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04

Blake acordou com um cheiro horrível. Com aquele fedor e tudo escuro,

por um momento, ele achou que estava em um depósito de lixo.

Então ele ouviu a voz dela. “Pare de se contorcer, as pessoas vão notar.”

Levou um segundo para ele reconhecer quem falou. Era a vampira, Elise. Blake piscou e sua visão clareou o suficiente para perceber que estava escuro porque alguma coisa estava sobre seu rosto. Algo que fedia a odor corporal e coisas que ele não queria nem mencionar. Somado a pior dor de cabeça que ele já teve e Blake achou que ia vomitar.

Mas ele ainda estava com Elise, mesmo depois de o demônio ter tirado o

controle dele.

“Alguém foi morto? Ferido?” Blake perguntou, o temor se espalhando sobre ele.

“Não. Agora pare de falar.”

Perante aquelas palavras, Blake não se importou com a rispidez dela, sua posição que dava câimbras com o joelho pressionado no queixo, o fedor ou a pulsação na cabeça. O demônio tinha se apossado dele – mas a vampira evitou que ele ferisse alguém. Pela primeira vez em meses, Blake sentiu uma ponta de esperança.

O que quer que seja a coisa na qual ele estava enfiado, vibrava. Pelo que parecia, Elise o estava empurrando ao longo uma superfície irregular. Estava quente, também, e com o fedor do tecido escuro que o cobria, difícil de respirar.

Blake puxou o tecido mofado de cima dele e olhou ao redor. Eles estavam em um cemitério, de todas as coisas, e pelo que parecia, Elise o tinha enfiado em um carrinho de supermercado.

“Um carrinho de supermercado?” Blake disse. “De quem são as coisas empilhadas sobre mim?”

“Pertencia a uma mulher sem teto, mas não se preocupe, eu paguei por tudo,” Elise disse, dando de ombros. “Foi uma boa forma de transportar você sem chamar a atenção.”

“Por que você simplesmente não… confiscou um carro ou algo do tipo?”

Blake perguntou, saindo do carrinho. Seus ossos estalaram assim que ele se libertou daquela posição encolhida.

Outro dar de ombros. “Eu não sei dirigir.”

Blake olhou para ela com mais choque do que ele havia mostrado quando descobriu que era uma vampire. “Você não sabe dirigir?” Ele repetiu.

Elise parecia divertida com sua descrença. “Eu nunca me interessei em aprender.”

Acordar em um carrinho de compras de uma pessoa sem teto era ainda melhor do que acordar com a visão de corpos mortos. Não importando sua atual circunstância, Blake estava grato por isso. Ele ainda não sabia como Elise achava que podia ajudá-lo, mas aparentemente ela podia evitar que ele matasse quando o demônio se apoderasse dele. E já que ela o estava levando para encontrar seu criador, talvez aquele vampiro pudesse acabar com sua miséria mesmo que Elise se recusasse a fazer. Era algo para se ter esperança.

Era irônico, Blake refletiu. Antes de ser possuído, ele nunca pensou muito sobre a morte além de ter um seguro de vida e se exercitar para ser saudável. Agora, Blake cobiçava a morte como se fosse uma bela mulher. Morte significava que ele nunca mais iria ferir alguém. Morte significava que sua família estaria a salvo. A morte significava que os amigos que restaram nunca teriam que abrir suas portas e ver um demônio do outro lado, escondido na pele de Blake. A morte era o único jeito de Blake derrotar a coisa dentro dele e Blake queria derrotá-la mais do que qualquer outra coisa.

O assobio de Elise tirou Blake de suas divagações sombrias. Ela estava assobiando “Beautiful Dreamer” de uma forma suave e melancólica, as notas tão perfeitas como se estivessem vindo de uma flauta. Blake se perguntou como um vampiro, que supostamente não respirava, podia assobiar. Ele quis saber como Elise estava sob a luz do sol sem combustão espontânea, ou como é que vampiros existiam afinal de contas. Tantas coisas que ele não achou que fossem possíveis e que eram. Vampiros? Eles existiam. Demônios? Reais também. Se alienígenas pousassem no monte Capitol amanhã, ele ficaria apenas ligeiramente intrigado.

“Se a luz do sol não te fere, por que você vive no subterrâneo em um túnel?”

Elise continuou assobiando. Blake achou que ela decidiu ignorá-lo, mas quando as últimas melodias da música terminaram, ela respondeu.

“Eu não sei agir bem perto de pessoas.”

Sua voz também era suave. Cheia de um tipo de arrependimento desconectado, como se sua falta de habilidade social a fizesse se sentir triste, mas ela não entendesse o motivo. Ela começou a assobiar aquela mesma canção antiga novamente. Blake se sentou, recostando em uma árvore e fechou os olhos. Ele podia quase imaginar que estava em outro lugar, ouvindo a melodia doce e assustadora.

“Você não vai me deixar machucar ninguém, vai?”

Elise fez uma pausa. “Não.” Ela continuou assobiando, o som e sua resposta o acalmando, o fazendo se sentir quase… seguro.

Blake fez algo que não fazia de bom grado há semanas. Se deixou adormecer.

Elise ouviu quando a pulsação e respiração de Blake ficaram mais relaxadas com o repouso. Ela continuou assobiando, apesar de não ser acostumada a respirar tanto assim. Porém, a canção parecia acalmá-lo, apesar de que o motivo por aquilo importar a ela ser um mistério. Ele estando quieto vai chamar menos atenção, ela falou para si mesma, sabendo que era uma mentira. Eles estavam no Cemitério Nacional de Arlington. Não havia muitas pessoas em volta para notar se Blake causasse um tumulto, exceto, talvez, os fantasmas.

Era tão estranho, esse sentimento de proteção. Assim que ela se decidiu a ajudar Blake, suas emoções há muito tempo adormecidas, acordaram. Elise não podia evitar admirar a preocupação de Blake por outras pessoas, até mesmo acima da própria vida. Você não vai me deixar ferir ninguém, vai? Fazia muito tempo que Elise não se preocupava tanto assim por outras pessoas, especialmente estranhos.

Quando os sem-teto do Distrito de Colúmbia ou elementos criminosos a atacavam – o que acontecia mês ou outro – ela os matava. Não ocorreu a ela não fazê-lo já que tinha justificativa para tal, ela estava salvando alguém de um futuro ataque daquela pessoa. Blake não era responsável pelo que o demônio dentro dele fazia, mas ele estava disposto a morrer para evitar que outras pessoas fossem feridas. Sua força de caráter sob essas circunstâncias extremas levantava um espelho para ela, e Elise não gostava do que viu refletido. Mencheres está certo, ela percebeu. Eu me deixei escapar. Quanto da pessoa que eu era ainda resta? Posso salvar os resquícios antes que a apatia devore o que resta de mim?

Ela começou com Blake. Talvez ajudando a salvar sua alma, ela conseguisse um alívio para si.

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