Capítulo 2
O sol mergulhava no horizonte e terminava mais um longo dia no entardecer primaveril. Nicole arrumou o quarto do apartamento de Lana na zona sul do Rio de Janeiro, fechou a persiana em tom bege e acariciou a barriga que começava a tomar forma no tecido leve do vestido verde florido.
Fazia alguns dias que Nicole não via Alexander e, por mais que fosse difícil recomeçar a vida em um lugar completamente diferente, ela enfrentava um dia de cada vez. Nicole estava consciente que demoraria algum tempo até ter um sentimento mais positivo em relação a mais uma separação.
― Mamãe, cheguei!
Alex entrou no quarto com os cabelos molhados e com um pouco de areia.
― O tio David me ensinou a surfar. ― Um sorriso cruzou o rosto meigo e infantil. ― Foi o melhor aniversário da minha vida!
― Ele mandou bem!
David sorriu ao aparecer na porta com bermudão azul florido e uma camiseta preta.
― Acredito que logo você terá um campeão surfista em casa.
― Que legal!
Nicole mexeu nos fios de cabelos de Alex para tirar os resquícios de areia da praia. Sentiu-se grata pelo filho ter se divertido naquele dia.
― Alex, agora vá tomar um banho. Daqui a pouco a sua tia vai chegar com seu bolo de aniversário.
― É do Batman?
― Claro!
Nicole pegou algumas toalhas de banho no closet e algumas peças de roupas e as entregou para Alex. Encaminhou-se para a sala enquanto Alex corria para o banheiro.
David acompanhou Nicole até a sala e não deixou de reparar no brilho que reluzia o olhar de Nicole.
― Você está linda! ― Exibiu um sorriso calmo! ― Os castanhos dos teus olhos são mais intensos do que qualquer azul do mar.
Nicole sentou-se no sofá, o rosto enrubesceu com o olhar de David. Ajeitou o vestido sobre o joelho e encarou os dedos das mãos. Olhou para o lado por alguns segundos e ergueu o olhar na direção dele.
― Eu quero te agradecer pelo cuidado com o Alex! Fazia alguns dias que eu não via meu filho animado desse jeito. Nesses últimos dias ele acordava chorando e chamando pelo pai ― confessou ela em um tom compungido. ― Só te peço que não se aproveite da fragilidade do meu filho para me cativar, eu estimo a sua amizade, não há nada que eu queira, além disso.
― De forma alguma, Nicky! ― Ele levantou ainda mais as sobrancelhas.
David sentou-se à beira do sofá em formato de L, estofado por um tecido verde.
― Eu sei quanto você ama o Alexander e como ele partiu seu coração, lamento se eu fui desrespeitoso de alguma forma. ― Levou a mão à testa e abaixou a cabeça. ― Eu apenas pensei alto.
A expressão de Nicole congelou ao ver a porta da sala se abrir, o homem de porte físico intimidador entrou logo após a mulher esbelta de estatura mediana.
Jenny tinha um embrulho de uma confeitaria nas pequenas mãos e Alexander segurava uma enorme caixa embrulhada em um papel de presente colorido.
― David sai do sofá agora, você está molhado! ― Jenny mandou. ― É hoje que a Lana vai me matar. ― Acenou as mãos com desdém.
― Fique calma, Jenny! ― David conteve o riso e mirou em Alexander. ― Olá, doutor Bittencourt! ― Estendeu a mão para cumprimentá-lo, comprimiu os olhos, sentiu dor no aperto firme.
― Estou melhor agora por rever a minha esposa. ― Ocultou a raiva em um sorriso forçado.
― Até onde eu sei, a minha amiga não é mais a sua esposa!
A carranca de Alexander demonstrava insatisfação por ver a proximidade de David com Nicole.
― Não pertenço a ninguém! ― Nicole se impôs. ― Hoje é aniversário do meu filho. Deixe a guerra de egos para o trabalho de vocês.
― Eu já vou, tenho uma cirurgia marcada para hoje à noite. Eu só vim trazer o Alex. Ele está animado com o aniversário dele. ― David fez um gesto em direção ao bolo na mão de Jenny. ― Ensinei ele a surfar.
― Onde está o meu filho? ― O olhar de Alexander perscrutou o rosto de Nicole. ― Eu quero ver o Alex.
― Ele está no banho! ―Nicole mexeu no nó dos dedos.
― David cai fora! ― Jenny ordenou.
― Sua educação foi tirar férias na Disney? ― David pegou a prancha branca com alguns detalhes na cor preta. ― Dá um abraço, prima, nós brigamos, mas nos amamos.
― Cala a boca! ― Jenny se afastou. ― Não, David! Você está molhado!
― Docinha como o limão! ― Tinha rugas nos olhos puxados quando David sorriu. ― Vejo vocês amanhã. ― Saiu pela porta.
O senso de humor da família Kim divertia Nicole, o sorriso aumentava com as provocações dos primos que mais pareciam duas crianças no Jardim de Infância. Ela abaixou os olhos ao notar a expressão de desgosto no olhar de Alexander.
― Com licença! Eu vou ver se meu afilhado precisa de ajuda. ― Jenny se esgueirou e saiu pelos corredores.
Após tirar o blazer, Alexander abriu a abotoadura e puxou as mangas da blusa branca até a altura do antebraço. Admirou a barriga que avolumou o tecido da roupa de Nicole.
― Podemos conversar por um minuto? ― Quebrou o silêncio.
― Alexander, o que você faz aqui? ― Levantou a cabeça, os olhos se cruzaram. ― Você leu o que eu escrevi no bilhete?
― Não, Nicky! Não li a merda do bilhete. ― Cuspiu as palavras.
― Eu preciso de um tempo longe de você. Quero clarear os meus pensamentos, não dá para pensar com você me rondando. ― O tom de voz parecia estranho.
― Estou há dias procurando por vocês. Hoje é o aniversário do meu filho e você nem teve a consideração de me avisar onde vocês estavam.
― Eu precisava desse tempo longe, Alexander. ― Baixou os ombros. ― Tentei fazer parte do seu mundo, mas não deu certo. ― Respirou com pesar.
― Você tentou? ― Deu um sorriso de canto de boca. ― Você nem me deu oportunidade de te explicar. Você não estava lá quando acordei. Eu te liguei várias vezes. ― O tom irascível fez Nicole encolher no sofá.
Copyright © 2.021 por Ana Paula P. Silva