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3

Perto do meio dia o Asher chega com um belo buquê de lírios que eu tenho certeza que ele comprou numa floricultura que fica pertinho do Sunrise. Foi onde compramos flores para dar à Cami quando ela ficou internada por dois dias por causa de uma intoxicação alimentar uns meses atrás.

— O senhor Phillips da floricultura deve estar rico com o tanto de dinheiro que você já deixou lá desde o meu acidente. — digo em tom de brincadeira.

— Cada centavo foi muito bem gasto. Com certeza valeu a pena. — ele me beija na bochecha e na testa como sempre.

Sorrio. É bom vê-lo.

De repente ele começa a olhar para os lados e eu franzo a testa por não saber por que ele está fazendo isso.

— O que deu em você? Está com algum tique que eu desconheça?

— Estou procurando o cão raivoso.

Caio na risada. Não sei por que acho divertido quando ele se refere assim ao Nick.

— Ele não está. — digo tentando, e falhando, parar de rir — Ele foi almoçar com o Robert.

O rosto brincalhão do Asher muda para horrorizado.

— Ele foi almoçar com o amigo e deixou aqui pra almoçar sozinha?

— Ei, eu não estou sozinha. — digo piscando o olho pra ele — Eu estou com você.

Ele franze os lábios e balança a cabeça, claramente mostrando que não gostou da ideia do Nick ter me deixado aqui. Não posso deixar de imaginar que ele fez isso por dois motivos. Ou ele está querendo me evitar, ou ouviu meu papo com o Asher pelo telefone e quis evitar uma discussão.

— Nós tivemos um pequeno desentendimento. — me vejo dizendo.

Asher olha pra mim com as sobrancelhas erguidas em um questionamento silencioso. Eu quase nunca falo da relação entre o Nick e eu com ele.

— Vocês brigaram? — ele pergunta com curiosidade genuína.

Estalo a língua, respondendo. — Não foi nada demais. Apenas uma briguinha de casal.

Sei que estou dizendo isso para convencê-lo, ainda mais quando ele me lança um olhar de quem não acredita muito nessa conversa, mas talvez eu mesma esteja querendo me convencer disso.

Um silêncio chato se põe entre nós com a minha declaração, e para acabar com ele, sorrio e o encorajo a nos apressarmos para o almoço com o pretexto de que depois tenho que passar em lugar, antes de ir para a fisioterapia.

Não é nada fácil convencer a Agnes a me esperar na clínica para que eu vá almoçar sozinha com o Asher. Aparentemente ela tem ordens do senhor Hoffman para me acompanhar a qualquer lugar que eu for e isso não inclui só dentro de casa.

Mas por fim, consigo convencê-la de que seria estranho para ela, ficar perto de nós enquanto comemos. Seria mais estranho ainda se ela insistisse em ir comigo ao lugar que quero ir depois do almoço. Ela é paga pelo Nicholas, e sendo assim, tem que fazer tudo o que o Nicholas mandar. Logo ela contaria a ele para onde fomos e eu não quero que ele saiba.

O consultório do Dr. Wood está bastante frio. Fiz bem em trazer um casaco comigo, caso contrário meus braços já estariam tremendo.

Eu leio uma revista juvenil, dessas que tem o Justin Bieber na capa e várias dicas de namoro e maquiagem no interior, enquanto espero que ele volte da emergência que o fez sair assim que entrei.

Depois de alguns bons minutos o doutor volta e senta-se. Ele digita algumas coisas em seu computador e então traz sua atenção para mim.

— Bom, vamos lá Ellen, diga-me o motivo pelo qual está aqui.

É agora. Eu vou contar a ele o que acontece comigo e, por Deus, ele tem que me dar a resposta que eu quero ouvir.

— Eu tenho algumas dúvidas sobre o meu caso Dr. Wood.

— Que tipo de dúvidas? — ele pergunta reclinando-se no encosto da cadeira — Achei que já tínhamos conversado sobre tudo.

— Eu estou bastante esclarecida sobre a condição das minhas pernas e parte da minha cintura. — digo já começando a ficar nervosa — Mas existe uma parte do meu corpo que está me deixando confusa.

— Confusa como?

Tomo uma respiração profunda pra poder ter coragem.

— Eu fiz sexo ontem.

O doutor levanta as sobrancelhas minimamente de maneira quase imperceptível.

— Isso é muito bom. — Com um aceno ele me encoraja a continuar.

— Mas aconteceu uma coisa. — sinto um rubor subir à minha face — Ou melhor, não aconteceu.

— O quê?

— Eu senti... — mordo os lábios e fecho os olhos antes de continuar a falar — senti o que o meu namorado fazia comigo, mas não senti nenhum tipo de prazer com o que ele fazia.

Ele balança a cabeça apoiando os cotovelos na mesa.

— Está basicamente me dizendo que você tem sensibilidade ao toque, mas não tem sensibilidade sexual, é isso?

— Isso.

Oh céus, que um buraco se abra no chão e me engula agora mesmo.

— Bem Ellen, o que está me contando de alguma forma já era esperado.

Franzo a testa. Como assim esperado?

— Então por que não fui informada sobre isso no dia em que conversamos?

— Entenda. A sua lesão foi em uma altura que permite imaginar que uma sequela como essa é possível. Porém nem sempre isso acontece. Existem casos de lesados medulares com essa altura de lesão que não desenvolveram sequelas desse tipo, tanto no sexo masculino como no feminino.

— Mas você já esperava que isso acontecesse comigo?

— Sinceramente eu imaginava que pudesse sim. O exame de imagem para avaliar a integridade dos nervos lesionados, mostrou que alguns ramos do plexo que enerva toda essa região dos músculos de função sexual, foram comprometidos.

Esfrego as mãos no rosto e solto uma longa respiração.

— Então por que não me falou sobre a possibilidade disso acontecer?

Ele volta a se recostar na parte de trás da cadeira e cruza todos os dedos das mãos colocando-as em frente à boca.

— Logo depois da sua cirurgia, o senhor Hoffman e eu conversamos sobre as possíveis sequelas que sua lesão deixaria. Nós concordamos que deveríamos alertá-la sobre as mais passíveis de acontecer e deixar as menos prováveis... Para depois.

Espere. Eu ouvi mal ou ele acabou de dizer que o Nick sabia o tempo todo sobre isso?

— O Nicholas sabia disso?

— Ele... — Por um momento, acho que ele está procurando por uma desculpa para o meu namorado, mas então desiste e confessa — Sim. Ele sabia.

— Meu Deus. — bufando, pressiono o indicador na testa — Por que ele não me contou?

O Dr. Wood apenas me olha e me dá um sorriso complacente.

— Existe mais alguma coisa que eu ainda não saiba?

Ele enruga a testa e balança a cabeça, negando.

— Não. — ele responde para reafirmar.

Eu tinha que perguntar. Provavelmente o Nick mandou que ele ficasse de boca fechada em relação a isso, e eu não ficaria nem um pouco surpresa se também pedisse para que ele omitisse qualquer outra coisa.

Oh Deus, agora eu entendi. Deveria ser sobre isso que ele e o Robert falavam no dia em que acordei e os surpreendi falando sobre algo em relação a mim.

Por isso o Nick estava tão calado ontem quando voltávamos para casa e por isso ele estava evitando até mesmo me beijar. Ele sabia sobre tudo e não queria ter que me explicar sobre o porquê dele estar tão “frio”.

— Quanto tempo isso deve durar? — peço com uma urgência em saber se vou ter que suportar essa situação por muito tempo — Quero dizer, eu não tenho nenhuma resposta sexual. Isso não é permanente, é?

Mais uma vez – como quando ele me contou sobre a minha situação logo depois de eu acordar – ele me explica a situação em que me encontro, mas dessa vez focando na minha vida sexual. O fato de ele dizer que os feixes de nervos comprometidos da minha coluna se regenerarão sozinhos em alguns meses e que essa merda na minha vida não é permanente não me anima muito. Eu tenho uma relação muito boa com o Nick, mas não posso passar tanto tempo sem fazer sexo com ele. Ele é homem afinal de contas e um homem acostumado com o sexo de um jeito visceral. Ele não pode se abster por tanto tempo, pois mesmo que ele diga que eu não tenho com o que me preocupar, a realidade da vida é bem diferente.

— Existe algum tipo de tratamento específico para isso? — pergunto, a fim de tentar diminuir o tempo de inatividade, mas então ruborizo por ser tão direta — Eu sei que provavelmente o senhor deve estar pensando que eu sou uma espécie de ninfomaníaca, mas...

— Eu sei perfeitamente o que se passa na sua cabeça, Ellen. — ele sorri — E pode deixar que eu não acho que você seja uma ninfomaníaca por estar preocupada com a sua sexualidade.

Sorrio também, por ele me entender.

— Somos humanos, e assim como andar ou respirar, o sexo tem sua função importante na nossa vida.

Que bom que eu não sou a única que pensa assim.

— Eu vou te encaminhar para a fisioterapia específica para esses casos de disfunção sexual e assim você pode acelerar todo o processo de recuperação.

— Obrigada, doutor.

Ele escreve algumas coisas em um papel e me entrega com um sorriso.

— Não há de que.

Quando termina a consulta, Asher me leva até a clínica do Nick e me deixa na entrada. Ele diz que não me acompanhará porque quer ir falar com o Terrence sobre ter faltado ao trabalho no expediente da tarde hoje por minha causa, mas eu sei que ele está indo embora porque não quer dar de cara com o Nick.

Agnes está na recepção esperando por mim e solta um suspiro de alívio quando me vê. Ah qual é? Ela achou que eu não viria?

— Você está atrasada Ellen, me disse que estaria aqui às duas e meia da tarde. Já são quase três. Daqui a pouco o senhor Hoffman deve aparecer pra te levar.

— Calma, Agnes. — digo sorrindo com sua reação um tanto exagerada — Eu já estou aqui e ainda nem está na hora.

— Calma? Eu tive que me esconder agora a pouco no banheiro da recepção quando ouvi a voz dele. O que eu diria se ele me visse aqui e não visse você comigo?

Solto uma lufada de ar e viro a cabeça para o outro lado. Ela pode até estar exagerando, mas a culpa não é dela. O Nick é quem é o responsável por isso porque se ele tivesse me contado tudo, eu não precisaria ter feito o que fiz.

Alguns minutos mais tarde, o Nicholas e um senhor de cabelo branquinho e estatura média se aproximam de nós. É o Dr. Byron.

Vamos até uma sala com uma maca bem grande e vários aparelhos dos quais eu não faço ideia de para quê servem.

O Dr. Byron me coloca na maca e começa seu atendimento. De início, ele passa uma série de coisas em mim. Agulhas, esponjas, bolinhas... Vê minha reação e anota tudo em uma folha. O Nick, encostado à parede perto de nós, apenas observa.

Quase quarenta minutos depois ele me libera e diz que hoje foi apenas avaliação. Na quarta começaremos a fisioterapia de verdade baseada nos resultados.

Fico feliz ao ver que em algumas partes das minhas pernas, eu senti a picada da agulha e o esfregar da esponja. Porém nessas mesmas partes, eu não senti os tubos, que segundo ele, era um gelado e outro quente.

Ele disse que o prognóstico do meu caso é muito bom e que em pelo menos três meses eu já  estarei quase cem por cento recuperada.

Nicholas se despede de mim, me dizendo que não demorará muito na clínica e que deverá estar em casa antes das seis da tarde.

Pelo menos antes de sair com a Agnes, ele se aproxima do carro e me beija. Um beijo bem rápido, mas muito melhor do que simplesmente sair sem nem ao menos olhar pra mim como ele fez antes do almoço.

Já em casa, faço o possível para tomar banho sem precisar da enfermeira, mas logo desisto da ideia ao ver que não posso apressar nada. Solto um grunhido frustrado quando me vejo obrigada a chamá-la.

OK, admito que me sinto envergonhada por precisar de ajuda para algo tão simples. Eu agora realmente gostaria de ter tomado outro caminho na volta para casa no dia do acidente. Talvez eu estivesse numa boa e não passando pelos problemas que estou e os que ainda virão.

Perto das cinco e meia da tarde, estou assistindo a um filme na sala quando ouço uma batida na porta. Agnes ergue os olhos do seu livro e eu peço que ela atenda.

Mantenho minha atenção no Espetacular Homem-Aranha enquanto ela se levanta para atender a porta.

Escuto vozes femininas e apenas uma eu reconheço. A da Agnes. A outra é totalmente estranha para mim.

Sem poder ir correndo até a porta para saber o que está acontecendo, não tenho escolha a não ser continuar esparramada no sofá e esperar que a Agnes volte e me diga o que está acontecendo.

— Ellen, tem uma mulher querendo entrar para falar com o senhor Hoffman. — Agnes diz ao voltar para a sala.

Meus pelos se eriçam. Não pode ser ela.

— Mulher? — sinto meu coração acelerar a ponto de querer sair pela boca — Como é essa mulher?

Ela parece desconcertada ao tentar me responder.

— Ah, ela é... — ela para como se quisesse escolher os adjetivos para descrevê-la.

— Me deixa facilitar pra você. É uma mulher alta, magra, loira e estonteantemente bonita?

Por favor, que ela diga que não.

— Ah não. Ela é bonita sim, alta e tem um corpo bom, mas não é loira. — Solto um suspiro aliviado.

— Ela disse que o nome dela é Chloe.

Chloe. Chloe. Não. Não me lembro de ter ouvido esse nome alguma vez.

— Eu não conheço. — digo com a testa bem franzida — Pergunte o sobrenome e eu verei se posso deixá-la entrar.

— Querida, estava esperando me fazer criar raízes lá fora? — olho para trás da Agnes e vejo uma mulher realmente bonita — Não acho que eu precise de um convite formal. Sou Chloe Hoffman. Mãe do Nicholas.

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