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Com o passar dos dias, não só de assuntos relacionados a Giulia Cavalieri necessitam de minha atenção. Por motivos que todos sabemos, os russos parecem estar querendo vingança pelos homens perdidos na Itália e por termos colaborado com os Cavalieri, tomando deles dois fornecedores de droga em Chicago. Estamos não somente em maior número, mas melhor organizados, e além de tudo, desde que não interfiram nos negócios os civis estão seguros em nossa vizinhança. Não damos motivos para a polícia, nem eles fazem questão de investigar quando é muito mais favorável fingir que não veem uma infração aqui, outra ali. Muito diferente dos russos, cujo diplomacia é inexistente.
Nossos inimigos em comum estão recuando, mas eu não me engano, desde que os boatos de que estavam enviando homens de prestígio internacional, entre eles seu executor, Nikolai Dotreiev. Desconfiava-se que ele estava em Nova Iorque à alguns dias e que sua missão é recuperar não só seus domínios e recursos, como levar com ele Giulia, minha futura esposa, e claro, ele será um homem morto se tentar, não me importa que isso seja um declaração de guerra a toda máfia russa.
Vejo Carolyn entrar pela porta, o vestido leve sob o cardigan e saltos. Mesmo por trás dos óculos escuros percebo que meu silêncio, que já dura dias deve estar deixando-a puta! Nunca escondi de Carolyn qual seria meu futuro em relação a filha de Donatella Cavaliere, e mesmo gostando dela, sabia muito bem que não seria considerada o ideal para esposa de um capo. Haviam pouquíssimas exceções, que nos livrava de um casamento por conveniência, por amor, como foi o caso de minha irmã. Mas, entre os homens, era inadmissível. Os acordos e alianças culminavam em uniões, e sabemos que a fidelidade era exigida apenas da parte da esposa, algo com o que eu jamais concordei. Fidelidade, lealdade, compromisso, em minha opinião sempre andaram lado a lado com família, honra e dever, e se Carolyn ainda não havia entendido, terei que falar isso de maneira clara. Afinal, em poucos dias colocarei um anel no dedo de Giulia, e parte da minha promessa era que a traria para casa, e cuidaria dela.
– Michael Villani! – ela disse entredentes, estava furiosa – seu grande filho da puta!
Apenas acendo um charuto tranquilamente, esperando que ela pense bem nas próximas palavras, em nome de tudo o que tivemos. Ela sabia que aquele dia chegaria, e eu detesto drama.
– Sente-se – eu aponto a poltrona confortável, não pretendo me demorar, nem dar a ela algum tipo de explicação. Mas, sei que seria canalhice minha não dar a ela uma compensação pelos últimos anos.
Alcanço para ela uma pasta, dentro, a escritura de um confortável apartamento, ela passa os olhos rapidamente pelo documento, e crispa os lábios. Carolyn não é mais a garota indefesa que eu defendi de uma gangue local, com o sonho de tornar-se uma cantora famosa na cidade grande. Ela começou a servir bebidas em um dos meus clubes até me convencer de que estava pronta para se apresentar. Não é uma diva pop como dá a impressão quando desfila pelo camarim, mas de fato canta muito bem, e de minha parte, poderá continuar cantando em nossos clubes. Desde que nosso relacionamento torne-se apenas profissional.
– Isso é algum tipo de piada? – ela disse depois de cruzar as pernas de maneira sedutora.
– De maneira alguma, Care – falo calmamente – já havíamos conversado sobre como minha situação mudaria quando retornasse da Itália.
– Nós não conversamos, você decidiu que as coisas mudariam! – Carolyn estava irritada – acha que isso é maneira de me dispensar? – ela segurava firme a escritura.
– Claro que não, querida, pedi ao Chris que fizesse uma transferência para você, o dinheiro deve estar na conta – falo e recebo um risinho sarcástico de volta.
– Achei que sua fidelidade começaria depois dos votos, na cerimônia de casamento – Carolyn acendeu um cigarro – que teríamos ao menos uma despedida antes dessa palhaçada!
– Mudança de planos, querida.
– Ela deve ser incrível... – ela diz, tentando prolongar a conversa para saber mais sobre Giulia – e pela sua rapidez em querer acertar as coisas, já deve estar trepando com a ... como é mesmo o nome dela?
– Care, você sempre soube.
– Entre saber e ser dispensada, há uma grande diferença, Michael!
– Ainda assim, você sabia – levanto-me, e vou até a porta, abro e espero pacientemente enquanto ela coloca a escritura na bolsa e vem em minha direção. Viro meu rosto discretamente, evitando a tentativa de beijo de Carolyne. Ela coloca os óculos e sai pelo corredor, pisando duro, um suspiro choroso antes de voltar-se enquanto chama o elevador. Fecho a porta. Sem remorsos.
Volto para minha mesa, tenho muito a fazer, mas dessa vez é Chris quem me interrompe. Meu consiglieri entra, falando algo sobre o jogo da noite passada, onde tiveram alguns problemas com convidados mais exaltados, e definitivamente meu interesse no comportamento dos clientes nas mesas de jogos é quase nenhum, desde que paguem o que nos devem, e ainda assim, tenho designado funções para não lidar com isso. Mesa de jogo não é lugar de quem não tem dinheiro.
– Foi Carolyn que eu vi passando como uma tormenta e entrando no elevador? – Chris nem sequer disfarça a curiosidade.
– Foi – não estou querendo dar maiores detalhes, e sei que no fundo, ele está satisfeito com a situação, já que houve um tempo em que deu a entender que estava querendo ficar mais íntimo dela.
– Piranha – ele disse, servindo-se de uísque do outro lado do meu escritório – acho que você foi generoso demais com ela.
– Não tenho a intenção de lidar com ela, Chris, e era isso o que ela me pediria quando percebesse que o que ganha não cobre seus gastos – dei os ombros – não quero ligações no meio da noite, cenas quando estiver com Giulia ao meu lado, e você sabe tanto quanto eu que Carolyn faria isso.
Ele concordou silencioso, e depois falou: – Giulia nem deve saber a respeito dela, aliás, falando nisso, porque não a leva para jantar em minha casa?
– Alguma data especial?
– Valerie está passando uns dias comigo – ele se refere a irmã – fiquei sabendo que a pobre menina está em cativeiro...
– Linda é uma linguaruda!
– Sério, Mike, tem que dar mais atenção a ela, você a viu a dez dias atrás – Chris riu, e em seguida sentou-se de frente para minha mesa – Ontem mesmo vi você no Saint's, saindo já de madrugada.
– E devo vê-la em breve, na festa imensa que Joe Cavalieri faz questão de organizar para o noivado – não evito a revirada de olhos, por mim seriamos somente eu e Giulia, em algum lugar tranquilo, em uma ocasião que não deveria demorar mais do que uma ou duas horas.
– Vai fazer essa desfeita a Val? – ele pergunta de um jeito divertido – vamos lá, primo, tire uma noite para a família, e para sua futura esposa. Seremos somente nós.
Penso por um momento que é exatamente o que as pessoas mais próximas devem estar pensando, sobre o "cativeiro", e não adianta explicar para a maioria que estou guardando Giulia para garantir que o acordo aconteça, e também por sua segurança. Não pude escolher a mulher com quem irei me casar, mas não significa que ela não estará sempre sob minha proteção. De fato, não tenho me comportado como se estivesse interessado em me aproximar dela, ao menos para que não haja constrangimento quando estivermos sob o mesmo teto, mas não acho que eu e Giulia temos muita coisa em comum, ela é apenas uma menina, e vai acabar como a maioria das garotas que se casam com homens como eu. Solitária.