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capítulo 3

"Lute para saber quem é, mas quando descobrir. Esteja disposto a conviver com a resposta."

V I C T O R I A

A palavra medo não se encaixava na situação. Longe disso, talvez o receio, receio do que quer que estivesse por vir.

Após ser pega em flagrante. O inevitável veio à dona, Eliz se apurou para levar-nos até uma área mais reservada. No ambiente privado o senhor grisalho se manteve neutro enquanto sua dupla de guardas me observavam com atenção, como se tomassem nota de cada traço do meu rosto, cada detalhe imperfeito da minha pele e cada novo caminhar incerto que meus pés davam. Meus tios nos deixaram compartilhar da privacidade, e eu os odiei por escolherem respeitar o meu espaço logo naquele instante. Pelo canto do olho notei tio Germano se acomodando na cadeira da cozinha, segundos antes de um uniforme com medalhas militares bloquear a minha visão e eu me ver cercada pelos estranhos.

Me sentei em uma das cadeiras perto de nossa pequena lareira à espera de uma resposta enquanto o grisalho se acomodava em uma poltrona na minha frente. Seu polegar estava apoiado sobre a mandíbula, sustentando os dois dedos que usava para esfregar a têmpora. Ele vestia um traje diferente dos outros, um sob medida fraque escuro e requintado que me fazia questionar o tamanho de sua importância.

— Eu não acredito que lhe encontrei de fato. Que é real e está bem aqui na minha frente.. — as suas primeiras palavras fazem com quê minhas sobrancelhas se levantem.

A fina cortina de organza branca que cobria as janelas do recinto, impulsionou graças ao vento, aumentando e diminuindo a intensidade das cores que ousadamente invadiam a sala.

Poderiam estar ali para me salvar, e em outra dimensão, talvez o fizessem.

— Eu não faço a mínima ideia do porquê acha que me conhece.

Os lábios dele se transformaram em uma linha fina. Sua mandíbula se contraindo conforme me analisa com cuidado.

— Entendo seu ponto e para falar a verdade reconheço que possa estar certa sobre suas ressalvas. Acho que devemos fazer algumas apresentações antes de qualquer outra coisa. — ele era cauteloso e tinha uma voz suave, quase sábia. — Sou Lorde Owen D'Kast, faço parte dos cinco conselheiros. — meus olhos se sobressaltaram em um pulo. Aprendemos sobre os cinco ainda na escola, o valor e a importância que eles tinham sobre o país e como auxiliavam os escuros a reinar por séculos.

— Isso é impossível. — Minha voz sai fraca e logo se desfaz num eco tênue contra o ambiente.

— Sei que pode ser difícil de imaginar, mas realmente é o que sou. Um conselheiro há trinta e cinco anos.

Eu gostaria de ter dito "sinto muito". Mas apenas torci o nariz e me calei.

— Por qual razão um conselheiro de Vêrmenia, um nortista da nobreza. Se arriscaria vindo para esse fim de mundo..? — disparei sem hesito.

Mas há divertimento em seu olhar, quase como se estivesse ansioso por aquele momento. Esperando por brechas que o permitissem dar aquela resposta:

— Estou aqui por você, Victoria. — seus olhos brilham. — Viajei por quatro dias até Golden Fox para ter a certeza de que minhas teorias estavam certas, e que as pesquisas valeriam a pena. Amberly realmente teve uma filha..

— Como vossa graça sabe quem era a minha mãe? — O que você realmente quer de mim? Minha voz vacila mesmo na minha cabeça. Ela dói partes de mim que não reconheço e faz tudo sobre o que tenho certeza perder a gravidade. Todas as minhas convicções flutuam ao meu redor.

— Todos sabem quem é a sua mãe. Não seja ingênua.. — ele fala sobre Amberly com propriedade. Como se conhecesse minha mãe melhor do que eu.

— O quê? Do que está falando? — Minha confusão é tão forte que pode ser tocada.

Ele se inclina, apoiando as mãos na poltrona de marfim. Seu olhar me encontra; íris como nuvens de tempestade contra o céu azul dos meus. Vejo compreendimento nele, e pena. Como se finalmente me enxergasse.

— A senhorita não tem ideia de quem foi a sua mãe, não é?

— Minha mãe era costureira, foi através do trabalho dela que ela conheceu meu pai e eles se casaram e viveram aqui na casa de minha tia, irmã de meu pai, bom isso até ela adoecer e..

— Victoria.. — Owen me interrompe, levantando e se movendo devagar, deliberadamente até me alcançar, seus dedos tocam a palma da minha mão repousada sobre o colo, um gesto generoso de alento, uma ação de caridade e consolo. — Sua mãe não era costureira, ela era, e sempre foi, uma Campbell. A irmã mais velha do falecido Rei Fren. — uma pausa. — Sinto muito.

Ele apenas me encara, um silêncio amargurado.

— Campbell? — Sei que minha voz é um corte quando a luz ao nosso redor pontilha. Luz e trevas se misturando. Pulsando com as batidas do meu coração. A gravidade que mantinha meus pensamentos flutuando faz tudo despencar, bem em cima dos meus ombros.

Eu fui totalmente enganada durante todos os meus dezessete anos de vida? sobre quem eu era, sobre de onde eu vinha, sobre quem eram meus pais. Isso não poderia ser verdade, não era. Aquilo diante de mim era apenas um estranho com uma bela história, que certamente não era a minha. Não poderia me pertencer.

— Sinto muito, mas acho que o senhor se enganou. — Me afasto de seu toque. Erguendo-me para ganhar distância e proteção perto da lareira.

— A senhorita acha que eu viria até aqui para no final estar enganado? Eu tenho provas sólidas, provas que estou há meses acumulando e analisando para enfim poder ter a total certeza de quem é, e se realmente eu deveria estar aqui.. — ele solta um suspiro pesado. — Então se estou é porque é verdade... de qualquer forma depois você poderá tirar suas próprias conclusões sobre isto.

Apenas sorri, e sei que ele vê o desprezo brilhando em meu rosto. Não dirigido a ele, mas a mim mesma.

— Eu sei que a senhorita merece saber a sua verdadeira história, só não acho que esteja realmente preparada para ouvi-lá, de qualquer forma em uma das minhas muitas buscas por provas encontrei uma carta desviada de sua mãe para o Rei.. — O homem se comunica com um de seus guardas que logo lhe entrega um papel, o mesmo se vira até a minha direção e sem hesitação, coloca em minhas mãos o envelope. — É sua, faça o que quiser com ela.

— Obrigada. — é o máximo que consegui dizer.

— Temos muito o que conversar. Mas sei que precisará de tempo para assimilar tudo o que lhe contei. — ali estava algo real. Um fato em que eu realmente concordava. — Só preciso que saiba de uma coisa e quero que pense a respeito; preciso que vá comigo para o Norte, especificamente para o castelo, prometo explicar tudo o que quiser quando chegarmos lá.

— Eu nem conheço você, — rebato. — O que significa que sair da minha casa para ir pro Norte com estranhos não é uma opção. — Aquele Lorde não poderia estar realmente falando sério.

— Eu quero seu bem Victoria, quero lhe dar a vida que você nasceu para ter mais lhe foi tomada. Não poderei ficar por muito tempo, infelizmente partirei amanhã no final do dia para a capital e gostaria muito que fosse comigo, ao menos para saber sua história. Você é livre e poderá voltar se quiser.

Tento rir. Mas meu riso sai vazio, como uma zombaria;

— Porque decidiu me procurar só agora? Se quer tanto me dar a vida que me foi tomada deveria ter chegado antes, poderia ter feito alguma coisa enquanto ainda havia tempo. — Quase acho que vou destruir alguma coisa, jogar algo em seu rosto sem mancha alguma. Em vez disso, fico imóvel, exceto por um dedo trêmulo que aponto para ele: — Está aqui porque não existem mais Campbell's! Está aqui porque decidiu que precisa de mim, não porquê quer o meu bem.

— Estou pedindo para alguém designado a se sentar no trono cumprir com o seu destino. — Os contornos das luzes ao meu redor se inflamam, ofuscantes por um momento. Trono? Como isso poderia estar acontecendo, até uma hora atrás eu era uma garota que morava de favor na casa dos tios e não tinha onde cair morta e agora de uma hora para outra eu era a herdeira de um trono?

Ele tira os olhos dos meus e se retrai como se tivesse sido queimado por chamas de decepção. Então se vira tão rápido que imagino não ter visto as lágrimas brotando em meus olhos.

— Engraçado, decidi que sou uma herdeira quando lhes convém.

Os guardas à espreita se mexem, desconfortáveis com a minha resposta fria. Seus olhos se abaixam para não constranger o seu Lorde, mas meu queixo se mantém erguido, mesmo quando uma fina lágrimas desce pela minha bochecha e a pressão no meu peito se inflama. Por muito tempo eu sonhei pelo momento em que alguém viesse me salvar. Um parente, um amor, um amigo. Mas nada disso veio, mesmo quando a dor foi tão forte que eu não quis prosseguir. Mesmo assim. Ninguém nunca apareceu. Agora eu sabia, todo o tempo, que eles poderiam ter vindo, poderiam ter mudado a minha história. Mas não o fizeram. E se não fosse pelo massacre da família real, talvez nunca teriam.

O grisalho me analisa com uma expressão indecifrável. Suas mãos estão unidas atrás da coluna e agora ele está longe.

— Caso decida aceitar a minha proposta e queira saber mais sobre.. — ele hesita, a voz nem dura nem suave. — bom tudo, estarei na cidade até amanhã, à sua espera. Até mais Victoria.

— Lorde Owen.. — o mesmo se vira bruscamente, claramente ansioso para ouvir a minha resposta. — Sinto muito, mas não conte com isso.

Ele fica tenso. Mas não vacila. Sua pequena comitiva e toda a luxúria desaparecem com a mesma facilidade que ousaram chegar. A porta bate atrás de mim, e eu fico sozinha com aquele grande vazio que me persegue. Em partes por nunca saber exatamente quem eu era, em outras por me sentir tão perdida, tão sem propósito e sem rumo, que não tinha forças para respirar.

Um sopro vindo da janela enche meus pulmões, ele é como a ânsia pela verdade, juntos me preenchem tão rápido que não posso evitar. Quando me mexo, sei que preciso revirar a parte de mim que mais tenho medo; o meu passado.

هههه

Obviamente meus tios me envolveram com milhares de perguntas sobre o que os tais guardas queriam, ainda assim desviei de todas elas. Uma parte de mim queria contesta-los, queria saber se toda aquela loucura era realmente verdade e que se fosse por que haviam escondido de mim? Mas isso nos levaria a uma discussão, e discussão era a última coisa que eu queria naquele momento.

Então inventei qualquer desculpa para eles e subi para meu quarto, alegando que no outro dia eu conversaria com os mesmos. Não era muito, mas já era algum tempo extra para eu tentar colocar todas essas informações no lugar. Subi para meu quarto, sentindo os ombros relaxarem de alívio por finalmente estar sozinha. Fui direto tomar banho, me livrando da roupa suja de um longo dia, depois voltei para meu pequeno cômodo e dei uma geral no mesmo, conseguindo só então sentar em minha cama, olhando em volta com a sensação de dever cumprido.

Uma luz suave emanava do lindo abajur dourado no criado-mudo, e a cama cheia de almofadas me fazia sentir aconchegada. Uma escrivaninha e uma cômoda ficavam uma de cada lado do quarto, e havia um grande espelho oval pendurado na parede ao lado da porta. Vários porta-retratos com fotos dos meus pais ocupavam a cômoda, fotos minhas pequenas, brincando na terra ou dando um sorriso travesso para a câmera. Em uma delas mamãe estava em um cavalo, sorrindo com lindas flores vermelhas na cabeça, ela poderia muito bem ser da realeza. Tinha os traços para isso, era a mulher mais linda que eu já conheci, com longos cabelos ondulados e castanhos, uma pele bronzeada que a salpicava de rubor e brilho, e olhos azuis vivos, tão claros que poderíamos enxergar toda a felicidade que transbordava através dela. Meu nariz ardeu iniciando lágrimas que eu não pude controlar.

Me inclinei levemente para pegar uma pequena caixa que ficava em cima da mesa lateral, desviando aqueles sentimentos eu abri a mesma, retirando o seu fundo falso e pegando assim todo o dinheiro que eu juntava por anos. Suspirei ao notar que ainda não tinha nem a metade do necessário para ao menos comprar minha liberdade daquele lugar onde as pessoas almejam se casar e viver o resto de suas vidas trabalhando como escravos ou cuidando de seus filhos, e a maioria estava satisfeita com o seu destino, mas eu estava longe de me conformar. Sempre desejei por mais, não que eu não fosse grata por tudo o que meus tios fizeram por mim quando meus pais morreram, eu era, realmente era. Só que essa vida estava longe de ser a minha vida.

— Toria desça aqui, tem alguém na porta à sua espera — fui interrompida com meu tio me chamando, guardei rapidamente minha caixa e vesti o primeiro casaco que vi, descendo as escadas e abrindo a porta logo em seguida.

— Oi anjo. — Mark pronunciou e meus olhos se encheram imediatamente de alegria pura e avassaladora.

Fechei a porta e pulei em seu peito o mesmo me segurou em seus braços e me girou pelo o ar, fazendo a brisa fria daquela noite tocar o meu corpo, borboletas voaram no meu estômago logo depois que ele me colocou no chão com cautela, um sorriso involuntário moldou meus lábios com seu ato simples e poderoso. Nós dois morávamos desde sempre em fazendas vizinhas, quando crianças estudávamos na mesma escola e jogávamos cartas todos os fins de semana.

Íamos para o lago que dividia nossas casas para pescar com tio Germano, mas ele sempre perdia a paciência com nosso tagarelar que espantava peixes e nos mandava embora. Então eu e Mark íamos catar frutinhas das árvores e brincar de aventureiros pelo quintal. Ele era o único menino com quem Eliz me deixava brincar, e o meu melhor amigo, mesmo agora.

— Você sumiu!— pronunciei assim que sentamos no balanço branco que ficava na varanda de casa.

— Não foi intencional Toria, nesses últimos dias trabalhei sem parar na fábrica, construindo os armamentos que o estado mandou fazer.. — ele sorriu, Mark assim como a maioria dos outros garotos de Golden Fox tinha os cabelos castanhos e olhos mel, a pele um pouco desgastada pelo sol mas com uma boa quantidade de músculos por conta do trabalho pesado que os homens do Sul eram desde cedo criados para fazer, isto quando não eram levados pela guarda, só que mesmo com estas características ele tinha um charme especial e único. Ele era gentil por mais difícil que sua vida tivesse sido, e por mais cabeça dura que fosse, ele ainda lutava pelo o que acreditava, com força e coragem.

— Volte para a terra Toria — ele estalou os dedos me fazendo despertar.

— Desculpe-me.. O que dizia?

— Como o estado suga de seu próprio povo, Allen tem nome de um país próspero mas há muito tempo ele não tem sequer um governante digno, as pessoas estão sempre sendo levadas para o exército ou estão simplesmente morrendo de fome.

Sinto o peso de suas palavras, realmente a situação do nosso povo tem sido por muito tempo, deplorável e precária.

— Falando em estado! Alguns guardas vieram aqui hoje.. — suspirei —Com um papo de que Amberly é uma Campbell, uma filha escura, uma Ferro legítima.

— Você está falando sério? — ele mal conseguiu dizer, de tão perplexo que ficou. — A sua mãe, uma Campbell?

— Não é? — Não consegui encará-lo, fiquei o tempo todo olhando para o chão, onde lascas eram visíveis na madeira antiga e desbotada. — Estou falando sério, mas ainda não consigo acreditar que possa ser verdade.

— Você sempre quis saber mais sobre a família da sua mãe. Se isso for real, Toria você poderá ter a vida dos sonhos, você não vai ser só uma órfã sulista. — disse firme, fazendo meu maxilar travar instantaneamente. O mesmo se levantou do banco rápido ainda sem tirar os olhos de mim. — O quê seus tios falaram?

— Nada, não falei com eles, isso pode nem ser real.. —Mark me olhou incrédulo, suas mãos estavam nos quadris e ele balançava a cabeça como se esperasse mais de mim. Quando éramos pequenos ele fazia aquilo, a ação sempre teve um ar divertido. Mas agora ela corroía meu estômago. — Não me olhe assim. Eu tô cansada de me decepcionar, tô só fazendo o que eu sempre faço, não criando expectativas.

— Você tem que se permitir ser feliz, vem.. — ele estendeu sua mão para mim. Me puxando para fora daquela casca oca em que eu me atrofiava sempre que possível.

— Para onde? — as estrelas atrás dele brilhavam como esperança em um infinito sombrio.

— Falar com seus tios, anda.. — olhei fixamente para ele. Sufocada.

— Não posso.. — Soltei sua mão.

— Olha, se isso der errado eu vou estar aqui pra juntar os seus cacos. — Mark me puxou de volta, sua altura me protegendo como uma sombra.

— Eu já estou quebrada demais para ser consertada. Eu já desisti de tentar Mark.. — confessei e meu queixo tremeu, mas não havia mais nenhuma lágrimas para cair. — Tem dia que meu coração dói tanto que eu acho que tô morrendo..

— Victoria eu tô aqui.. Estive quando caiu a primeira vez que andou de bicicleta, quando brigou com os meninos que me implicavam e quando seus pais morreram. Toria, eu sempre estarei com você.

Sua mão firme repleta de cicatrizes e calos me puxou para dentro de casa, ele me levou para a cozinha e indicou que eu sentasse, pude ver o mesmo saindo do meu campo de visão e logo após voltando com a presença de meus tios que se sentarem prontamente em minha frente um pouco ainda confusos com toda aquela situação.

— A Toria quer conversar com os senhores. — Mark pronunciou piscando o olho direito para mim e dando o espaço que precisávamos para poder ter a conversa que poderia mudar o rumo da minha vida.

— É.. — baixei meu olhar e comecei instintivamente a brincar com meus dedos, respirei fundo algumas vezes buscando algum tipo de tempo para minha cabeça formular o que minha boca iria dizer. — Sei que disse que teríamos essa conversa amanhã, mas Mark me convenceu que seria melhor eu dizer logo. — olhei para meu melhor amigo, o garoto da minha infância que esteve comigo quando tudo era brincadeira e quando tudo era caos. Quando o mundo me sufocava, eu olhava para cima, para o meu guardião. Meu anjo. Deus não me salvou mas me mandou um protetor. Alguém para estar comigo a vida inteira.

— Ainda bem que alguém coloca juízo nessa sua cabeça. — minha tia disse rude, e se eu não a conhecesse tão bem poderia ter me magoado com as suas palavras.

— Bem.. — olhei para Mark que estava encostado na porta e tomei a coragem necessária para contar tudo que os nobres tinham me dito sobre a minha mãe, sobre minha geração, sobre quem eu era e sobre meu sangue.

— Querida.. — Germano, pronunciou para minha tia Eliz calmamente, com um olhar singelo que fez o meu coração disparar.

Meu tio era um homem alheio que passava a maior parte do tempo trabalhando na fazenda ou com o grupo de caça. Para falar a verdade, nós quase não o víamos, um fato importante para o bem do casamento durável dele com Eliz. Seus cabelos eram de um castanho claro muito bonito, mas cheio de fios brancos que tinham aparecido de repente e aos montes uns três anos antes. Pequenas rugas sulcavam-lhe os cantos dos olhos e ele parecia carregar sempre um grande peso em suas costas, muita exaustão e mágoa que estava ali muito antes de eu chegar.

— Pegue a caixa, está na hora.. — ele completou.

Eliz o olhou com repreensão sem dizer nenhuma palavra. Uma briga interna travada entre o casal que jamais seria mencionada em voz alta, por segundos lentos e indecifráveis o mundo parou. Seus lábios sussurravam uma prece, um pedido de misericórdia para o marido. Mas Germano se manteve firme, mesmo quando ela perdeu o foco, começando a chorar conforme sua expressão se desfazia e fechava. As lágrimas perderam o controle sobre o seu rosto, caindo sobre a bochecha afiada, a cabeça balançando de um lado para outro em sinal de negação e protesto. Em seguida ela levantou-se trêmula do assento, as mãos nervosas iam aos lábios, seu vulto sumiu do cômodo e do meu campo de visão rapidamente, depois tudo ficou escuro.

Germano me encarou levemente os olhos escuros e estreitos correndo como se dissessem um " eu sinto muito". Antes mesmo dela retornar com a caixa em questão nas mãos eu soube; era verdade.

E isso mudava tudo.

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