui contatos em diversos lugares… e quanto a mim? A filha mais velha de um velho bêbado que perdeu praticamente tudo devido ao seu vício em jogos, uma moça que já não é tão delicada e nem sequer tem um dote, que tem as mãos calejadas de tanto trabalhar para poder ajudar no sustento de casa, que tem uma honra questionável devido a todas as fofocas que a própria Sra. Price espalha para poder manchar meu nome… Robert só tem a perder escolhendo a mim, vivemos em um mundo de interesses e eu não tenho nada a oferecer…
— Não diga bobagens — Valentina foi até sua amiga e a abraçou. Ivone, naquela altura, tinha seu rosto banhado por lágrimas. — Você tem o que há de mais importante em um relacionamento para que ele dê certo, você emana amor, você o ama, e se ele te ama, não se importara com nada disso… você é tão doce e amável, você é uma filha dedicada, é muito inteligente e divertida, aprende rápido e sabe cozinhar como ninguém e nunca, nunca desiste dos seus sonhos… reunindo todos esses atributos, chego a conclusão que o Robert só tem a ganhar ficando com você.
— Você só diz isso porque é minha amiga — murmurou Ivone contra o ombro da amiga. Era difícil para Valentina acreditar que sua prima tão forte, às vezes poderia ficar tão vulnerável. Mas isso tudo confirmava um pensamento seu, o amor na mesma medida que curava, também feria, mesmo que não fosse algo intencional.
— Isso não é verdade. Títulos e poder pode ser importantes, confesso, mas amor, minha amiga, está em outro patamar… o amor é algo poderoso, somos capazes de fazer coisas inimagináveis por causa dele… — nesse momento Valentina lembrou-se de Thomas e da decisão dele em romper com ela, ela não entendera naquela época, mas ali, abraçando sua amiga, ela soubera que tudo o que ele fez foi por amor a irmã. — O Robert não seria nem o primeiro e nem o último homem a renunciar tudo pela mulher que ama.
— Senhorita… — falou uma Anne hesitante — A carruagem já está a sua espera.
Valentina enxugou às lágrimas que derramara sem nem ao menos perceber.
— Eu não irei, eu ficarei com a minha amiga. — disse determinada, não deixaria sua prima naquele estado de forma nenhuma. Ela inventaria alguma desculpa para Robert e ele entenderia.
— Não… você tem que ir… — protestou Ivone, se levantando da cama — Você é a melhor amiga dele, ele vai gostar de te ter por lá, sabe... ele fica nervoso quando tem muita atenção voltada para ele, além do mais a própria duquesa faz questão da sua presença e você sabe como essas pessoas se magoam fácil...
— Mas e você? Você não está nada bem… precisa de companhia.
— Eu ficarei com a Maggie, já que ela não irá também. — ela segurou as mãos de Valentina e a fitou — Eu estou bem, você pode ir tranquila.
— Tem certeza?
— Absoluta — Ivone sorriu enquanto enxugava as lágrimas. Naquele mesmo momento seu rosto se iluminou, apesar de tudo, ela continuava a sorrir. Esse era um dos traços que Valentina mais admirava em Ivone, que era mais que uma amiga, mais que uma prima, ela lhe considerava uma irmã.
— Está bem… eu irei, mas farei de tudo para voltar mais cedo. — ela calçou suas luvas de pelica e cobriu seus ombros com um bonito xale — Durma aqui essa noite.
— Certo. Prima... — Ivone a chamou quando ela estava prestes a deixar o quarto — Obrigada por tudo!
— Não agradeça, sei que faria o mesmo por mim — falou, saindo do cômodo.