Três
— Norman! — exclamou a princesa de Chogo ao descer as escadas, vindo em minha direção.
Diferente do dia anterior, suas vestes eram aparentemente mais confortáveis. O vestido prata com um brilho fosco, se estendia por sua silhueta jovem e a sútil penugem nas alças davam um ar de maturidade à peça, mesmo que isso não conseguisse esconder a idade de sua usuária. Seus cabelos lisos e escuros, desciam por seus ombros mostrando o comprimento exageradamente incrível.
— Parparadi, princesa. — Cumprimentei-a, dizendo a saudação costumeira de Gogh. A jovem sorriu sutilmente e me abraçou pela cintura para minha surpresa.
— Mariko — corrigiu-me ela ao sussurrar em meu ouvido. — Meu irmão permitiu o uso do simples nome, se lembra?
— Oh! Sim, claro. E como está essa manhã?
A garota mantinha seu sorriso estampado em face. Fiz a pergunta por mera educação, pois era óbvio que ela estava adorando tudo ao seu redor.
— Ótima! Gogh é maravilhosa! — exclamou ela. — Todos são fascinantes!
— Já havia viajado antes? — perguntei-lhe intrigada com sua empolgação. Ela negou sem tirar o sorriso do rosto, enquanto seus olhos jovens brilhavam como estrelas de tão extasiados. — Então realmente está sendo um achado.
— Papai dizia que mulheres não precisavam viajar, a menos que fosse para encontrar o prometido e eu não havia sido prometida ainda. Tadaki não gostava de me ver presa, então me deu mais liberdades após assumir o império. — Ela girou com a alegria emanando de si pelo corredor, fazendo o vestido abrir ligeiramente sua saia. — Agora estou dançando longe de casa!
— Vejo que está se divertindo! — comentei, sendo contagiada por sua empolgação.
— Oh! Não apenas isso! — A garota se pendurou em meu braço, se aproximando ligeiramente para sussurrar outra vez. — Todos os reinos e ilhas foram maravilhosos conosco, mas desde o porto de Portube até a entrada desse castelo, as pessoas os superaram! Vocês são realmente receptivos, cativantes e, pelos deuses, a ilha é incrível!
— Mariko, você andou conversando com meu irmão? — questionei. Só havia uma pessoa que a deixaria daquela forma depois de longas horas falando sobre as montanhas da ilha.
— Sim! — Ela confessou em forma de comemoração. — O príncipe passou essa manhã me ensinando tudo sobre o Selo e as montanhas! Como Gogh é linda, preciosa e gigantesca. Amanhã vamos passear pelas redondezas e eu estou ansiosa para saber mais!
— Querida, o príncipe pode exagerar em algumas coisas. Considere que somos apenas mais uma ilha aliada.
— Não, Norman! — Ela sentou-se em um dos bancos ao lado das enormes portas de madeira. — Durante três meses viajei com Tadaki para conhecer os aliados e ninguém nos tratou como vocês. Todos sempre seguiam as etiquetas de Chogo e tanto eu quanto meu irmão, estávamos fartos disso — ela gesticulava ao falar, como se estivesse me vendendo o melhor peixe do mercado. O que me divertia. — Por essa razão, ele resolveu fazer a expedição a Gogh o quanto antes. A ilha pode ser pequena aos seus olhos, mas aos dele é preciosa.
— Desculpe, querida. — Sentei-me ao seu lado para analisar aquela conversa com mais delicadeza. O assunto iniciado me pareceu interessante. — Explique melhor. Aos olhos dele em que sentido?
— Tadaki quer mudar muita coisa em nosso território. Mas acredita que alterando algo sozinho, irá causar revolta no povo. — Ela falava em cochichos naquele momento para que os guardas espalhados pelo castelo, não pudessem nos ouvir. — Então se ele tiver os reinos aliados ao seu favor, além das tropas a postos para uma rebeldia do povo, talvez consiga suas mudanças sem muito alarde.
— E quais mudanças poderiam causar essa revolução que ele tanto teme? — Ela deu de ombros como se não soubesse o restante da informação. Porém, seus olhos diziam que ela tinha suas suspeitas e apenas não poderia dizer-me, por hora.
— Mas poucos aliados gostaram das ideias e parece que só seu pai concorda cem por cento. Por essa razão, Tadaki se apressou para chegar aqui e quando te vimos ontem com toda sua superioridade, soubemos que era o lugar certo.
Ela finalizou. Seus olhos esperançosos e brilhantes foram de encontro a porta ao nosso lado fazendo uma breve observação do local onde estávamos, depois retornaram para mim enquanto eu sorvia suas informações.
— Eles estão lá dentro? — questionou a jovem curiosa e eu assenti. — Estava tentando ouvir?
Desviei o olhar, o que deve ter entregado-me por completo. Não tive como negar, já que ela havia encontrado minha face colada às portas. Então assenti novamente e ela riu de minha expressão de culpa. Dei de ombros a sua sátira e fingi ignorá-la em brincadeira.
— É uma pena que você não queira se casar. Eu adoraria tê-la como irmã…
Lamentou Mariko. Os dedos finos da moça apertaram o vestido como se mostrasse vergonha de suas palavras.
— Mas eu não preciso ser esposa de seu irmão para isso. Podemos ser amigas e escrever uma para outra — dei um tapa amigável em sua mão nervosa, vendo os olhos cintilantes da jovem se direcionarem aos meus ainda mais empolgados. — Além disso, pode nos visitar sempre que quiser agora.
— Fico tão feliz com isso. Vocês também! Todos vocês! Seria maravilhoso que nos visitassem.
— Não se preocupe, uma de minhas irmãs fará com que seja nossa obrigação.
A garota riu de minhas palavras, pois notou o desdém nelas. Eu revirava os olhos, já imaginando no que as duas deveriam tramar para terem o imperador aos seus pés. Até senti dó do homem, pois o desespero de minhas gêmeas iria deixá-lo confuso ou paranoico, mas seria divertido ver aquilo. As portas francesas finalmente se abriram ao nosso lado. Eu e Mariko nos colocamos de pé, enquanto os conselheiros reais saíam da sala nos cumprimentando. Logo veio o senhor e general, Turu Sasato acompanhado de seu imperador e o primeiro conselheiro de meu pai.
— Princesas, bom dia!
— Parparadi, Chesco. Faz tempo que não o vejo — dei o cumprimento ao homem que nos dirigiu a primeira palavra.
— Muitas viagens, querida. Porém, você tomou conta de tudo enquanto estive fora e pelo que seu pai me disse fez um ótimo trabalho, como sempre. — O Imperador me observava durante a conversa com o conselheiro. Talvez por eu não o ter cumprimentado, o que me deixou constrangida ao lembrar.
— Oh! Desculpe-me, meus senhores. Bom dia! — novamente Tadaki me deu um sorriso sutil, como na noite anterior e seu conselheiro sempre mantinha o olhar apavorante de homem destemido.
— Parparadi, senhorita Norman — disse o imperador, usando nossa saudação local. — Creio que seja nosso acordo o uso do simples nome, certo?
Não consegui esconder o riso constrangido com sua indireta sobre minha recepção e assenti para não fazer mais feio do que já havia feito. Ele nada disse, apenas me fez uma reverência. Em seguida, deu sinal a sua irmã que me lançou um aceno de despedida para enfim, poder acompanhá-lo junta de Sasato.
Tornei os olhos para Chesco que tinha um brilho diferente e intenso nas irises. Um sorriso de canto em seus lábios se revelou quando o imperador já estava distante.
— O que foi? — perguntei-lhe. Ele analisou com cuidado o corredor por onde partira os três e depois voltou seu olhar para mim.
— O que aconteceu aqui? — questionou por fim, franzi as sobrancelhas sem entender e o homem riu. — “Senhorita Norman”. Não me diga que…
— Que o novo imperador é diferente do pai e viu como uma brincadeira.
— Interessante. Acredito que você deva estar se mordendo de raiva por dentro — Chesco riu descontrolado, começando a andar antes que eu lhe ofendesse com minhas palavras ácidas. — Seu pai lhe espera.
Ele disse seguindo seu caminho por fim. Eu sabia que ria por ter visto alguém entrar em meus desafios depois de muito tempo, mas não entendia o motivo de tanta graça.
Respirei fundo me preparando pelo que viria e entrei no escritório de meu pai. Cerrei as portas da sala para que pudéssemos ficar a sós enquanto o rei observava a paisagem pela enorme janela. Seus olhos não vieram até mim, mas eu sabia que me analisava de canto.
— E então? — iniciei. O homem suspirou de maneira pesada, virando-se para me encarar e caminhar pela sala.
— O mesmo que todo jovem aprendiz. — Ele seguiu. Sentou-se em sua mesa apoiando os pés ali, me parecendo que estava mais tenso do que de costume. — Um rapaz com sonhos lindos que sabemos serem impossíveis e um acordo de paz vindo de um casamento.
— Ele já se interessou por uma das gêmeas, então?
— Na verdade, ele quer conhecer todas e decidir qual será a mais qualificada para os seus planos.
— Todas? — meu coração parou por um instante e papai meneou a cabeça em afirmação. — Isso incluirá…
— Você. — Ele apontou em minha direção. Meu corpo se tornou tenso ao imaginar que o imperador não se importou com minhas ações para me descartar de uma vez. Tentei iniciar um de meus discursos ao meu pai naquele instante, mas quando movi os lábios ele ergueu sua mão me calando. — Eu não posso contrariá-lo, é o imperador e sabe o que os homens fariam.
Baixei os olhos em busca de calmaria para mim mesma e vasculhei minha mente atrás de artifícios que me livrasse daquilo. Meu pai suspirou tentando chamar minha atenção.
— Lilah, posso organizar passeios maiores entre ele e suas irmãs, priorizá-las dizendo todos os dotes de cada uma, como fiz com Néfler. Mas se ele pedir um encontro com você, terá que aceitar.
— Mas pai, meu propósito não…
— Querida, logo Perrie será rei e eu não viverei para sempre. Por hora, posso deixá-la sonhar como adora. Contudo, precisará acordar em algum momento, meu anjo. — Ele se levantou caminhando até mim com seus braços abertos e o rosto sereno tentando me passar tranquilidade.
No início neguei seu contato. No entanto, aquilo não era culpa dele. As pessoas haviam decidido por mim, muitas gerações antes e mudar bruscamente as leis destruiriam o reino. Se o aumento de impostos já causava revoltas, uma mulher líder poderia iniciar uma guerra. Não entre reinos, mas do povo contra o castelo.
— Talvez Perrie também a deixe sonhar, porém logo o povo questionará. As pessoas de fora já fazem isso — deixei que seu abraço me acolhesse naquele instante. Eu ainda pensava em formas de ser ignorada pelo imperador, procurava meios de fugir de todos os homens enquanto meu pai falava. Contudo, em minha cabeça eu sempre acabava apedrejada ou ignorada até por minha família, pelo fato de não querer me casar.
Todos os anos até ali, tive sorte por meu pai querer me ensinar tudo o que uma mulher não poderia aprender e de ter irmãos que me auxiliavam a fugir dos pretendentes. Sorte de opinar sobre os ocorridos no reino, mas sempre daquela forma. O rei fazia as reuniões com os homens e eu esperava do lado de fora do escritório. Quando terminava, eu e ele discutíamos os assuntos a sós. Sempre seria assim até que Perrie assumisse o trono e se ele me permitisse continuar, não mudaria nada.
Eu acabaria velha e sem status, sendo cuidada por minha família enquanto aconselhava o rei secretamente. Ninguém nunca saberia que as medidas para cuidar dos soldados em batalhas, reduções na economia e organizações sociais haviam sido regidas de ideias minhas. Pequenas e aprimoradas, mas minhas. Apenas meu pai, Chesco e Perrie.
Papai tinha razão, por hora eu poderia sonhar e fugir dos pretendentes. O imperador escolheria uma de minhas irmãs, depois surgiria outro rapaz que escolheria a gêmea disponível, mas uma hora só restaria eu e mesmo que o pretendente não quisesse, seríamos obrigados ou eu seria nada. Pois era o que as pessoas viam de uma jovem solteira.
Era injusto viver em um mundo tão grande dominado por mentes tão pequenas.