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"Kapitel Vier" (4)

Fany sabia que a dor de cabeça era um efeito colateral do choro e não da bebida. Ela sempre tivera o corpo fechado para os efeitos do álcool mesmo que a bebida destilada lhe causasse sensações extremas, ás vezes fingia estar bêbada para escapar de um flerte ou outro, mas só. Acordou já levando as mãos a têmpora. Ficou assim por certo tempo, até sentir uma presença ao seu lado.

Hugo deitado, a olhava com um sorriso de canto. Ele já perdera as contas de quantas vezes dormiu na companhia de Fany, na casa dela ou na sua. Mas esta foi a primeira vez que ele despertou antes dela. Havia descido, preparado uma bandeja com waffes, cereais e torta de amora - a preferida dela -, e como se adivinhasse um copo de água e uma aspirina.

Apesar da dor Fany sorriu largo. A bandeja os separava na enorme cama box king queen, mas em pouco tempo ela já pulara em cima dele ignorando as pontadas na cabeça e fazendo o gargalhar como só ele o fazia. O apertou forte contra si. Como se a saudade fosse ser esmagada antes mesmo de existir. Engoliu em seco e se afastou, precisava contar para ele sobre sua viagem a Alemanha, mas antes precisava comer e foi isso o que passou a fazer, trocando olhares carinhosos com o amigo.

(...)

- Há quanto tempo somos amigos? - Fez a pergunta á ele logo que engoliu o último pedaço da torta de amora. Tentava ganhar tempo antes de chegar direto ao ponto.

Hugo franziu o cenho tentando lembrar a data exata.

- Acho que tínhamos 6 anos. Primeiro ano escolar. - Disse engolindo uma uva em seguida.

Fany se remexeu na cama, incomodada e limpou a garganta.

- Você tem algum segredo, que guarda até de mim? - Sabia que a linha que escolhera era perigosa, mas agora já tinha feito a pergunta.

Hugo se engasga com o suco de graviola, mas se recompõe assumindo uma postura tranquila, ao mesmo tempo que investiga a linguagem corporal da amiga. Fany estava tensa. O que isso podia significar? Que ela gostava dele como ele gostava dela?

- Não acho que seja um segredo... - Falou depois de um tempo, pegando mais uma fruta da bandeja.

Agora Fany franzia o cenho.

- Como assim? - Perguntou curiosa.

O rapaz concluiu que ela não tinha ideia. Sorriu fraco.

- No acampamento do colégio quando tínhamos 12 anos, eu que coloquei o sapo no seu sapato. - Diz sério dando mais uma mordida na fruta que comia. Era verdade. Mas não a verdade que ele queria falar.

Fany abre a boca fingindo espanto. Mas logo começa a gargalhar com o amigo.

- E você? - Hugo pergunta quando se recupera de tanto rir com ela.

Fany aperta os lábios enquanto controla a respiração, assumindo uma postura séria.

- Não é bem um segredo... é... algo que eu tive conhecimento a pouco tempo. - Fala olhando para baixo.

Hugo sente o coração palpitar diante do que pode ouvir, de repente está sem vontade alguma de continuar a comer. Afasta a bandeja e se aproxima de Fany que está estática.

- Ei, não pode ser tão difícil falar... - diz levantando sua cabeça para que ela olhe em seus olhos brilhantes, Hugo estava numa expectativa imensa.

- Eu... eu tenho... tenho uma família... - Ela diz desviando o olhar do dele novamente o que foi uma boa ideia, pois ele não conseguiu disfarçar a decepção. Mas só por um momento.

- Isso... isso é ótimo Fany! - Expressa verdadeiramente.

Fany suspira, os olhos embaçados mais uma vez.

- Eles moram na Alemanha! - Diz de uma vez, e olha para o amigo que muda a expressão sutilmente. Ele não era burro. Ele sabia o que aquilo significava.

Quando a notícia está totalmente clara, ainda ressoando como eco em seus ouvidos, ele se afasta de Fany o bastante para que ela volte a falar.

- Eu não tomei nenhuma decisão final quanto a isso Hugo... - pega a mão dele - mas eu preciso conhecê-los, eles são a família que sempre quis ter.

- E por que só agora? - Questiona com a voz altiva soltando a mão dela. Estava desapontado, irado e agora sem esperança alguma.

- Eu também não sei tá legal. E por isso vou até eles, para entender e descobrir porque tanto mistério. - Disse com a voz embargada.

Hugo solta um riso anasalado, escondendo um misto de sentimentos.

- Quanto tempo? - pergunta incisivo olhando firme para Fany.

- Três meses...

- TRÊS MESES? - grita levantando da cama.

- Daqui três meses completo 18 anos, eu teria que ficar sob a tutela do Sr. Fattori. Preferi usar este tempo para estar com a minha família e...

- E O QUÊ? - Hugo está exaltado, não sabe ao certo por que, nem ele mesmo se reconhece.

- Para de gritar Hugo! Eu não preciso disso agora, por favor...

- Você está fazendo a mesma coisa que eles fizeram... - Hugo diz se dando conta.

- O quê? - Fany pergunta desacreditada.

- Você vai embora... como todos foram...

- Não ouse me comparar com eles Hugo - diz partindo para cima dele, ele se afasta - eu não sou igual eles, nunca serei.

- A única diferença é que você está dizendo adeus! - Disse deixando as lágrimas saírem e por fim dando as costas e deixando uma Fany ainda mais abalada.

(...)

Fany passou a tarde estudando e pesquisando sobre sua família e sobre seu suposto bisavô, não poderia deixar a situação com Hugo tirar seu foco, até porque estar ocupada afastava a vontade de se entregar à tristeza, -tentaria resolver isso depois, quando a poeira baixasse, - leu e releu as cartas, o diário de sua bisavó, pesquisou na internet, nos livros do seu pai, e aos poucos fazia um roteiro do que faria nos três meses que passaria na Europa. Iria unir o útil ao agradável.

O celular dela vibra em uma chamada silenciosa, e na esperança que fosse seu amigo o pega de cima da cama e atende sem ver quem era.

"Alô?"

"Oi Fany, fico feliz que tenha atendido de primeira". - Christofer.

"Oi!" - Limitou-se a dizer sem transparecer a tristeza que estava lhe consumindo.

"Como você está? Já se mudou para a casa dos Fattori?" - Ele pergunta e ela franze o cenho, "casa dos Fattori" estranho para um homem que vive só!

"Não... Não ainda." - Desconversou, não queria falar para ele que estaria indo para Alemanha, não por telefone. "Falando nisso, preciso falar com você". - Enfatizou.

"Estou sempre ao seu dispor Stefany, sobretudo agora". - Disse complacente. Fany suspirou e prosseguiu.

"Amanhã voltarei a minha rotina, escola e trabalho... podemos almoçar juntos." - ela sugere. Precisava resolver as coisas antes da viagem afinal.

"Tudo bem, se estiver pronta para voltar, tudo bem!"

"Nos vemos amanhã então. Até!" - Despediu-se dele.

"Até mais querida".

Jogou o celular na cama e recostou-se na mesma. Exausta. Precisava parar, dar um tempo ao menos. Organizou de qualquer jeito a bagunça colocando tudo em seu closet novamente. Pendurou a chave no colar que ganhara do ex-namorado. Única recordação que mantinha dele. O pingente de uma árvore. Achou estranho na época, não ser um coração ou algo que remetesse o amor, hoje entende que o simbolismo da árvore está ligado as suas ramificações e subdivisões e era fascinada por isso. Sempre o escondia sob a roupa. Veio à calhar.

Desceu disposta a comer alguma coisa pois tinha pulado o almoço contrariando Dora sua governanta. Depois pensou em sair com sua moto talvez por uma última vez, mas não sabia para onde ir, a caverna já era, o amigo estava afastado, e lá fora ainda havia jornalistas a espreita. Bufou. Mas lembrou-se rapidamente que não havia comunicado ao Sr. Fattori seu tutor, que iria para Alemanha. Ele a deixaria ir? Subiu para escovar os dentes e trocar de roupa. Pediu para Jackson levá-la ao escritório do advogado.

(...)

- Pode entrar senhorita Stefany. - Greta sorriu simpática depois que desligou o ramal do patrão. A garota agradeceu e entrou na sala do Dr. ainda sorrindo. Sorriso este que apagou assim que viu que havia mais uma pessoa na sala.

Ele a olhou, o mesmo olhar que sempre dirigiu a ela. Fany engoliu seco, a respiração falha quase a impediu de falar...

- Nick!... - sussurrou. Dominic Fattori, seu ex namorado estava ali á sua frente, em carne e osso.

(...)

Munique, 02 de março de 1930

Liebes Tagebuch,

Descobri que estou completamente apaixonada. É um sentimento libertador e assustador ao mesmo tempo. Sinto que sou capaz de fazer qualquer coisa por Adolph, e nem sei se ele sente o mesmo. Ele nunca deixou à entender pelo menos.

(...)

Munique, 10 de abril de 1930.

Liebes Tagebuch,

Nada mais importa, hoje soube que sou correspondida. Ele pediu que o acompanhasse a um passeio no fim de semana. Será que estou sonhando? Vou me beliscar. Ai! Não estou sonhando!!!!

(...)

Munique, 15 de abril de 1930.

Liebes Tagebuch,

A semana passou devagar demais, mas finalmente chegou o dia em que sairei com o amor da minha vida. Está tudo tão perfeito que até assusta. Disse que seria um presente adiantado de aniversário para ele. Dentro de poucas horas ele virá me buscar. Minha mãe e minha irmã Gretl me ajudaram a escolher um vestido. Agora vou indo, preciso me preparar.

Munique, 16 de abril de 1930.

Liebes Tagebuch,

Eu quero morrer. Meu pai não me deixou sair com Adolph e desta vez, nem minha mãe conseguiu impedir sua agressão contra mim. Estou com um olho roxo e os lábios cortados. Mas o que mais dói é meu coração que está sangrando de ódio e amor ao mesmo tempo. Será que perdi o grande amor da minha vida? Se perdi, também estou prestes a perder a sanidade.

(...)

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