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4

Estou no quarto escovando meus cabelos, pensando que é hora de cortá-los um pouco, tentando não sofrer por antecipação já que logo meu tio deve chegar a casa de Linda. A última vez que o vi, foi quando ele enviou-me de volta a Itália, eu não queria ficar, queria voltar para o lugar onde havia vivido com minha mãe nos últimos meses de sua vida. Dizem que ela morreu de tristeza, ela nunca mais foi a mesma pessoa depois da morte de meu pai, e eu tinha a impressão que iria pelo mesmo caminho. Meu tio fez se espalhar os boatos de lugares onde eu poderia estar, e até mesmo alguns de que eu havia morrido. E durante dois anos eu vivi praticamente reclusa no Convento de Santa Lucia, ocasionalmente saía para o vilarejo com a Madre e algumas irmãs, e sempre me senti protegida por elas. Meu tia enviava dinheiro, para minhas despesas, e como forma de gratidão ao Convento, as vezes, nos falávamos por telefone, as vezes eu recebia cartas de Nikolai, mas meu contato com o mundo fora das antigas paredes onde vivia era restrito. Tinha certeza, que se me afastasse muito de lá, os Villani me encontrariam. Bem, eles encontraram de qualquer jeito.

Faço uma trança solta em meus cabelos, e logo penso se é mesmo necessário esse vestido, não quero causar nenhum problema, não estou na casa de minha família, mas tenho a impressão que Linda quer que eu use roupas mais justas quando Michael está presente, e isso me incomoda, tanto quanto os saltos. O vestido da vez é preto, e foi entregue por uma loja a pedido de Linda, com outra dúzia de sacolas que não cheguei a olhar. Ouço batidas a porta e logo Fabian a abre, e sem olhar diretamente para mim, diz que o convidado de Linda me aguarda. Meu tio, Joe Cavalieri, que eu espero, possa me ajudar a me livrar daquele compromisso. Sei que falar em particular com ele será quase impossível, mas minha outra alternativa é fugir.

Desço a escada depois de respirar fundo, Fabian vai logo a minha frente, como se sem sua presença eu simplesmente não conseguisse chegar ao último degrau, onde está Michael Villani, com uma expressão totalmente indecifrável. Ele está sério, de um jeito assustadoramente austero, me olhando como se eu tivesse feito algo que o desagradou, e por mais que meu desejo de ficar longe dele seja enorme, eu não atino o que poderia ter feito além de detestá-lo e a sua companhia.

Ele me oferece a mão quando estou a dois degraus do chão, e mesmo contrariada coloco a minha sobre a dele, quente e suave, e vacilo no último degrau, então ele me segura percebendo imediatamente meu nervosismo, e me enviando um olhar de quem estava pouco se importando com o fato de que estava sendo negociada.

– Não vai demorar – diz, segurando-me junto dele – e depois que conversar com seu tio, tenho um presente para você.

– Um presente... – não me ocorre nada, e o braço de Michael ao meu redor me deixa apreensiva. Esse tipo de homem, comum ao nosso mundo, audacioso e sedento por conquistas é tudo que definitivamente não me atrai.

– Nada de mais – ele fala, com aquele jeito de que não dá importância enquanto segue ao meu lado – é só bastante útil, desde que use com moderação.

Não continuamos a conversa, pois entramos em uma sala mais íntima da casa, e imediatamente vejo meu tio, o mesmo jeito de sorrir enviesado, os cabelos alourados, elegante em seus um metro e oitenta, bem vestido, como sempre me lembrava dele. Joe Cavalieri abriu os braços para mim e apressei meu passo até ele, em um abraço saudoso e demorado. Por um momento tenho uma sensação boa, de estar de volta, de família, mesmo não estando em Chicago.

– Está tão linda, Giu – ele me olha nos olhos – lembra muito a sua mãe.

Sento-me ao lado dele, e conversamos por um tempo, sobre minha tia Charlotte, meus primos, e como todos estavam ansiosos para me encontrar, meu tio diz que não deve demorar, e noto uma rápida troca de olhares entre ele e Villani, que por um momento eu havia até esquecido da existência, então logo entramos no assunto pelo qual aquele encontro estava acontecendo.

Meu tio diz que aquele arranjo já havia sido acertado, antes da morte de Erico Villani, e que ao contrário do meu tio Tony, não tinha a intenção de voltar atrás. Quando perguntei se eu poderia ir para Chicago, o clima ficou estranho, e meu tio fez uma pausa antes de responder. E a resposta não foi a que eu havia imaginado. Quando Linda havia dito que eu ficaria ali por uns dias, pensei que seria até aquele encontro, e me senti frustrada enquanto ouvia que ficaria sob proteção do meu futuro marido até o casamento, que se realizaria um mês após o noivado.

– Achei que iria poder ficar com minha família antes do casamento – olhei de Joe para Michael, que havia falado quase nada enquanto meu tio explicava que ambos haviam feito ajustes, e aquela era uma das exigências de Villani.

– O que o senhor ganhou em troca? – perguntei, sem meias palavras, sentindo como se tivesse uma pressão em minha garganta.

– Giulia, por trás de nossas decisões há quase três décadas de conflito – Joe colocou sua mão sobre o meu ombro.

– Ficarei prisioneira, então? – encarei Michael, tão irritantemente tranquilo que só me fez achá-lo ainda mais detestável – É uma péssima maneira de começar esse acordo!

– Estou me assegurando que desta vez o acordo seja cumprido – ele responde, calmo e irritante.

– O que acha que vou fazer se for para Chicago? – estou pensando que talvez não tenha outra alternativa a não ser fugir, mesmo sabendo que minhas chances de escapar são mínimas.

– Tony ajudou nossa irmã a fugir, Giulia – Joe respirou fundo – Villani e eu só estamos tentando ganhar a confiança de Nova Iorque e Chicago, e tenha certeza, a maioria não acredita que essa união vai se realizar.

– O que é motivo para mais desavenças – Michael concordou, e em seguida ofereceu um copo de uísque a Cavalieri – Ficará aqui, alguns soldados de Chicago serão autorizados a fazer sua segurança enquanto for nossa hóspede. Seu tio poderá vê-la, assim como suas primas. Linda inclusive já fez esse convite aos Cavalieri.

– Saber que estamos, ambas as famílias dispostas a fazer com que essa união aconteça, é bom para todos – tio Joe se aproximou de mim – não vou mentir a você, cedi um carregamento valioso ao Sr. Villani, assim como ele passou para os Cavalieri a gerencia de um importante clube. Faz parte do acordo, Giulia, e a cooperação entre nossas famílias nos deixará em uma posição importante.

Ouví-los falar sobre seus acordos e sobre o que isso representava me deixava enjoada, eles não entendiam como eu me sentia. Era um mero joguete, moeda de troca, nas mãos de homens que não pensavam em nada além de poder. Quando me despedi do meu tio naquele final de tarde, meu único pensamento era que não poderia esperar que ele fizesse algo para evitar aquele casamento, e que qualquer oportunidade que surgisse, não importava o quão arriscado fosse, seria minha melhor chance, não só para honrar a memória de minha mãe, mas para viver a vida que ela não teve.

Achei que Michael não daria pela minha falta quando voltei para o quarto, o plano era tentar conseguir de volta meus objetos pessoais, e Linda havia me garantido que logo os teria de volta, se conseguisse que uma mensagem minha chegar a um dos contatos de Nikolai, talvez ele possa me ajudar. Ouço uma batida leve a porta.

– Pode entrar – imagino que deve ser Linda, trazendo Morgan com ela para tentar me animar, mas vejo Michael.

– Trouxe o seu presente – ele trazia uma sacola de uma marca famosa de celulares – vai precisar disso.

Ele ficou parado na porta, mas não parecia com pressa, era como se estivesse esperando que eu o convidasse para entrar, em seu antigo quarto, o que eu achei ótimo, pois não tinha a intenção de fazê-lo. Pensei em dizer a ele que sumisse dali com aquele celular, mas a verdade era que poderia facilitar se eu quisesse contato com o mundo exterior, mesmo sabendo que deveria ter todo tipo de "app" ali, para me rastrear, e muito possivelmente Villani poderia ter até mesmo ler minhas conversas. Ainda assim, se eu soubesse usar, seria uma ferramenta útil.

Me aproximo, desconfiada, e a maneira que Michael me olha me faz querer recuar. Sinto-me acuada cada vez que preciso falar com ele, e sei que isso tem que acabar, isso só o torna mais seguro de que pode fazer o que quiser comigo, então levanto meu queixo levemente, sem me dar conta que ele deu dois passos em minha direção, o que nos deixou a centímetros um do outro, de maneira que posso sentir seu calor por trás do perfume masculino e leve odor de charuto. Ele me encara de volta, enquanto entrega-me a sacola, sinto seus dedos roçarem nos meus, quentes e macios, e logo depois ele se vira e sai, e no silêncio consigo ouvir o som do meu coração como se eu tivesse corrido até a beira de um precipício, e quase caído.

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