Capítulo 5
– Oh, é verdade, Sara? – Perguntou minha mãe parecendo assustada com tal notícia. Não era para menos, eu não conseguia nem formular uma frase com sentido depois dessa. Voltei meus olhos para Alexander. Aparentemente ele estava falando a verdade.
– Sim. – Consigo dizer ainda tontamente, porque não sei exatamente o que falar. – Hã, amorzinho, a gente pode ter uma conversa rapidinho, por ali? – Pergunto apontando para o corredor, já que a minha cozinha é americana e tornaria a fazer minha mãe e minha vó ouvirem o que tenho que falar.
– Claro. – Ele responde com um sorriso cínico. Já sinto raiva desse sorriso antes mesmo de o conhecer direito. Na verdade, se eu pudesse, empanava ele e fritava, como um peixe malvadão.
– A gente espera aqui. Vão falar. – Diz minha mãe com o melhor dos sorrisos na cara. Acho que ela está tão feliz, que qualquer coisa que dissermos ela irá concordar. Por que ela nunca imaginou a filha dela com um namorado, ainda mais o suposto chefe.
Ou ela está imaginando coisas muito feias, e eu não quero pensar nisso.
Segui para o corredor seguida de Alexander, que parecia alheio a toda raiva que eu tinha. Eu não era de demonstrar meus sentimentos, na maioria das vezes conseguia controlar todos, de modo que eu parecia uma pessoa sempre tranquila. Mas, por dentro, eu estava pegando fogo. Ainda que não parecesse.
– Sim? – Ele perguntou. Respirei fundo.
– O que diabos é isso? – Pergunto sussurrando, porque, vai saber se as mulheres não decidem ficar quietas só para nos ouvir.
– Como assim? – Ele pergunta se divertindo, aparentemente. – Eu sou o seu chefe. Achei muito engraçado você não ter me reconhecido. Meu Deus, em que mundo você vive, Sara? – Ele me perguntou. Bem, nem eu sabia decerto. Mas isso não era o caso!
– Não, não isso! – Digo tentando continuar sussurrando, mas estou eufórica demais. – Porque você está mentindo assim para minha mãe e minha avó? Eu não te dei permissão para isso! Na verdade, maldito momento que deixei você entrar! – Exasperei fazendo um novo sorriso brotar na face do mocetão.
– Isso é uma proposta, Sara. – Ele diz parecendo muito calmo. Continuo o ouvindo. – Uma troca equivalente. Simples assim.
– Eu sei o que é uma troca equivalente. – Ralho ofendida. – Só estou esperando qual a troca alucinante que você quer com essa proposta. – Termino já sentindo um frio na espinha. Na verdade, o medo do que eu possa vir a ouvir é tão grande que só consigo pensar em como tudo isso começou.
– Eu te dou o cargo de chef...
– Aham, já ouvi isso. – Interrompo Alexander que me fuzila com os olhos.
– E você me auxilia hã, em alguns planos que tenho em mente. Mas, para que eles sejam postos em pauta você... – Ele pausa um pouco, parecendo ainda pensar em como me dar esse tipo de recado sem que eu pareça pirar.
– Eu...? – Pergunto ainda com certo medo.
– Você se torna minha noiva de mentira. – Ele murmura como se essa fosse uma palavra contaminante e que poderia matá-lo. Por um segundo, eu só consigo ficar assimilando aquela palavra estranha. Noiva. Sequer namorei por muito tempo, noiva então parece ser uma palavra de outro mundo para mim.
E fico ainda paralisada pensando por alguns segundos. Eu seria capaz de uma troca assim pela minha profissão? Uma das coisas que eu mais prezava e tinha prazer em fazer. Eu faria algo assim por isso? Trocaria minha vida social por um cargo de prestígio, um cargo que uma pessoa da minha idade aparenta nunca ter a chance de ter?
Eu faria isso?
– Okay, você está demorando demais na resposta. É pegar ou largar. – Diz Alexander me tirando do meu torpor imaginário.
– Quando você pensou nisso? – Pergunto ainda meio confusa com a proposta.
– No carro, quando você disse que trabalhava no meu restaurante. Surgiu nesse segundo a ideia. – Ele diz com um sorriso brincalhão na face e eu respiro ainda pensando.
– Por que eu? – Okay, essa não é a melhor pergunta a se fazer. – Okay, eu era a pessoa certa no lugar certo. Entendi. – Respirei fundo. Ainda precisava tomar a minha decisão e estava divagando ainda.
– Então...? – Ele me pergunta arqueando a sobrancelha. Aparentemente, estou demorando muito para dar a minha resposta. Suspiro.
– Certo. Eu aceito. Com uma condição. – Digo e Alexander me fuzila com o olhar esperando aparentemente o meu pedido monstruoso.
– Sim?
– Você vai me explicar essa história direitinho de noiva aí e vamos ter algumas regras no meio disso tudo. – E eu aparentemente estava enlouquecendo também, pois estava concordando com essa ideia maluca, sem sentindo algum, somente por prezar muito pela minha profissão e futuro.
– Okay. Sou todos ouvidos. – Ele diz com um sorriso tão grande, com dentes tão perfeitamente em amostra, que fico pensando porque ele está tão feliz, quando eu ainda me sinto uma insegura.
– Não agora! – Ralho. – Eu ainda preciso pensar. – E estou sendo sincera quanto a isso. Perto de Alexander, minha mente parece estar um pouco nebulosa, batendo ideias de um lado para o outro, fazendo estrondos. E eu preciso de calma para pensar nessas regras, porque isso é algo muito sério e eu acredito que somente quando eu estiver longe dele, vou conseguir pensar com um pouco de calma onde eu me enfiei nessa história toda.
Devo estar drogada e não sei.
Faz sentido.
– Sa? – Chama minha mãe e eu sei que em poucos segundos elas vão estar procurando por nós. Olho para Alexander.
– Agora é a hora que você me dá o seu número de celular para marcarmos depois e se manda embora. – Digo tentando não parecer grossa, mas acho que isso as vezes é inerente a mim.
– Não. – Diz Alexander para a minha surpresa. Quase faço um “O” com a boca, tentando entender quem deu confiança para o moço falar assim comigo, mas ele logo completa. – Você não vai conseguir ganhar assim de uma hora para a outra, principalmente para meu pai. Vem, eu vou te ensinar como você deve fazer o linguado amanhã. – Diz Alexander andando e eu só consigo acompanha-lo, com um delete de alguns segundos, tentando entender se isso é um sonho ou se estou drogada mesmo.
– Vou cozinhar para vocês hoje, senhoras. – Diz Alexander com um sorriso galanteador. Obviamente, minha mãe e minha avó só suspiram, tentando entender porque escondi esse homem maravilhoso delas.
Ele não existia antes, okay, mãe e vó? E bem, ele não existiria também se não fosse essa espécie de contrato.
– Hm... Então sabes cozinhar? – Perguntou minha vó levantando-se com dificuldade da poltrona. Para ela, uma mulher deveria cozinhar para seu homem, mas se ele soubesse o fazer também, era um deus na terra, prestes a casar.
– Um pouco. – Brinca Alexander, já que sei da conversa do carro que ele sabe sim cozinhar, e um poucão para falar a verdade. – Vamos ver se sou aprovado. – Ele brinca novamente tirando suspiros e sorrisos das mulheres. Okay, pode parar, homem. Ninguém te disse para ser assim com elas. Não é para conquistar ninguém, até porque quando isso acabar elas vão querer me crucificar por perder um homem assim.
Isso! Preciso pensar no prazo que isso vai durar. É uma boa ideia.
Alexander não demora e logo se direciona a minha cozinha. Acompanho-o, em seu encalço, enquanto me proponho a ajudá-lo. Não nos falamos enquanto cozinhamos e eu gosto disso. Maior concentração no trabalho, maior concentração no que estamos fazendo.
O melhor de tudo é que parecemos nos entrosar perfeitamente. Não precisamos falar nada um para o outro, pois parece que já sabemos exatamente onde um começa e o outro inicia. Acho que Alexander sabe realmente cozinhar, ou melhor, como se portar numa cozinha.
Não demoramos muito e logo está pronto o que deveria ser a janta que eu tinha proposto como teste. Observei algumas coisas que Alexander fazia, propondo a utilizar das mesmas técnicas no teste do outro dia.
Até que eram boas. Mas ele não precisava saber que eu achava isso.
– Janta pronta, senhoras! – Diz Alexander com um sorriso pequeno no canto dos lábios. Parecia que era de propósito para fazer as senhoras suspirarem, o que não demorou para elas fazerem.
– Vamos experimentar, então. – Elas dizem. Não sei exatamente o que fazer, além de pensar seriamente em morrer. Coloco os pratos em cima da bancada da cozinha, porque não tenho mesa no meu humilde minúsculo apartamento, que é perfeito para uma pessoa só. Não para, hã, digamos que quatro.
Minha mãe tira o prato da minha vó primeiro, vindo ao encontro dela para ajuda-la a se levantar. Vou ao encontro delas, ajudando minha vó também, já que não acho que minha mãe tem tanta força assim.
Conseguimos. Vovó se encaminha para sentar num dos bancos enquanto resmunga, como sempre costuma fazer quando vem para o meu apartamento.
– Esses bancos, só para acabar com a minha coluna que já não é tão boa assim! Isso é coisa desses jovens, que vão ficar velhos tortos com essas cadeiras da moda que são tudo ruim. – Ela diz enfatizando o quanto odeia os banquinhos que eu comprei, na falta de ter dinheiro para comprar bancos mais sofisticados.
Mas tudo isso ficou para escanteio assim que elas passaram a comer o prato do meu suposto namorado. E eu também fiquei quieta, tendo que engolir até o último resquício da minha saliva para me fazer me calar bem caladinha mesmo. Por que o prato não estava só bom. O prato estava divinamente delicioso. As explosões de sabor eram tantas que por um segundo eu fechei os olhos concentrando-me somente no paladar.
– Está bom, Sara? – Me pergunta Alexander e pela sonoridade da sua voz, percebo que ele está sendo bem irônico na pergunta, pois ele sabe que está bom, não precisa perguntar esse tipo de coisa para mim. E ele percebe isso, só está tirando com a minha cara.
Abro os olhos novamente, levemente ofendida pela cara de pau dele de ainda abrir um sorriso no canto dos lábios, como se estivesse satisfeito antes mesmo de eu dar uma resposta satisfatória.
– Um homem prendado! – Exclama vovó quase engasgando com o pedaço de peixe, mas com os olhos brilhando tanto que tenho medo de vovó ter um ataque cardíaco antes de fazer a operação no olho.
– Oh, muito obrigado pelo elogio. – Diz Alexander e vovó balança a cabeça negando.
– Quero conhecer seus pais. Quando poderemos conhece-los? Com mãos tão fabulosas assim, imagino a dos seus pais. – Diz vovó como se a correlação de uma pessoa cozinhar tivesse tudo a ver com os pais da pessoa. Ela mesmo sabia que esse tipo de correlação não se podia ser feito na nossa família. Embora vovó fosse uma cozinheira de mão cheia, mamãe preferia decoração e arrumação da casa, em vez de cozinhar. Quando ela se arriscava, era muito ela fazer um omelete.
Fui treinada com o paladar de minha vó, por conseguinte.
Sempre fomos uma família reunida, na medida do possível. Tenho muitos primos e tias e tios e vovó faz questão de reunir todos sempre que pode. Ela se ajunta com as filhas e noras e partem para a cozinha no dia de domingo. Em algumas cidades do interior, isso ainda é muito forte, como na minha cidade. E embora eu já não faça mais parte dessa reunião há um bom tempo, vovó não para de fazê-las mesmo assim.
– Na verdade, meus pais não cozinham muito. Temos uma Chef. – E ao dizer isso percebo que Alexander parece realmente desapontado ao falar isso. Como se realmente sentisse que isso não tivesse sido herdado. Só não consigo reconhecer porquê. O assunto acaba passando.
– Está uma delícia. Mas conte mais sobre você, querido. Sarinha nunca nos falou de você. – Começa minha mãe fazendo uma pequena veia saltar na minha testa. Ela não era de me chamar de Sarinha. Na verdade, quase ninguém me chamava assim e agora todos tinham tido a esplendida ideia de o fazer.
– Se serve de consolo, eu pedi o anonimato. – Disse Alexander fazendo rapidamente minha atenção voltar para a dele. – Eu queria conhecer antes as senhoras. Pedi para que ela não falasse de mim até que nos conhecêssemos. Espero que vocês não tenham ficado sentidas com isso. – Quase arqueei a boca sem acreditar. Meu Deus, onde esse mentiroso estava querendo se meter? E Jesus! Como ele mentia bem!
O que não era algo para se acentuar como bom. Claro. Foi só um comentário meu.
– Ah, não tem problema. – Disse minha mãe se derretendo novamente. Acho que se Alexander soltasse um pum, elas iam ainda assim continuar achando ele o homem mais lindo do universo, e que eu tive a sorte do mundo e que se eu não agarrasse essa oportunidade, elas me fariam casar a força com o dito cujo.
O pensamento fez a minha espinha congelar por alguns segundos.
Okay. Pensamento muito macabro. Nada de casamento. Ainda mais com o homem mentiroso.
Não que eu não quisesse casamentos, mas, talvez, não agora, com uma pessoa que eu não conhecia, por um motivo ainda pior, já que não era por amor.
– Bem, eu já vou me recolher, que minhas juntas estão me matando e amanhã eu acordo cedo. – Disse minha vó se levantando da cadeira com dificuldade. Minha mãe já estava recolhendo os pratos e colocando na pia. Eu teria que ficar a cargo da limpeza dos pratos, provavelmente.
– Eu também. Preciso tomar um banho. Estou me sentindo suada daquele ônibus terrível. Sarinha, querida – O simples ato de chamar meu nome fez meus pelos eriçarem. Lá vinha minha mãe com uma – Por que você não acompanha o seu namorado até lá embaixo? – Ela pergunta como se fosse apenas uma sugestão inocente para ficarmos juntos num lugar reservado. Engulo em seco. Estou ainda em um torpor. Não sei exatamente o que é realidade e o que não é.
– Claro. – Respondo olhando Alexander que mal recebe o meu olhar de “vamos descer logo” e já se encaminha para a porta prestes a sair com calma.
– Então eu já vou indo. Foi um prazer conhecer vocês. Amorzinho, posso estar te buscando amanhã à noite, então? – Ele pergunta como se não quisesse nada.
– Não! – Respondo num sonoro palavreado.