1
Me lembro como se tivesse sido ontem, ainda sinto a dor daqueles saltos sobre meus pés, e aquele vestido longo e apertado. A gente não precisava de convidados, tudo que tínhamos era Jin e Lahnn, e nós bebemos a noite toda até não aguentar mais nosso próprio corpo. Ainda não acredito que casei com aquele cara e nem que temos uma bela família, em pensar que sou tão pouco para ele.
— Você não é, mas continue.
Naquela noite bebemos muito e eu ainda tive uma daquelas longas crises então ele me levou para casa e eu senti quando me cobriu e se deitou ao meu lado. Eu nunca pude fazer muito por nós... mas ele tenta por mim e agora eu acho que posso tentar também.
— Sra. Min, acha que posso voltar a minha carreira de policial? Quer dizer, acha que posso tentar a carreira de policial?
— Achei que fosse o sonho da sua irmã. — expôs escrevendo algo em seu bloco.
— Acho que compartilhamos do mesmo sonho agora. — Confesso vendo um sorriso de sua parte.
— Se isso é o que quer, quem sou eu para impedi-la?
— Quem sabe mais de mim do que eu mesma? — Questiono observando suas rugas.
— Apenas sei aquilo que me conta. Mas se prometer continuar sem fumar e tomar seus medicamentos, tenho certeza que logo voltará a ser a grande policial que era. Bem, acabamos por hoje.
Me colocando de pé, eu caminho em sua companhia até a porta onde me curvo mostrando meu respeito a ela e a observo fazer o mesmo. Eu estava feliz em tê-la aceitado em minha vida, afinal se não fosse por ela, tudo que Beto fez por mim até hoje, poderia ter sido em vão.
Caminhar sobre as ruas de Huãbàn com meus cortes a vista foi algo difícil para mim no começo, mas agora não me importo que vejam, não me importo que me julguem, ter vindo para cá foi a melhor escolha que tomei.
X
Já estava próxima quando o grande sorriso e os pequenos saltinhos se iniciaram. Minha felicidade estava à minha espera me aguardando do outro lado dos portões “ escola especial para surdos”. Ao correr em minha direção com os braços aberto, eu me abaixei a apertando forte e sentindo seu cheiro doce.
— O que acha de um sorvete? — pergunto sentindo seus bracinhos soltar meu pescoço. Seus olhinhos brilhantes e castanhos me lembram seu pai, e sua inocência me lembra minha infância. Sorrindo para minha filha eu me levantei segurando sua mão é caminhando com ela até o sorveteiro mais próximo.
Admito nunca ter sido chegada a flores e pétalas, mas morar em Huãbàn no bairro das pétalas me fez olhá-las de um outro modo. Além do mais me lembram Jin, e quanto tempo faz que não a vejo.
Chutando as pétalas rosas sobre a rua junta de minha filha, nós paramos logo mais abaixo de uma árvore de cerejeira para comprar nossos sorvetes.
— Dois de chocolate, por favor. — declarei observando o lago coberto de folhas cor de rosa e alguns patos.
— Aqui está! Um para a senhora bonita, e o outro para a filha linda da senhora bonita.
— Sorri. — Como se fala? — perguntei a olhando se lambuzar em seu sorvete.
— Obrigada.
— Em chinês?
— Xiê Xiê. — Suas mãozinhas mexiam em tão perfeita harmonia, tanto em chinês quanto em português.
Me afastando um pouco vejo quando uma sombra passa por nós. Soltando a mão de minha filha que me viu se afastar rapidamente eu aguardei um momento para processar tudo em minha cabeça.
Minha filha estava quieta e assustada sobre a sombra da árvore, e enquanto isso eu observava os policiais apontando suas armas para minha direção enquanto alguém segurava uma faca sobre minha garganta.
Sua respiração estava acelerada, batia sobre minhas costas e o ar quente de seu nariz batia em alguns fios de meus cabelos, tinha minha altura provavelmente.
— Solte a faca! — Gritou um dos policiais.
— Eu vou matar ela! — Ele iria? Revirei meus olhos olhando na direção da minha menina.
Sem pensar muito, me fiz de vítima para que pudesse levar minhas mãos até seu braço, logo após isso bati com minha cabeça sobre seu rosto e após seu recuo peguei sobre um de seus dedos onde o torci para que soltasse a faca. Havia tempo que não sentia tanta adrenalina. O jogando sobre o chão eu levei seu braço para trás de suas costas e apoiei meu joelho sobre sua nuca enquanto torcia sua mão.
Depois que os policiais capturaram o rapaz, eu rapidamente fui em direção a minha filha, estava tão pálida e seu sorvete derretia sobre as mãos.
— Não conte nada ao seu pai. — Pedi a limpando e passando rapidamente no meio das pessoas.
Depois de uma caminhada rápida com destino ao mercado e até a mais um sorvete, nós finalmente chegamos em casa. Estava ansiosa para fazer um bom jantar para minha família, para assim talvez pode dar a notícia que eu queria voltar a policia. Faltando pouco menos de uma hora para Beto chegar para o jantar, eu aconcheguei Isabel sobre o sofá, e enquanto a mesma via um desenho animado eu a pedi que vigiasse nossa refeição no forno.
Fechando meus olhos, eu aprecio a água quente descendo por meu corpo. Me deitando sobre a banheira meus devaneios me levaram até a sede do Bairro Branco. Como o pessoal deve estar, será que tudo corre bem… será que sentem minha falta? Espero que sim.
Ao me virar para o lado, vi minha filha apontando para a cozinha em desespero, “ mamãe, o papa” me disse ela correndo para o corredor. Me levantando rapidamente, me enrolei sobre a toalha e corri em direção a cozinha. Passando por minha filha que pula em desespero, eu abro a porta do forno e o grande calor e fumaça invadem minha face. Pegando a luva logo mais a minha frente, eu corro com a bandeja até a pia, dando um pulo em seguida após ligar o sensor de incêndio. Ligando a torneira eu subo sobre a pia e começo a abanar para que pelo menos um pouco da fumaça se dispersa-se.
Ouvindo a risada doce de minha menina, eu desço da pia e observo com desânimo nossa lasanha totalmente queimada. A única maneira era comer comida chinesa mais uma vez.
XX
Assim que Beto passa sobre a porta Bel pula em seus braços e o envolve em um grande abraço. Ainda com ela sobre os braços ele fecha a porta, coloca suas coisas sobre o sofá e caminha até mim com seu grande sorriso. Beijando meus lábios eu passo uma de minhas mãos sobre seu rosto e aprecio o mais lento possível sua barbicha roçar em meu rosto e em minha mão. Abrindo meus olhos eu pego Isabel sobre os braços e rapidamente ela abre seus pequenos olhos.
— Vou tomar meu banho e já volto para jantar com vocês. — Declarou piscando para nós e beijando a bochecha de Bel.
Passados alguns minutos, nós nos sentamos sobre a mesa e esperamos até que Beto finalizasse a oração.
Não frequentamos uma igreja ou temos visitas de padres, apenas decidimos que estava na hora de mudar e realmente muita coisa mudou depois dessa escolha. Tenho certeza que minha motivação foram os acontecimentos passados de minha vida, aquele crucifixo, a mensagem do padre do bairro…
Antes de termos essa grande mudança eu não parava de ter pesadelos, e até mesmo de ver os flashbacks daquele dia. Tudo parecia tão recente para mim, a dor de quase perder Beto, de quase perder tudo.
— Amor?
— Me desculpe. — peço após abrir meus olhos.
— Hn, comida chinesa, que maravilha. Afinal, estamos na china, não é mesmo?! — Afirma fazendo uma carranca enquanto enche sua boca.
— Mamãe deixou o papa queimar e depois ficou brincando com a fumaça assim ô… — se levantando sobre a cadeira ela pega seu guardanapo sobre a mesa e começa a sacudi-lo.
Olhando Beto de canto, eu assisto quando ele se levanta e corre até a cadeira de Isabel a pegando sobre a cintura e correndo com ela pela casa a fazendo de avião.
— Vocês não vão comer? — pergunto observando a cara feia de ambos. Assim que a brincadeira toma novamente um rumo, eu pego os potes sobre a mesa e caminho até a cozinha os jogando no lixo.
Passados alguns minutos brincando, Bel já aparentava sono, mas lutava contra ele e continuava com sua brincadeira que ninguém entendia além dela. Quando finalmente consegui a levar para seu quarto, ela já não parecia mais ter sono e me fez um pedido que eu nunca consegui satisfazê-la… Caminhando até Beto eu o peço que a conte uma história, afinal eu nunca fui boa para contar histórias, e tão pouco uma que tivesse um final feliz e não utilizasse armas.
XXX
Observando os papéis de Beto sobre a mesa de centro, eu caminho na direção dos mesmo me sentando sobre o sofá. Era algo comum Beto jogar seus casos sobre a mesa e começa a estudá-los, mas não sozinho e não a essa hora do dia. Talvez fosse importante, mas importante que todos os outros.
“Parabéns pra você”. Após ler o nome do caso uma grande vontade de rir me subiu à garganta.
Havia fotografias de uma casa enfeitada para a comemoração de uma festa de aniversário de 6 anos de idade, pratos de bolos, roupa de palhaço e uma criança. Sobre a fotografia estava escrito seu nome “ Gao Lin” nome que também estava escrito sobre as faixas acima do bolo.
“ Informações sobre o caso”. Criança de seis anos envenenada por veneno de rato, enquanto comemorava seu aniversário.
Havia a gravação de alguns interrogatórios sobre o tablet de Beto, porém no exato momento ele se senta ao meu lado.
Pegando algumas fotografias sobre um outro envelope, ele o coloca sobre a mesa.
— Eu tirei uma foto do quadro de provas. — informou colocando seu celular em minhas mãos.
Algumas pessoas haviam sido interrogadas, mas descartadas do crime, e a única pessoa que para eles tinha como o assassino era Li Yang, o namorado de ( Zhang Sol) mãe da vítima. Havia algumas fotos dele vestido de palhaço, tenho certeza assim como todas as outras, essa também foi recolhida da câmera particular de Zhang Sol. Ao lado tinha algumas dela abraçada com Li Yang.
— A mãe disse que a fantasia era algo da família, Gao Lin gostava quando seu falecido pai a usava em suas festas.
— E porque acreditam que ele é o culpado?
— Todos que estavam presentes disseram que foi ele quem entregou o bolo para o menino.
— Hn. E desde quando isso é uma prova relevante? — Questiono olhando as fotos.
— Desde quando todos culpam a mesma pessoa?
— Já passamos por isso Beto, sabe que não é assim. Além do mais, sabia que eu iria me interessa no caso. Fez de propósito. — Soltando as coisas sobre a mesa eu o encaro sorrindo para mim e vindo em minha direção.
— É claro. Na verdade ainda não entendi a sua demora para assumir que quer voltar a ser policial.
Levantando minhas sobrancelhas, eu viro meu rosto indo em direção ao controle, mas quando o pego Beto o tira rapidamente de minha mão assim que a jornalista começa a falar sobre uma mulher misteriosa que havia ajudado alguns policiais a prender um homem.
— Quando ia me contar isso? Ainda vai esconder de mim que quer voltar pro seu antigo cargo?
Desvencilhando de seus olhos, eu corro rapidamente em direção a porta quando ouço algumas batidas.
— Vizinha? — Digo estendendo os braços para pegar meu gato em suas mãos assim que ela o jogo.
— Não irei falar de novo! Deixe seu gato longe da minha menina!
— Mas ele é um gato. — Retruco.
— Longe! — Reforçou dando as costas e seguindo para o prédio da frente.
— Ela é sempre assim? — Perguntou gargalhando.