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Dois

— Você não parece animada com a chegada dos convidados de nosso pai — disse o rapaz colocando-se ao meu lado. Eu sentia a leve brisa invadir as janelas grandes do salão, enquanto meu estômago digeria a farta comida de minutos antes.

— Não me concentro em eventos chamativos — falei com os olhos fixos na imagem da parede à minha frente. Era um quadro antigo, mas ainda mantinha a pintura em perfeito estado. Ali estavam pintados meu pai e mãe ao lado do futuro rei que na época, teria não mais do que nove anos. Virei-me então ao rapaz ao meu lado, notando sua semelhança com a criança. Depois de uma breve observação, corri também os olhos pelo ambiente parando nas duas figuras mais distantes quando as encontrei. — Ao contrário de Brienne e Cármen que estão se deliciando com as especiarias.

Fiz menção às nossas irmãs gêmeas perambulando pelo salão atrás de carne nova. Ambas eram meninas de corações frágeis e alegres ao mesmo tempo, qualidades que lhes tornavam damas iludidas que seriam facilmente arrebatadas por um amor incondicional, o qual apenas elas sentiriam.

— Sei que prefere qualquer outro lugar — tornou ele a falar também observando-as. — Mas sabe que precisa de um marido, minha irmã. Já está chegando sua décima sétima primavera e nem sequer tentou se apaixonar, ainda. Veja que eu disse: se apaixonar.

— Para umas é mais fácil do que para outras, meu caro. — Tentei esclarecer. Ele me olhou com certa confusão.

Eu não era uma dessas damas que se dava por vencida em uma briga contra o amor e nós dois já estávamos batalhando por um bom tempo. Tentei, por anos, ser diferente de nossas gêmeas, pois nem o juízo conseguia me dominar e o único homem que sabia argumentar comigo estava ao meu lado, tentando mudar minha mente como sempre. Mesmo ele sabendo que eu jamais cederia ao casamento ou qualquer rapaz, ainda que precisasse deles para ter um status.

— Tento imaginar como funciona sua mente, senhorita Fleur, mas não consigo chegar aonde queria — murmurou o jovem, enquanto víamos nosso pai se aproximar com um largo sorriso em sua face e uma coroa muito bem polida em sua cabeça reluzindo o brilho do ouro.

— Digam-me que não estão discutindo. — Os lábios do grande homem mal se moviam, ele falava baixo para os convidados próximos dali não entenderem e na medida certa para que o ouvíssemos. — Seria constrangedor que começassem tudo de novo no meio do povo, já basta sua mãe em minha cabeça reclamando do vestido azul.

Olhei ligeiramente para o lado, tentando fugir de sua reprovação em relação a minha vestimenta.

— Desisto de tentar arrumar um pouco de juízo a sua filha, meu pai. — O rapaz quebrou o breve silêncio que havia se formado e olhou cada canto do salão para se certificar se haveria curiosos observando nossa conversa. — Pelo que vejo, a princesa Fleur não irá ao altar antes de qualquer um de nós.

— O príncipe Fleur tem uma santa mania de me mencionar dessa forma em uma igreja — falei um tanto irritada, afinal a conversa me deixava exatamente daquela maneira. — Eu apenas entrei em uma para as rezas do domingo, jamais para fazer o bom grado de um homem. Claro que se houver alguém deste mundo disposto a se submeter a mim e não o inverso, talvez possamos entrar em um consenso.

— Ainda que diga: não, o destino lhe enviará a exata contradição para seus devaneios e no fim, dirá que a relutância foi inútil — avisou-me o rei, e eu apenas dei de ombros ajeitando meus longos e castanhos cabelos.

— Seria um sonho para vocês me verem rebaixada a um lorde, eu sei. Mas o bom destino nunca me castigaria dessa forma — retruquei, saindo de perto dos dois homens para não ouvir outros de seus argumentos.

Sempre fui decidida com aquela questão de minha vida e homens seriam, nada mais do que uma mera distração estúpida. Eu precisava arrumar uma forma de ter status e isso não caberia em um casamento. Durante minha caminhada para longe dos leões, o guarda se posicionou no alto da escadaria do castelo batendo com sua lança no chão, chamando atenção dos convidados. Os olhos de todos do salão, foram ao seu encontro e o homem engoliu em seco antes de anunciar:

— A cidade de Lonth no Selo de Gogh, tem a honra de apresentar a este evento: O conselheiro e general, Turu Sasato Zang. A princesa Mariko Kiu Amino e o senhor, e mestre do império de Chogo, Tadaki Kiu Amino.

Os convidados do salão aplaudiram quando as figuras surgiram no alto das escadas, após a saída do guarda para nos dar a visibilidade dos visitantes. Mariko foi a primeira que vi, não parecia ter mais de 15 anos. Suas vestes em uma tonalidade avermelhada, eram cheias de sombras em forma de galhos. Os olhos escuros, pequenos e desenhados com o contorno dos cílios longos pareciam tentar decifrar cada um que a observava. Suas maçãs pintadas em um vermelho forte, — pelo excesso de maquiagem — deu uma palidez a sua face deixando-a ainda mais jovem e radiante. Ela usava a joia do império, uma coroa diferente das que eu e minhas irmãs tínhamos. Era feita de um bronze desenhando galhos grossos de árvores, que envergavam balançando os pingentes de jade. A peça estava enfeitando os cabelos retorcidos em um enorme coque, deixando-os mais volumosos.

Já o conselheiro e general Zang, estava totalmente adepto ao estilo de gala de nossa ilha. O terno azul-claro dava destaque ao ouro de suas medalhas e ombreiras. Os cabelos pareciam ter sido raspados para o evento, pois não havia uma risca em sua brilhante careca. O que deixava o homem com sua expressão ainda mais fechada ao salão e um olhar apavorante, totalmente ameaçador.

O imperador, por outro lado, tinha alguns centímetros a mais que o general. Os cabelos eram longos e tão pretos como os da irmã. As linhas que desenhavam seus olhos tinham um efeito cansativo nas orbes vibrantes e escuras do homem. Lábios finos, pareciam sorrir sutilmente e a vestimenta de um verdadeiro imperador cobria seu corpo de aparência rústica. Os ombros largos eram acariciados pelo grande manto branco entalhado em vermelho e dourado, e sua veste era muito bem acoplada por uma enorme quantidade de tecido em torno do homem com a faixa desenhada em ouro, lhe dividindo a cintura, destacando o traje tradicional de seu império.

Os três desceram a escadaria para cumprimentarem minha mãe, rainha do Selo e depois meu pai que já havia deixado meu irmão para recebê-los.

— Ele é lindo! — falou Brienne em meu ouvido, depois de se aproximar para nossa formação.

Os olhos claros de minha irmã, cintilaram de empolgação enquanto sua cópia se prendia no braço de Perrie com a mesma obsessão no olhar. Tanto eu quanto o príncipe, respiramos profundamente esperando o momento em que ambas começariam sua briga pelo homem. Por sorte, elas não fizeram escarcéu e se arrumaram corretamente.

A jovem Mariko tinha um sorriso para nós, caminhando com seus acompanhantes rumo aos quatro filhos do trono, demonstrando sua admiração por estar ali e os três tinham o mesmo andar gracioso e confiante que todos de Chogo mostravam ter quando estavam em nossa ilha.

— Príncipe Perrie Fleur — cumprimentou o imperador ao filho mais velho do Selo. Percebi que havia me colocado no lugar errado na fileira, pois estava por último no cumprimento. Eu devia ser a segunda na formação, já que Néfler não estava ali há um bom tempo e sabia que Gaya, passaria o resto da vida em meu ouvido por ter deixado aquilo acontecer. Suspirei derrotada, já imaginava as mil broncas da rainha — Princesas Brienne e Cármen Fleur — continuou o imperador, depois de apertar a mão de meu irmão e seguir para as gêmeas desesperadas que fizeram questão de brigar pelo cumprimento imperial. Em seguida, o líder parou diante de mim com uma expressão desafiadora, como se já me conhecesse. Ele limpou os lábios e disse: — Princesa Norman Fleur.

— O mestre do império de Chogo e sua irmã, podem se referir a mim pelo simples nome — fiz o cumprimento que sabia ser comum em seu império. Colocando as mãos em frente ao corpo, com a direita fechada em punho e a esquerda sobre ela. O Imperador estreitou seus olhos, já sua irmã sorriu contente.

— Norman! — ela disse com êxtase e eu lhe abri um sorriso amigável, fazendo-lhe a mesma saudação. O rapaz cravou os olhos escuros na doce irmã que pareceu ter medo daquele ato, pois baixou seu olhar dizendo algo em sua língua de origem.

— Desculpe, princesa — ele falou ao retornar para mim. — Isso tiraria as formalidades de nossa presença em sua morada e não queremos passar uma impressão errada.

Pude ver o brilho forte em seu olhar, ele realmente me desafiava.

— Não se preocupe imperador — deixei que meu sorriso se tornasse o mais cínico que consegui naquele instante. Se eram desafios que ele queria, teria um jato de palavras ameaçadoras. — Precisa convencer apenas meu pai e uma de minhas irmãs. Que já estão loucas para se tornarem presas fiéis de seus futuros maridos. Não há necessidade de me provar muita coisa.

— Norman! — repreendeu-me Perrie, mas nossas gêmeas e a própria irmã do imperador, não conseguiram disfarçar os sorrisos pelo constrangimento nos olhos do jovem líder de Chogo.

— A princesa quer dizer que não tem intenções de mostrar seus dotes ao imperador? — interveio o conselheiro e general Sasato. — Pensa que nosso senhor não seria digno de sua companhia?

Tadaki ergueu a mão, pedindo ao seu homem para se manter fora do assunto e ele assim o fez, se endireitando para observar o salão sem questionamentos. Porém, sua pergunta havia ficado no ar, pronta para mim.

— Creio que seja o contrário, meu senhor — ajeitei minha postura, mantendo o queixo erguido e o líder arqueou uma sobrancelha com a surpresa de meu seguimento. — Eu diria que não tenho dotes interessantes ao seu mestre e que não quero ser digna de homem algum.

— Princesa! — repreendeu-me, dessa vez, minha mãe que se lançou em nossa direção como uma águia pronta para capturar seu jantar.

— Está tudo bem, vossa alteza. — O imperador se prontificou a falar, fazendo-a parar e me olhar furiosa. — Parece que sua filha gosta de divertir as visitas. Mas gosto de sua recepção e isso quer dizer que pode me chamar pelo simples nome então, já que tenho esse privilégio. Certo Norman?

Foi minha vez de arquear a sobrancelha e encará-lo com certa incredulidade. O homem realmente havia me desafiado com minha própria má-criação, dando risos em meus irmãos e levando o líder a seguir seus passos para cumprimentar os demais convidados.

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