"Kapitel Drei" (3)
"Há uns que nos falam e não ouvimos; há uns que nos tocam e não sentimos; há aqueles que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas... há aqueles que simplesmente vivem e nos marcam por toda a vida"
(Hannah Arendt)
Há controvérsias sobre existir amizade entre homem e mulher. Mas como raramente Fany se importa com opiniões alheias prefere pensar que... depende... da circunstância, do tempo, do momento.
Hugo não é apenas uma opção, não é o que restou quando todos os outros foram embora - incluindo seus pais. Hugo foi o que permaneceu mesmo quando teve todos os motivos para ir também. Ele sempre este presente em sua vida e tornou-se parte dela.
Se ela resolvesse ir para Alemanha, mesmo que por pouco tempo, não seria fácil ficar distante dele. Não... seria muito difícil ficar longe da pessoa que hoje era a mais importante da sua vida. Não sobrara mais ninguém.
Com a cabeça descansando no ombro do amigo, pensava em como gostaria de contar sobre tudo o que lhe assolava, não poderia, não por ser um segredo, mas por ser perigoso.
As últimas palavras do alemão/primo/Gustav antes de ela sair de seu carro quando a deixava em casa, causou nela grande angústia...
- Stefany, o conteúdo desta caixa... - apontou para o objeto no colo de Fany - parece ser um mito, mas não é! Não conte para ninguém, não mostre para ninguém, mesmo que seja a pessoa que mais confia no mundo. Porque no momento que isso acontecer, ela estará em perigo - deu pausa antes de pronunciar o que mais assustou a garota, o sotaque alemão deixava tudo ainda mais apavorante - Você tem uma arma em suas mãos, você pode acordar um gigante adormecido, que talvez nem esteja dormindo de fato, talvez esteja à espreita, aguardando o momento de entrar em cena.
Fany completamente aturdida, não exteriorizava o quanto. Mas uma coisa deixou transparecer, que jamais revelaria o seu segredo porque isso nunca fora uma opção, em contrapartida, será que ela deveria confiar em uma pessoa completamente desconhecida?
- Sei que não me conhece, e não tem motivos para confiar em mim - o alemão a decifrou -, exceto que a chave que abria a caixa estava comigo. Seu pai confiou á mim.
- Mais alguém sabe? Alguém de sua família? - Fany pergunta mais curiosa para saber sobre a família que nunca conhecera, que por outra coisa.
- Não! Quer dizer, sabem ao seu respeito, mas não a verdade em si. - Fany suspira cansada, despede-se de Gustav, prometendo entrar em contato para definir sobre ir para Alemanha ou não.
Hugo dirigia sua Pick Up Toro vermelha que comprou especialmente para levar e trazer a moto de sua melhor amiga para onde quer fossem juntos, ou em situações como aquela. Ele a livrou de um interrogatório na delegacia, chegando no exato momento que a amiga e o guarda saíam da caverna. Foi necessário muito mais que desculpas e explicações de sua parte. Mas ele faria tudo por ela. Estava preocupado com a amiga, pressentia que a morte de seus pais era só a ponta do iceberg.
Em frente a mansão da garota, uma aglomeração de repórteres com suas câmeras e microfones aguardavam por ela.
- Quer ir para minha casa? - Ele pergunta depois de estacionar no meio fio á alguns metros do burburinho.
- Sim... - fez um muxoxo... - mas não irei... preciso encará-los. - Ela diz ao lembrar que já escapara diversas vezes, no velório, no enterro, no escritório do Sr. Fattori, onde Gustav e ela saíram pelos fundos, enquanto Jackson fingia esperá-la na frente. E por fim, livrou-se de ir parar nas mídias de uma forma nada encantadora, quando saiu da caverna seminua.
- Quer que eu vá com você? - Hugo perguntou segurando um sorriso. Ela arqueou a sobrancelha, como se dissesse "que pergunta ridícula". Ele por fim sorriu. O sorriso mais sincero do mundo.
Hugo estacionou o carro na frente da propriedade já que a entrada da mesma estava bloqueada pelos famintos repórteres que logo perceberam quem estava dentro do carro. Fany olhou para os mesmos, olhou para seu amigo e suspirou. Saiu do carro, e os flaches quase a cegaram. As perguntas pareciam chuva de granizo.
*O que acha que aconteceu com o jato de seus pais?*
*O que irá fazer com tantas obrigações deixada por eles?*
*É verdade que não há nenhum outro familiar?*
*O que estava destinado a você no testamento?*
Fany se encontrava, muda e horrorizada. Nem conseguira dar dois passos, sentia-se envolta de um enxame de abelhas operárias, que foram programadas para não sentir nenhuma espécie de compaixão. Ela havia perdido os seus pais. Perdeu seus pais. E nenhum deles demonstrava o mínimo de solidariedade. Nem que pudesse respondê-los, não o faria. Dela eles não teriam nenhum tipo de informação. De repente ela começou a estremecer com a ideia daquela mídia escrota e sensacionalista saber a verdade sobre sua linhagem, sobre seu sangue, um arrepio lhe percorreu o corpo inteiro, ela jamais poderia revelar o que tinha naquela caixa. Nem para seu melhor amigo. Nunca.
Hugo percebendo o estado catatônico da amiga, tentava afastá-los em vão. Até soar uma voz de um megafone da polícia. As luzes da sirenes ricocheteavam por todos os lados. Os jornalistas sanguessugas se afastaram dando liberdade para outra pessoa passar.
Christoffer.
Fany pode sentir o alívio lhe envolver e abraçou Christoffer que lhe devolveu o abraço.
- Eu liguei para você a tarde toda, por fim liguei para a mansão e Dora - a governanta - disse que você tinha saído sem dizer onde ia. - ele fala com tom preocupado.
- Sim... eu saí e esqueci o celular. - mente. Hugo cerra os olhos em sua direção. Ela não o atendeu também, a diferença é que ele sabia onde encontrá-la.
- Mas está bem? Está tudo bem? - Christoffer intercala o olhar de Hugo para Fany, demorando-se na garota, como se implorasse por saber o que está acontecendo.
- Sim, está tudo bem! - Mente de novo. Ela estava desesperada. Precisava beber.
Na rua agora mais tranquila a polícia vigiava e mantinha os jornalistas e paparazzis longe o suficiente para não ouvirem a conversa. Era o que podiam fazer devido a lei do direito à liberdade de imprensa. - A constituição brasileira é uma piada! - Fany pensou.
- Vamos entrar? - Fany convidou. Não queria mais ficar ali. Na realidade não queria mais nada, nada além de um banho.
- Não... vejo que está em boas mãos. - Olha para Hugo que meneia a cabeça concordando e agradecendo ao mesmo tempo, mesmo não simpatizando muito com o mesmo por razões antigas. - Mas se precisar de mim, estarei disponível e... Stefany... atenda o celular. - Repreende em tom paternal.
- Claro, sim claro, pode deixar. - Fany sorri fraco e adentra os grandes portões de ferro com Hugo depois de ver Christoffer ir embora em sua Lamborghini Huracan prata. Um direito luxuoso de alguém que dava seu sangue pela Corporação Barbant.
- Não adianta... não gosto desse cara! - Hugo deliberou enquanto entravam na mansão. Fany riu balançando os ombros mas não disse nada. Uma governanta aflita veio em sua direção.
- Querida! Você está bem? O que houve? Por que tantos policiais lá fora? - Fany ainda sorrindo a abraçou.
- Estou bem Dora, só estou com fome! - Fany diz para agradar os ouvidos da senhora, mas o que menos tinha era fome.
- O jantar fica pronto em 20 minutos. Suba e tome um banho. - A governanta diz analisando o estado de Fany com uma careta.
(...)
Depois do jantar Fany e Hugo sobem para o quarto dela. O rapaz liga a TV e fica mudando de canal como sempre faz apenas para atormentar a amiga. Mas hoje ela não estava ligando para algo tão insignificante do qual sentiria falta. Ela havia decidido enquanto tomava seu banho que iria para Alemanha. E agora quieta, deitada ao lado do seu melhor amigo, pensava em como lhe dar a notícia.
- Quer ver algum seriado? - Hugo perguntou.
Fany negou com a cabeça. Levantou indo até o closet e voltou com uma garrafa de tequila que guardava para uma ocasião especial. E não era uma.
Hugo percebeu que algo estava errado, além do que já sabia. Desligou a TV, ajeitou-se na cama de frente para ela e cruzou os braços.
- Você sabe que eu não nego bebida! Mas tem certeza que é um bom momento para isso? - Perguntou enquanto a amiga já levava o gargalo a boca, deixando escorregar pela garganta uma boa quantidade do líquido ardente. Logo em seguida estendeu-a para o amigo.
-Eu preciso relaxar Hugo, nada mudou tá legal. Sou a mesma de sempre, só quero me divertir e esquecer, nem que seja por pouco tempo. - Disse ao amigo que a condenava com o olhar. Era verdade, mas não estar sendo 100% verdadeira com ele a levou a beber, e não tinha certeza que a ideia era boa, uma vez que a língua fica solta quando se bebe em demasia.
- Ok! Mas desde que desabafe comigo! - Ele impôs a condição pegando a garrafa das mãos de Fany que comprimiu os lábios numa linha rígida.
- Do que quer saber Hugo? Não há nada sobre mim que você não saiba! - desconversou Fany claramente fugindo da imposição, pegou a garrafa das mãos dele bebendo mais um gole de tequila.
- Eu sei! E não me importo de ouvir de novo! - Disse alcançando o controle do ipod em cima do criado mudo, selecionando a playlist preferida deles. Liberdade ou solidão começou a tocar... e os olhos de Fany a embaçar.
"Livre... era o que ela mais queria ser...
Livre... pra ir e vir e ser o que quiser... quando quiser e se quiser...
mas só o tempo só.. pra descobrir... se a liberdade é só solidão..."
Hugo se contentou em ser o ombro que ela precisava. E entre um gole e outro da tequila que descia fervendo pela garganta, assim como as lágrimas de Fany escorriam quente sobre sua face, enxercando a camisa dele... ouviram a música em silêncio até o fim.
- Você é a melhor "coisa" da minha vida Hugo. - Sussurrou no ouvido dele assim que conseguiu conter as lágrimas. Ele sorriu com a boca em seu couro cabeludo, mas permaneceu em silêncio.
Fany estava alterada pelo álcool, mas ainda tinha um fio de sobriedade.
- Seria tão mais fácil se eu me apaixonasse por você! - Ela disse deixando Hugo afetado. Por um momento achou que a garota descobrira o quanto já fora apaixonado por ela. Não que não fosse mais, apenas houvera aceitado que o amor que ela sentia por ele era diferente.
Abriu a boca e fechou várias vezes, mas não conseguiu pronunciar palavra alguma. Então Fany o olhou, de uma forma diferente que ele não decifrou, ela estava tão perto, sua respiração acelerada sob o efeito do álcool, a vontade de beijá-la era quase palpável, mas não se atreveu, já estivera em situações muito piores onde venceu o desejo de tê-la, não seria agora que faria algo que poderia afastá-la para sempre. Limitou-se em depositar um beijo casto em sua testa, logo após desviando o seu olhar dos dela. Seu coração acelerado o lembrou que Fany havia escapado de falar sobre o que lhe afligia, e quando reuniu coragem para perguntar mais uma vez, encontrou-a adormecida em seus braços, vencida pelo cansaço mental e físico dos dias de luto.
Ambos tinham segredos afinal.