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2

— Deve ser um trabalho que dá nos nervos. — E Davi apanhou a faca e o garfo para cortar a carne. — Ele ainda está lá?

Tessa moveu a cabeça.

— Foi embora depois do almoço.

— Despediu-se de você? — gracejou ele.

— Não, e eu nem queria.

Tessa não acrescentou que tinha feito o possível para não estar por perto no momento em que ele saiu do hospital.

— Ótimo! Sabe, amor, eu me sentiria muito melhor se depois de nos casarmos você parasse de trabalhar.

— Vou parar dentro de pouco tempo — respondeu ela. — Mas, por enquanto, Davi, por favor, deixe estar. Quero mobiliar a nossa casa, comprar mais alguns extras. . . antes de começarmos a aumentar a família!

— Claro que concordo com você, querida! Sua ideia é ótima, e nós já concordamos que, quando nascerem os nossos filhos, a mãe deles não irá trabalhar fora.

Na manhã seguinte, Tessa recebeu do porteiro do hospital um maravilhoso ramalhete de rosas, e o homem comentou que Tessa era uma pessoa de sorte.

— Elas não devem ser para mim — disse ela, enquanto o porteiro estendia-lhe as flores. — Mas elas são lindas! Algum paciente que realmente gostou de nós é que as deve ter mandado. Deixe-me ver o cartão. . .

Ela segurava o buquê, duas dúzias ou mais de rosas de cabo longo, graciosamente arranjadas em celofane e amarradas com um largo laço de fita prateada.

— Elas são para você — insistiu o porteiro, olhando para ela, surpreso. — De um admirador chamado Leonardides.

— Leonard... — Tessa estacou. Tinha de ser o árabe! Que sujeito atrevido! Ela olhou furiosa para o cartão, mal conseguindo conter-se, apenas não o reduzindo a pedaços por causa do porteiro, que parecia estar lhe medindo as reações.

— Obrigada, Bill — agradeceu Tessa, esperando que sua voz parecesse natural. — São de um paciente agradecido, mas eu preferia que eles não esbanjassem dinheiro com essas homenagens. — Depois encolheu os ombros. — Mas é assim mesmo!

— É. . . — concordou Bill, inexpressivo. — Lindas rosas. . . devem ter custado uma fortuna!

Com a raiva fervendo-lhe nas veias, Tessa quase atirou longe as flores. Entretanto, não agiu desse modo. Eram rosas tão lindas que ela não pôde deixar de gastar um bom tempo arranjando-as em um grande vaso, complementando-as com bonitos avelãs verdes que ela escolheu do jardim do hospital. Todo mundo estava querendo saber para quem eram as rosas e quem as havia mandado. Tessa não queria que os outros soubessem que havia sido um presente do árabe; árabe esse que já era conhecido por todos devido ao que Suelen já havia falado publicamente a respeito dele. Ela explicou, então, que havia recebido as rosas do porteiro, mas que o cartão tinha se extraviado. Mas, na verdade, o cartão havia sido atirado ao lixo.

Pouco mais tarde, chamaram Tessa ao telefone. Ela ouviu a voz de Leonard Peths.

— Você gostou das rosas? — perguntou ele.

Tessa desligou abruptamente e começou a tremer. O que deveria fazer? Pensou em contar tudo a Davi, porém, intimamente, não confiava na idéia. Ela não deveria ter medo, uma vez que o noivo era naturalmente a pessoa mais indicada a quem ela deveria recorrer em caso de emergência para ajuda ou conselhos.

Tessa resolveu ignorar a conduta do árabe, acreditando que, mais cedo ou mais tarde, ele desistiria daqueles ataques. Mas, naquela mesma tarde, quando ela acabava de sair de seu apartamento no pavilhão das enfermeiras, topou com o árabe, antes de chegar ao ponto do ônibus.

— Desapareça da minha frente! — gritou ela, antes que o homem pudesse abrir a boca. — Se você continuar a me perseguir, vou pedir proteção à polícia!

— Não faça isso! — Ele indicou o carro estacionado próximo. — Entre, vamos conversar. Não aceito um não como resposta, Tessa — acrescentou imperiosamente, quando ela tentou interrompê-lo. — Nós vamos dar uma volta, compreendeu? Nossos caminhos se cruzaram, e não podemos sair um da vida do outro. Por favor, entre no meu carro e. . .

— Você deve estar pensando que eu sou uma idiota, não está? — Tessa tentou prosseguir caminhando, mas ele barrou-lhe o caminho. Ela olhou para os lados, temendo que pudesse ser vista das janelas do pavilhão das enfermeiras. — Eu não sei por que você acha que temos motivos para conversar. Por favor, deixe-me passar! Eu tenho de pegar o ônibus!

— Para onde você vai? — A voz dele, com um delicioso sotaque, era baixa, mas sua arrogância era notável. — Posso dar-lhe uma carona.

— Eu vou encontrar com meu noivo! — respondeu, irritadíssima. — Portanto, desapareça da minha frente!

— Seu... ? — Ele olhou firme para o rosto dela, um rosto emoldurado por cabelos cor de ouro, compridos, ondeados pela carícia do vento. Uma curta franja encaracolada adornava-lhe a testa alta, inteligente. — Seu. . . noivo? — E a voz ecoou tão grave que Tessa ficou perplexa com a inesperada mudança que se operou. Agora ele a encarava de um modo inquisitivo, a fúria abrandada. — Você está noiva. . . quer dizer que pretende se casar de verdade?

— Sim, eu pretendo! — declarou ela, secamente, sentindo-se perturbada por haver sido aquilo a causa de tamanha transformação. — E agora, senhor Peths, quer fazer o favor de me deixar ir embora? Meu ônibus chega daqui a pouco. . . e, olhe, já está chegando! — acrescentou, ao ver o veículo passando de um pequeno jardim nas imediações. — Eu tenho que pegá-lo!

— Não! — respondem a voz firme. Era um rosto tenso onde se lia uma expressão dura e cruel. — Eu lhe dou uma carona!

Tessa tentou desvencilhar-se, mas acabou desistindo. Sentia-se furiosa, mas tinha mais confiança em si por haver conseguido reagir.

— Veja, já o perdi! — disse, quase aos prantos, o que não era de se admirar, porque ela já estava ficando cansada com a perseguição daquele estrangeiro. — Meu. . . noivo vai ficar preocupado! Meu Deus, por que você está me perturbando dessa maneira?

— Você não adivinha? — arriscou ele, suavemente.

— Adivinhar?

Tessa moveu a cabeça em negativa, mal conseguindo pensar em alguma coisa a mais que não fosse Davi esperando por ela, de automóvel. Ele poderia vir apanhá-la todas as tardes; entretanto, eles teriam mais tempo para passar juntos se ela tomasse o ônibus para encontrá-lo na cidade.

— Adivinhar o quê? — insistiu ela.

— Esqueça. Entre no» meu carro e eu levarei você até seu noivo. O convite parecia sincero e, por mais estranho que fosse, Tessa pressentiu que ele cumpriria a palavra.

— Muito bem! — concordou, detestando sentir o toque de sua mão no cotovelo, quando ele tentou ajudá-la a entrar no carro. Depois sentou-se com a espinha ereta, duvidando se havia feito bem em aceitar o convite, uma vez que ele já a havia tratado daquele modo no quarto do hospital.

— Preciso falar com você, Tessa — confessou ele, depois de alguns instantes. — Você tem mesmo tanta urgência de encontrar-se com seu noivo?

— Ele está me esperando no ponto do ônibus!

— Sendo assim, temos alguns minutos. Afinal, todo mundo pode perder o ônibus, não pode?

Sem esperar pela resposta dela, ele desviou da larga avenida para uma ruazinha sossegada. Tessa sentiu que seu coração protestava, más sabia que suas explicações não convenceriam o árabe.

Leonard Peths estacionou em um gramado.

— Você não pode casar-se com esse rapaz que a está esperando — disse, sem rodeios. — Vocês não nasceram um para o outro!

— Como você se atreve a dizer uma coisa dessas? — retrucou ela, indignada. — Você nem conhece meu noivo. . . — E parou, respirando ofegante. — Você deve ser maluco! — acrescentou. — Eu vou ter que pedir proteção à polícia imediatamente!

Ele a olhou com surpresa:

— O que eu fiz de errado? — ele quis saber, admirado.

— Você me beijou, me mandou flores e me telefonou. Agora me forçou a entrar no seu carro... — A voz de Tessa morreu na gar¬ganta, quando ela viu a expressão de zombaria nos olhos dele.

— Você acha que a polícia vai proteger você contra essa espécie de coisa? Você sabe que eu não a forcei a entrar no carro, Tessa; você entrou nele espontaneamente. Eu vou cumprir a minha palavra e levar você até seu noivo, mas não antes de termos conversado. Se você teimar em continuar repetindo essas acusações contra mim, aviso-a de que não iremos a lugar algum. Portanto, se você quer mesmo se encontrar com seu noivo, adote uma posição mais conciliatória e dê-nos a oportunidade de discutirmos a minha proposta!

— Sua. . . proposta, senhor Peths?

— Meu nome é Leonard — respondeu ele, tranquilo. — Você deve ter lido no cartão que eu enviei com as rosas — continuou, sentado de lado, observando-lhe o perfil. — Meus amigos me chamam de Leonard.

— Acontece que eu não sou sua amiga e nem quero ser! Vou chamá-lo de senhor Peths e você fica obrigado a chamar-me de senhorita Bennut. Quanto a essa proposta — continuou ela —, se a tem de fazer, faça-a logo e leve-me até meu noivo.

Embora ela tivesse falado calmamente, o coração batia-lhe depressa demais. Tessa sentiu como se estivesse em um vácuo, intimamente prevendo que algo dramático ia acontecer.

E aconteceu quando, muito calmo, o árabe pediu-a em casamento. Caindo em si aos poucos, à medida que a mente se aclarava da névoa que parecia envolvê-la devido àquele pedido absurdo, Tessa não entendia por que ainda continuava sentada lá, em vez de abrir a porta do carro e sair correndo. Era como se ele possuísse um misterioso poder sobre ela, usando do magnetismo para mantê-la ali até que ouvisse tudo o que tinha a lhe dizer. O árabe também esclareceu que, se aceitasse, ela teria uma boa vida, viveriam em uma linda vila azul e branca na ilha de Bullut, na Galácia, teriam muitos criados e dinheiro à beça para gastar, mesmo que fosse para fazer as maiores extravagâncias do mundo.

Tessa não fez o menor movimento para conter aquela enxurrada de palavras. Atordoada com o modo fácil de ele dizer as coisas, parecia estar ouvindo os maiores absurdos de toda a sua vida. Era como se ela estivesse vivendo um sonho, um pesadelo ou algo parecido. Afinal, uma situação fantástica como a que estava vivendo não podia acontecer na vida de ninguém!

— Você não me respondeu, Tessa — disse ele, enquanto esperava pela resposta.

Tessa olhou-o de perfil, observando-lhe a pele morena, jovem e saudável, a nariz aquilino, o queixo saliente. Ele era, certamente, um homem com decisões próprias e capaz de obrigar qualquer um a dobrar-se ante sua vontade.

Tessa respondeu rapidamente, como se decidida a mostrar-lhe que o seu feitiço não a havia dominado:

— Eu vou me casar dentro de oito dias, senhor Peths!

— Oito dias! — exclamou ele, arregalando os olhos, enquanto a encarava de perto. Tessa, instintivamente, colocou a mão na garganta, sentindo o medo pulsar por dentro. Aquele homem a desejava, não havia a menor dúvida, e aquele desejo o havia levado a pedi-la em casamento, pedido esse que ele certamente jamais havia feito a qualquer outra mulher. "Ele parece estar a ponto de assassinar meu noivo", pensou Tessa. E o árabe continuou: — Você não vai casar com ninguém dentro de oito dias... a não ser comigo!

Um enorme pavor tomou conta de Tessa, obrigando-a a agir. Assim, ela saltou do carro antes que ele pudesse impedi-la, e correu até a avenida.

Ele levou algum tempo até virar o carro naquela rua estreita. Por isso, quando o carro apareceu na avenida, Tessa havia desaparecido, ocultando-se em um pequeno jardim, onde permaneceu, quase sem fôlego, até ver o automóvel partindo velozmente na direção do ponto de ônibus.

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