4
Estava colocando o café da manhã sobre a mesa, até que Isabel chegou chorando. Estava com um arranhão na mão e nem tão cedo pararia de se lamentar por ele.
— Você apertou o gato de novo? Sabe que ele não gosta disso. — Digo tentando me aproximar dela, mas a mesma corre até Beto que a leva para limpar a ferida. Garoto nunca foi um gato que gostasse de carinho, na verdade não depois de adulto… agora o que esse gato mais faz e ir pra rua e só volta para casa para comer e dormir.
Sentando a mesa eu suspiro mexendo o chá sobre a xícara. O levando sobre a boca e sentindo seu corpo meio amargo eu fecho meus olhos e ouço em silêncio o choro e os sussurros de Beto com ela no banheiro. A fumaça batia sobre meu rosto enquanto eu prendia minha respiração a soltando logo em seguida suavemente.
Eu realmente não havia pedido essa vida, eu realmente não queria alguém para cuidar, ainda mais uma criança, primeiramente nunca fui boa com crianças e segundo nunca soube cuidar de ninguém, não posso afirmar nem mesmo que cuidei de mim própria até os dias de hoje.
Vivia a adrenalina, o perigo e a solidão sem ter um prazo para parar, pois esperava que uma delas me tirasse a vida antes que eu mesma fizesse isso com minhas próprias mãos.
Ainda bebendo meu chá eu ignorou Isabel olhando para mim. Não quero que veja fraqueza em mim, nem um pouco. — Coma. — Digo me levantando da mesa.
Pegando o notebook sobre a mesa, eu me sento no sofá onde ainda continuo tendo a visão das pessoas sobre a mesa de café. Isabel brincava com os Youtiao, os colocava dentro do leite de soja e os olhava se quebrar e derreter dentro do recipiente.
Por cima do aparelho vi Beto se colocar de pé onde beija a testa de Bel e caminha até o balcão pegando suas chaves e se retirando.
Também me colocando de pé, eu caminho até meu quarto, estava confiante de que meu plano daria certo.
Colocando uma calça jeans preta, um tênis e uma jaqueta eu vou até a sala onde mando Isabel colocar uma roupa para sairmos, e enquanto isso paro olhando a mesa e o café dela completamente do mesmo jeito, exceto pela bagunça que fez.
Quando finalmente já havia arrumado tudo, apertei meus lábios encarando Isabel sair lentamente pela porta. Estava encolhida tentando fechar sua sandalha branca enquanto eu a olhava vestida com um pequeno vestido de flores rosas e tecido também branco. Após seu término, eu a chamei e a coloquei de frente para o espelho ao lado da tv, precisava dar um jeito em seus cabelos compridos. Fazendo um coque alto como o meu, eu peguei minha bolsa e a chave do carro.
Eu não precisava dizer que íamos para um lugar longe, Isabel sabe disso todas as vezes que saímos de carro. A olhando pelo espelho, eu suspiro sem que ela perceba. Estava com o cinto em volta do corpo e observando as coisas do lado de fora, não dizia nada, e também não disse nada quando parei o carro a fazendo descer na frente de um grande parque de diversões.
Sabia que ele ainda estaria aqui. Era maior do que eu imaginava. Pegando em uma das mãos de Isabel, eu caminhei com ela até a entrada do parque.
Eu não sabia ao certo se ela estava ou não feliz, mas tentei mesmo assim.
Tentamos o carrossel, a maldita da montanha russa e até a roda gigante, mas nada a fazia sorrir e tão pouco olhar para mim. Quando por fim já havia desistido do parque e até mesmo de oferecer algum doce, um rapaz dono da barraca de tiro ao alvo me desafia.
— Então se eu acertar três de cinco você me deixa ficar com qualquer um dos ursos? — Ele concorda com um grande sorriso. — Qual você quer, Isabel? — Pergunto e a assisto enquanto força seus lábios tentando se decidir entre dois ursos. — Que tal, se eu acertar os cinco alvos você me dá aqueles dois ursos — era um grande urso marrom claro e um elefante rosa maior ainda. — Caso contrário eu vou embora sem nada.
Naquele mesmo instante Isabel apertou uma de minhas pernas e gemurou.
Esperando que o homem arrumasse os alvos improvisados que ele tinha, algumas pequenas madeiras com um potinho preso nelas. Após ele os colocar em seu devido lugar eu tomo minha posição lembrando que a rolha presa na arma de pressão era leve demais e voaria fácil com o vento.
Era fácil, eu apenas precisava colocar a rolha dentro do pote, podia fazer isso de olhos fechados, tudo que preciso é medir o vento.
Sei que essa aposta foi baixa, talvez devesse dizer a ele que sou profissional? Não!
Não pensei muito apenas esperei o vento e o momento certo e 1,2,3… e em menos de um minuto todos os cinco alvos estavam preenchidos.
— Então eu quero aquele urso — disse apontando — e o elefante cor de rosa.
— Espera, não acha melhor…
— Não, eu quero aqueles dois.
Pegando os ursos na mão eu me abaixo para colocar pelo menos um nos braços de Isabel. Depois de ter apertado com muita força seu elegante rosa, ela veio até mim e me deu um forte abraço, por um momento senti ter ganhado o mundo, foi como ter abraçado a pequena Gabriele pela última vez. Espero que ela esteja bem. Que todos estejam.
— Sei que não é muito…
— Eles são lindos. — Disse fazendo os sinais com dificuldade.
— Filha precisamos conversar. — Ela assentiu. — O que eu fiz ontem, às coisas que fiz, uma delas é pro seu bem, sei que gosta do tio Hu wang, mas eu preciso que de um tempo, tudo bem?
— Por quê?
— Só promete que vai da um tempo.
— Só um tempinho. — Sorrio.
— E o que ouviu quando eu estava discutindo com seu pai, não era o que eu queria dizer. Você sabe, a mamãe era uma boa policial, e eu pretendia voltar a ser uma até que soube de você. Você sabe que foi difícil, e que eu estava doente, mas agora é diferente, tudo que eu quero é proteger você. — Eu me lembrava de exatamente tudo o que passei durante a gestação, as crises, as vezes que tentei matá-la, por um tempo os tratamentos foram mais por ela do que por mim.
— Tudo bem, mamãe. — Disse colocando a mão sobre o meu rosto e se aproximando, onde deu um beijo rápido em meu nariz. — É por isso que a madrinha não tem filho? Ela também tem medo?
— Não, a madrinha não pode ter filhos, é diferente. — Dito isso eu comecei a observar Isabel, sua pupila estava um pouco dilatada, era como se ela tentasse ver, franzia bem os olhos e os mexia para todos os lados até que caiu sobre meus braços depois que percebi que isso poderia vir a acontecer.
— Ela desmaiou? Ela desmaiou! — Gritou o rapaz da barraca enquanto eu tentava ver os batimentos de minha filha.
Correndo com ela nos braços eu deixei os ursos para trás, mas ouvi passos vindos na mesma direção que os meus. Após chegar perto da porta do carro peguei com dificuldade minhas chaves, mas não fui capaz de abrir a porta.
— Me de! — Era o homem da barraca, ele carregava consigo os ursos.
Assim que arrumei minha filha nos bancos de trás com algo sobre a cabeça, agradeci o rapaz, que me disse que tudo ficaria bem e jogou os ursos sobre o banco ao meu lado.
Depois de muito olhar para trás para observá-la, finalmente chegamos na porta do hospital. Saindo do carro a peguei rapidamente no colo e em seguida bati com a porta do carro o travando. Passando às pressas pela porta de vidro do hospital, eu tenho meus braços livres quando um dos doutores a pega e começa a me perguntar o que havia acontecido.
[...] finalmente tudo estava mais calmo, Isabel estava no soro e quando abriu os olhos novamente a primeira coisa que me pediu foi seu elefante rosa. Felizmente agora ela apenas dorme, estava fraca pela falta de nutrientes no organismo.
— O que houve? — Rapidamente me levantei da cadeira encarando Beto.
— Fique calmo, sua filha está bem, foi apenas uma fraqueza por falta de alimentação. Eu só vou preencher isso e assim que o soro acabar podem levá-la. — Sem dizer mais nada o doutor saiu da sala.
— Quando eu ia saber disso? — Apenas fiquei quieta. Como ele estava aqui? Quem o contou? Talvez um dos policiais que estavam no parque tenham passado um rádio. — Elena! — Ele dá um grito.
— Quando chegasse em casa, como não foi nada grave não achei necessário atrapalhá-lo em seu trabalho.
— Nada grave? A nossa filha ta no hospital, e você ainda pensa duas vezes se vai ou não me ligar? Que tipo de mãe é você?! Tanto tempo se passou e ainda não é capaz de cuidar de alguém? De uma criança?! — Apertando meus punhos eu permaneço calada. — Poderia tê-la matado! Dessa vez realmente poderia tê-la matado. Não foi o suficiente no início, quantos anos mais de terapia você precisar para aprender a viver como uma pessoa normal?! Uma mãe normal?! — levando minhas mãos sobre os ouvidos rapidamente, eu simplesmente peguei minha bolsa sobre a cadeira e atravessei a porta do quarto e instantes depois a porta de saída do hospital.
“Não é minha culpa, eu só queria… eu só queria que ela confiasse em mim mais uma vez, eu sou um fracasso.”
Me sentando sobre o banco, eu abro minha bolsa e dou de cara com meus calmantes e um maço de cigarro. Eu realmente precisava relaxar.
Pegando um dos cigarros eu o levo sobre a boca e o acendo em seguida.
— Eu sou um fracasso. — Trago profundamente. — Eu quase a matei. — Trago novamente. — Quase a matei, quase a matei de novo, mais uma vez. — Quando traquei pela terceira vez já pronta para retirar mais um cigarro, eu ouvi alguns passos que pararam sobre minhas costas.
— Mamãe, você está fumando? — Jogando o cigarro no chão e pisando no mesmo, eu me viro rapidamente onde encaro Beto rapidamente sobre as costas de Isabel, e logo depois ela agarrada em seu urso. — Me desculpa, mamãe.
— Eu vou te levar para comer alguma coisa. — Ela concorda. Me levantando eu seguro em uma das mãos de Isabel, e paro de frente para Beto olhando dentro de seus olhos, eu não tinha dificuldade para fazer isso, tínhamos o mesmo tamanho.
— O papai também vai?
— Não, o seu pai precisa voltar para o trabalho. — Ele concorda sem para de olhar em meus olhos. Dando um beijo em Isabel que a fez parar nos braços dele, ela volta instantes depois para o chão e Beto dá as costas, ou melhor eu dou as costas antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa.
1
A trajeto foi o mesmo, porém não entramos em casa, apenas seguimos caminho de lá para a lanchonete a algumas ruas a frente da nossa porta.
— Então, o que vão querer? — Pergunta Yang Lin, minha vizinha. Ela era o motivo de sempre evitarmos esse lugar, mas em todo caso é o mais próximo para o momento.
— Arroz thai. — Era apenas arroz com algumas tiras de cenoura, frango e temperos.
— E você garota?! — Declara com a voz firme e sem vontade. Isabel não havia ligado para sua mudança de tom, ou talvez houvesse fingido não ouvi-la. — Eu volto quando ela terminar de escolher entre os 57 itens do cardápio.
— Quero um Yakisoba! — Disse fazendo Yang Lin bufa enquanto anotava seu pedido de costas para nós. De 57 itens, Isabel fez questão de ler todos e escolher o primeiro da lista. Com um sorrisinho sapeca ela suspira olhando para a grande janela.
Alguns minutos se passaram e nós saímos satisfeitas do estabelecimento. Sentindo Isabel apertar minha mão, ela aponta para frente onde observamos o garoto passar com seus pelos negros brilhantes. Parecia satisfeito com a noite anterior, e provavelmente estava com fome.
Assim que o sinal fechou, nós demos alguns passos a frente, Isabel estava louca para pegar aquele bicho peludo nas mãos, mas quando ela começou a fazer mais força e correr enquanto segurava minha mão, eu dei um arranque em seu corpo e a puxei para próxima de mim quando um carro em alta velocidade passou.
Estava com Isabel nos braços segurando sua cabeça enquanto observava sem expressão nosso gato morrer lentamente no asfalto.
2
Bem no finalzinho da tarde Isabel parecia um pouco mais calma, havíamos enterrado o garoto no quintal, admito que não pude me manter firme vendo minha filha chorar e tão pouco em lembrar os momentos que passei com aquele gato ranzinza. Foi um dos melhores presentes que recebi de Beto enquanto estava em terapia.
Estava quebrada, quebrada psicologicamente. Cobrindo meu rosto com as mãos, eu relaxo ouvindo a porta ser aberta. Sentindo meu corpo se arrepiar assim que minha cintura é rodeada, eu aperto meus lábios sentindo o cavanhaque de Beto roçar a pele de meu pescoço.
Deslizando minhas mãos pelo corpo enquanto ouvia a respiração de Beto em meu ouvido, eu as levo de encontro as dele ainda com meus olhos fechados. Apertando seus braços em meu corpo, rapidamente me viro o abraçando forte. “Eu ainda estou com raiva, mas preciso disso. Preciso de você.”
— Eu preciso pedir desculpas pelo que houve, pelas coisas que aconteceram. — Falou enquanto coçava meus cabelos.
— É, você precisa. — Brinco em tom sério enquanto aperto meus dedos em seu corpo.
— Eu lamento pelo gato. — Assento. — Fiz uma reserva para gente em um restaurante popular. Admito que consegui um desconto. — Suspiro sorrindo. — É sério, eu só quero tentar amenizar um pouco as coisas. — Declarou me olhando nos olhos.
— Eu não posso. — Respondo caminhando pelo quarto. — A nossa filha precisa de mim, acho que está na hora de aprender a cuidar de alguma coisa.
— Não pode deixar isso para mais tarde? Eu chamei a Liu. E a Isabel concordou.
— Hn… — Emiti mordendo o canto dos lábios.
— Nem por uma hora? Eu não mereço seu perdão? — Lentamente ele se aproxima parando novamente em minha nuca. — Nem uma hora? — Ele sussurra, e lentamente aproxima seus lábios da minha pele.
— Talvez trinta minutos. — Digo.
— Tem certeza? — Sem dizer uma palavra a mais, ele simplesmente se aproxima de uma de minhas orelhas me fazendo estremecer ao toque da sua língua quente. Parando tão rápido quanto começou, ele se coloca em minha frente levantando meu queixo e me beijando. Sentindo seus dedos brincarem com alguns fios de meus cabelos, eu sorrio me afastando e olhando dentro de seus olhos.
— Uma hora. Apenas uma hora. — Falo em som abafado, e ofegante.
É eu havia cedido, mas não estava arrependida da minha escolha. Saindo do banheiro apenas de toalha eu tento escolher entre dois vestidos pretos. Um deles era curto um pouco acima dos joelhos, com um corte na cintura e nas pernas, já o outro longo e com dois grandes cortes laterais. Talvez seja melhor o menor.
Assim que peguei o vestido sobre as mãos, a porta do quarto se abriu.
— Eu gostei mais do outro.
— Do outro?
— Sim, do outro. — Com um sorriso descarado ele se aproxima exibindo suas vestes. Um sapato social, calça e uma blusa de mangas compridas jeans.
— Tem certeza que não liga pro corte V e pros cortes laterais? — Levanto uma sobrancelha.
— Adorava quando usava algo assim enquanto o homão aqui tava te seduzindo — suspiro em ironia. — Porque não gostaria de vê-la assim agora que estamos casados? Gosto quando os outros babam na minha esposa. — Assento negativamente enquanto o vejo pegar o vestido e o entregar em minhas mãos, me virando de costas, ele dá um tapa em meu traseiro e se deita sobre a cama.
3
Antes que pudéssemos sair, Isabel correu até mim me pedindo que a colocasse para dormir. Passamos minutos e mais minutos conversando e tentando explicá-la que o garoto estava com seus avós no céu agora, e que lá ele estava sendo bem tratado.
— Eu disse que esse era o vestido perfeito. Eles devem está falando nesse exato momento “que cara de sorte ele é”.
Assim que nos sentamos, um dos garçons veio até nossa mesa e Beto simplesmente descartou o cardápio pedindo o especial da noite.
Conversamos sem pausas até que muitas tigelas foram postas sobre a mesa, estava faminta e não demorei muito para pegar os hashi. Me servindo com pouco de arroz, vegetais e algas eu abri o recipiente maior que enquanto uma braça era acesa sobre a mesa.
— Não! Beto eu não vou comer isso! Essa coisa ta viva?!
— É só um polvo. Vamos, me ajude a pôr no fogo.
— Não mesmo.
Quando aquela coisa enorme, feia e estranha estava pronta, Beto não mediu esforços e pegou um dos tentáculos o levando sobre a boca enquanto ria ao olhar de relance minha cara feia.
Quando finalmente deixamos aquele restaurante cheio e o cheiro de polvo maldito de lado, eu agradeci pelo ar gelado e fresco. Havia sido um bom jantar, um bom momento, mas eu estava exausta.
— Onde está indo? — Interrompeu me puxando pelo braço e me levando de encontro a ele. — Achou mesmo que eu aceitaria apenas uma hora? Não escolhi esse vestido atoa, minha intenção ainda é tirar ele.
— Para isso eu acredito que ainda tenha forças.
— Faço melhor. — Explana se aproximando de meus lábios. — Temos uma reserva naquele hotel, e eu não paguei um quarto atoa. — Sem que me deixasse dizer algo, ele me puxa nos fazendo atravessar a rua vazia e ir de encontro ao prédio.