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capítulo 6

"Coragem não é ter a ausência do medo. Coragem, é sempre estar disposto a enfrentá-lo."

V I C T O R I A

Deveria me levantar, me movimentar e preparar o arco. Mas ao invés disso eu me sento, tão imóvel quanto a pedra abaixo de mim, enquanto a alvorada começa a clarear a floresta.

Eu não posso lutar contra o sol. Só posso assistir quando ele se levanta impotente e me arrasta.

Noite passada eu não dormi, por isso o dia não precisou aparecer para que eu já estivesse pronta, com a velha jaqueta do meu pai e um par de botas. Fui até a cozinha cautelosamente atrás de café, com medo de que meus tios acordassem e tivéssemos que nos encarar e conversar. Eu não queria fazer qualquer uma daquelas coisas, porque isso me lembraria da proposta de Lorde Owen, e do tempo limitado que eu tinha para decidir se assumir meu lugar na capital era a escolha certa. Coloquei o café em uma garrafa e parti para o estábulo, realizando todas as minhas atividades matinais ainda cedo demais para que qualquer um notasse. Cuidar dos cavalos era a melhor parte de morar na fazenda, eu gostava de escova-los, de alimentá-los, levar eles para se exercitar e até limpar as baias.

O resto dos serviços são menos agradáveis e mais exaustivos, principalmente se considerar a falta de mãos para tantos afazeres, Germano passava a maior parte do tempo nos campos cuidando dos rebanhos já que aquela era nossa principal renda. Eliz estava sempre ocupada com os serviços domésticos, o que significava que todo o resto sobrava pra mim, limpar os terrenos, cuidar dos animais, verificar as cercas, me certificar do celeiro e do estábulo. Não vivíamos escasamente, trabalhávamos muito mas sempre tínhamos comida na mesa, roupas limpas e um teto. E eu sabia onde me encaixava, sabia qual era meu lugar no espaço firmemente entrelaçado que era a nossa vida.

Mas agora eu estava perdida, e não tinha ideia do que fazer com uma responsabilidade que de repente se tornou minha. A carta de minha mãe para o rei.. meu tio, fica repassando diversas vezes na minha mente, e mesmo sem querer eu me pego imaginando o que teria sido de mim se tal carta tivesse chegado ao seu conhecimento. Estaria morta como todos? Ou ainda seria da realeza? Era ainda pior, se considera-se que eu não era apenas uma Ferro, mas sim a última. Uma dinastia, um reino, vidas dependiam de mim. E isso era assustador demais para uma garota que nunca teve coisa alguma.

O sol tocou minhas têmporas quando vi Mark surgir através das sombras nas árvores, ele atravessou o riacho que dividia as terras de nossas famílias e me encontrou do outro lado.

— Estou surpreso. — Mark estava com um olhar quase severo e pelo seu tamanho certamente seria. Mas os cabelos bagunçados que deixavam o castanho cair pela testa lhe tiravam todo o ar de seriedade. — Pensei que não ia vir.

— Hoje é sábado. E nós sempre nos encontramos aqui aos sábados.

— A verdade. Esqueci de como você é lunática por compromissos.

— Não sou lunática por compromissos. —respondo, ignorando suas sobrancelhas levantadas.

— Por Deus Toria quando estudávamos você nunca conseguiu faltar um dia de aula. Nem mesmo quando estava doente você considerava dar folga aos coitados dos professores.

Dei de ombros, firmando meus dedos na mão estendida que ele me ofereceu para subir naquela parte elevada com rochas e grama.

— Eu não fazia tanto pelo compromisso. Era mais como uma necessidade básica ficar aquelas quatro horas longe de Eliz Megan.

Mark assentiu sorrindo baixinho enquanto caminhávamos cada vez mais para dentro da densidade florestal, a umidade trazia um calor costumeiro para nossos corpos.

Ele gostava de pescar, então estávamos indo para a parte mais grande e fluida do riacho. O arco queimou minhas costas quando um de nossos alvos surgiu (espécies de círculos pintados que havíamos feito anos antes nas árvores mais altas.) Em um instante posicionei a flecha e atirei para o alto, ela atingiu o centro sem margem de erro, Mark ao meu lado sorriu, ele dizia que eu era muito boa, o bastante para atingir qualquer que fosse o ponto, mesmo no escuro.

— Até quando você pretende fugir deles? — ele me perguntou assim que chegamos no riacho e os músculos ao longo de meu pescoço e costas começaram a ficar tensos.

— Não sei do que está falando..

— Nunca tem a ver com compromissos, lembra? É sempre sobre seus tios, portanto.. Nós dois sabemos que está aqui na floresta porque não quer encarar a realidade.

— Até eu descobrir o que vou fazer.. não tem sentido abalar eles com algo incerto.

Suas sobrancelhas se uniram quando ele se voltou para mim. — E o tal Lorde, não pretende encontra-lo?

Abri a boca, fechei e depois deixei meus olhos se estreitaram. — Não sei.

Os lábios dele se separaram. — Bom, ainda bem que tem até o final do dia para descobrir.

Era pouco. Algumas horas para decidir quem você ia ser pelo resto de sua vida era terrivelmente pouco.

— Queria que isso fosse mais fácil. — desabafei quando colocamos o equipamento na água, esperando que os peixes viessem.

— A vida não é fácil, você já deveria saber.

O mundo caiu em silêncio agora, tão silencioso que eu me perguntei se havia mais alguém na terra, e se caso houvesse, se todos eles estavam segurando a respiração.

— O que você acha que eu deveria fazer?

Mark me olhou de relance, seus olhos me tomam e me deixam anestesiada, eu posso vê-lo imediatamente através das suas cores, o aro do sol descendo, o céu riscado com tons suaves de laranja. Aquele era o verdadeiro tom de suas íris, a minha cor favorita no mundo.

— Eu acho que talvez essa seja sua única chance de ter uma oportunidade de vida melhor, Golden Fox assim como o Sul está desfalecendo... deveria fugir enquanto ainda pode. — Sua respiração sai pesada.

— Essas pessoas Mark, não as conheço.. não sei o que me espera naquele lugar.. — desviei meu olhar dos seus, encarando as árvores em nossa frente através de um ponto fixo qualquer. — Eles fizeram barbaridades com seu próprio povo, nada pode ser tão cruel quanto o descaso com o Sul.. e eles o fizeram mesmo assim. — suspirei — Escolher ir, é marcar meu lugar em um ninho de cobras.

— Certamente não vai ser fácil, mas nada é.. viver aqui nunca foi e sobrevivemos mesmo assim. A diferença é que se você estiver em Vêrmenia terá a chance de fazer alguma coisa. Você, Victoria, poderá salvar o sul. Tem a oportunidade de nos dar uma chance, algo que não temos há décadas.

Senti a importância de suas palavras pesarem em meu coração, como se o apertasse em um punho de fé.

Eu não tinha visto esse lado ainda; como poderia fazer as coisas serem diferentes.

— E se não funcionar? E se.. — Em um instante Mark repousou a sua mão sobre minhas bochechas.

— Se não funcionar, você ao menos tentou, não carregará o peso de não ter tentando.. — suas palavras me davam algo que eu busquei durante a minha toda, elas me faziam ver que finalmente havia esperança no fim de um túnel escuro. A vara em suas mãos tremulou e ele pulou para trás, puxando o grande peixe que se debatia com um impulso para o alto,um sorriso largo inundou os seus lábios no momento em que o peixe saiu da água.

Eu guardei aquela cena no meu peito, como uma recordação boa para os momentos ruins. Me senti segura e com a certeza de que se tudo desse errado eu ainda o teria. E isso já era o suficiente para mim

ههههه

L O R D EO W E N

Instalei-me na velha pousada ao centro da cidade, um casarão de três andares com um bar na entrada. A espelunca não era agradável, mas ainda era o melhor que conseguiríamos. Paguei a senhora dona da propriedade com uma quantia suficiente para encher seus olhos de brilho e comprar a sua descrição, assim o último andar ficou reservado para mim e meus guardas, na esperança de que aquelas 24 horas fossem o suficiente para fazer Victoria aceitar minha proposta.

Jantamos ensopado com os donos da pousada naquela noite. Logo depois de evitar perguntas audaciosas e me esquivar de revelações da minha identidade para os estranhos, agradeci pela refeição mantendo a farsa de ser um comerciante nortenho rico com guardas costas e me retirei de volta aos aposentos. Sentei na mesa perto da lareira e fiquei repassando formulários administrativos até que a noite passasse, me dando conta do novo dia só quando ouvi a troca de turno dos guardas acontecer no corredor, e a sensação de ter passado a noite em claro ser frustrante. Então me ergui e estiquei os braços, caminhando na direção da janela que tinham vista para a praça, os raios solares se levantavam iluminando a cruz no topo da igreja e fazendo as pedrinhas escuras das ruas e calçadas brilharem.

Meus olhos estavam pesados e ansiavam por descanso, mas eu não podia deixar-me sucumbir por tal luxo. Continuava analisando o mapa de Stór mesmo que inevitavelmente, considerando e reconsiderando o porquê de Gralaham ter enviado embaixadores para todos os reinos e pequenas ilhas independentes de Stór mas ainda não ter enviado nenhum para Allen, nem mesmo uma carta, o país estava formando aliados e buscando apoio, principalmente com Eyja. Mas porquê ele se preocupava em fazer tal ato, se já não tivesse outros planos em mente? E se tivesse, que planos eram esses? Os boatos, no entanto, eram terríveis demais para serem reais.

Com o Rei Freen e toda a família real morta, Allen estava vulnerável. E Gralaham mal esperará os corpos esfriarem em seus túmulos para mudar suas tropas nas fronteiras. Fortalecendo o limite entre seu território e Allen Sul, criando planos e nos excluindo. Levantando um Império para nos derrubar. Eles queriam o poder, a força e influência que tínhamos, queriam se tornar uma potência, e com a instabilidade fervente do trono, certamente conseguiriam. Muitos de nossos apoiadores não estavam mais certos sobre as alianças, eles haviam feito acordos com Ferros, mas agora quem restaria para manter o selo firme?

Enquanto o sol da manhã entrava pelas janelas, o quarto ainda estava frio, e eu duvidava que aquilo fosse o fim. Era apenas o começo, o início de uma queda que seria marcada na história como o prelúdio do término.

Eu estremeci quando meu peito se esvaziou. Os músculos em meus ombros endureceram quando pousei o copo com o líquido dourado alcoólico na mesa, ainda estava cedo para ele, mas se considera-se que eu não havia dormido, ainda era tarde pro meu corpo. Meu olhar disparou do lado de fora da janela para o canto da suíte, onde pedaços estreitos de madeira avermelhada crepitavam suas formações na lareira, o fogo terminando de sugar todas as suas forças, toda a sua matéria, feroz, incontrolável. Ele só pararia quando já não tivesse mais nada a ser queimado, mas nada restante.

Respiro fundo e tento dormir.

O outono também chegou ao Sul, é fácil perceber quando abro a porta da pousada. Pontilhando as florestas que cercam os arredores de laranja e vermelho. Uma brisa balança as folhas, fazendo a luz da tarde dançar através da copa das árvores. Meus guardas estão à frente me escoltando de volta a carruagem que nos trouxe até aqui, o tempo havia acabado e Victoria não aparecerá. A sua ausência demonstrava que ela era mais parecida com Amberly do que eu temia, sua escolha estava feita e não havia nada que eu pudesse fazer a respeito, ela era a última de uma dinastia e não estava disposta a lutar por estranhos.

Sobre o cume de uma montanha, o sol repousa pequeno e insignificante, uma mancha contra o céu claro. Nem mesmo sua força prevalecia para a noite.

As 24 horas se encerraram. Estava feito.

Ergo os olhos, ajeito os ombros e arrumo meu terno. Faço tudo com cuidado enquanto caminho na direção do veículo cada vez mais próximo. A luz de um poste oscila contra minha cabeça, acendendo no instante em que a porta da carruagem se abre e eu piso no degrau.

Uma lufada de ar trás pequenos redemoinhos de folhas secas pra calçada, a instância me faz parar e ver além da carruagem, na praça com árvores e bancos de madeira expostos, lá é onde encontro esperança para meus olhos. Victoria surge, de pé e com o queixo erguido lutando para ocupar o vazio que foi deixado, ou para criar seu próprio lugar ao sol.

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